Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Manobras políticas sufocam jornais na Argentina

O dia 10 de dezembro marcou os 30 anos do retorno da democracia na Argentina. No entanto, a liberdade de expressão não tem motivos para comemorar. Um dos pilares do Estado de direito e do pluralismo está sob constante ameaça e pode-se dizer que o sistema argentino cambaleia. Há dez anos, jornalistas e meios de comunicação do país começaram a ser vítimas de todos os tipos de manobras políticas e também ataques físicos, especialmente no interior. Nas províncias, de acordo com o monitoramento do Fórum Argentino de Jornalismo (Fopea, na sigla em espanhol), vem crescendo nos últimos anos os ataques contra a integridade física e patrimonial dos jornalistas e das pequenas empresas de mídia.

Ameaças à liberdade de imprensa na América Latina são variadas e atingem grande parte dos países da região. O Grupo de Diarios América (GDA), formado por onze jornais da América Latina, do qual O GLOBO participa, oferece um panorama desta situação na série, “As ameaças à liberdade de imprensa”, que começou ontem.

– A mudança deve ser feita em todos os níveis. No futuro imediato, temos de resolver os problemas apresentados pela Lei de Meios, mas também os vícios que são muito difundidos, como a manipulação da publicidade oficial, as pressões, as intimidações. Mas esses vícios não são exclusivos do governo, também estão enraizados em todas as províncias do país. Temos que mudar a cultura política – diz o ex-chefe do Ministério das Comunicações da Argentina Henoch Aguiar, advogado especializado em mídia e telecomunicações.

Governo intimida jornalistas

Na verdade, há dez anos, o clima de liberdade de expressão está cada vez mais rarefeito. Meios de comunicação e jornalistas passaram a conviver, como se fosse algo cotidiano, com pressões, perseguições, agressões físicas, ações oficiais para que as grandes cadeias de supermercados não anunciem em jornais críticos ao governo, intimidação da Receita Federal da Argentina (AFIP), acusações criminais falsas, forte assédio público por parte da presidente Cristina Kirchner e seus ministros para a aplicação da Lei de Meios, e a possibilidade concreta de desmantelamento ou divisão do Grupo Clarín em unidades mais fracas. Em suma, uma robusta Hydra de cem cabeças parece ter escapado das páginas mitológicas de Jorge Luis Borges para se multiplicar em variadas estratégias de censura indireta.

A batalha do governo contra os meios de comunicação que não ajustam a linha editorial às versões oficiais e a tentativa de dividir jornalistas entre partidários do governo e opositores foi acompanhada pela sociedade com espírito desportivo: como uma partida que se disputa gol a gol. Após a derrota eleitoral de Kirchner nas eleições legislativas de 2013, a partida parece ter ficado empatada e sem uma resolução iminente. Assim, nos últimos cinco anos, o debate sobre a execução da Lei de Meios (que prevê um radical desmembramento das empresas de comunicação) teve, no início, um certo apoio popular, que foi diluído com o passar dos anos e a quebra das promessas de maior “democratização da mídia” e “multiplicidade de vozes”.

– A Lei dos Meios é uma das questões pendentes. A Suprema Corte a declarou constitucional, mas, ela precisa ser reformada. É preciso que se garanta a sustentabilidade dos meios de comunicação críticos ao governo. Também precisa corrigir outras questões fundamentais, como estabelecer regras igualitárias para distribuir a publicidade e facilitar o acesso às informações oficiais – diz Martin Etchevers, Gerente de Comunicação Externa do Grupo Clarín.

Publicidade oficial só para os amigos

Por sua vez, a Corte Suprema já emitiu diversas decisões sobre a publicidade em ações do jornal “Rio Preto” e da Editorial Perfil, mas o governo continua as ignorando e segue com a prática que começou há dez anos. Em 2013. o jornal “Tiempo Argentino” recebeu o equivalente a 595 páginas de publicidade oficial, “Crónica”, 341 e o “Página 12”, 225 páginas. Enquanto isso, os dois diários com a maior circulação do país receberam, somados, apenas 2 páginas: 1,6 páginas para o “Clarin” e para o “La Nación” apenas 0,4 páginas. E algo semelhante acontece com a televisão: enquanto a TV pública (Canal 7) recebeu 270 milhões de pesos e os canais pró-governo “Canal 9” e “América” ficaram com 143 milhões e 126 milhões, respectivamente, o “Canal Treze” do Grupo Clarín abocanhou apenas 1,5 milhão de pesos no ano passado.

Joaquin Morales Sola, colunista do jornal “La Nación”, afirma que a Argentina ocupa “um lugar entre os piores no ranking da liberdade de expressão” e avaliou que “só pode se dizer que esta liberdade está bem se comparada com o que acontece na Venezuela e no Equador.

Há poucos meses, junto com outros oito jornalistas, Sola denunciou para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington, casos de ataques à liberdade de imprensa.

– Na Argentina os jornalistas têm dois problemas sérios. Um, pessoal, porque nós somos vítimas de perseguição. E o outro, profissional, porque é quase impossível acessar informações oficiais – ressalta Sola.

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José Crettaz, do La Nación/GDA