O maior reality show do Brasil, e quem dirá do mundo, teve sua estreia na terça-feira 14 de janeiro, marcando 30 pontos no Ibope pela emissora Globo, superando a edição anterior. O que esse número representa? Bem, cada ponto equivale a cerca de 185 mil domicílios, em outras palavras: 577 mil pessoas, se levar em conta o padrão de medição para nível nacional. Ora, se mesmo antes de ir ao ar, os “anti-BBBs” já davam alarde sobre os malefícios do programa, carregando páginas e mais páginas de usuários das redes sociais, no dia de estreia e no dia seguinte a ela, a mídia caiu em cima, batendo recordes de audiência. A questão é: se eu não gosto, por que eu assisto?
Ao buscar internautas para argumentar, me surpreendi com a quantidade de pessoas interessadas em opinar sobre o assunto “sigilosamente”. Diziam assumir a audiência que davam à emissora, mas não queriam seus respectivos nomes relacionados ao programa exibido pela Rede Globo de Televisão. Motivo: exposição social.
“Não assumir que assiste ou que assistirá pode ser compreendido como uma intenção verdadeira, a princípio, de não acompanhar o show. Mas quando começam os comentários e as apresentações dos participantes também têm início as variadas definições de personalidades e as antecipações de comportamento, emoções, decisões e do grande final com seu vencedor. Muita gente não quer ficar fora desta disputa. Acertar seria conhecer o outro e parece que gostamos de saber quem este outro é, como age e por que o faz desta forma. O Big Brother permite isto. Permite que as pessoas opinem sobre os confinados e suas reações”, afirma a psicóloga Ana Cristina Zamberlan, de Campinas, SP.
O programa e a exposição social
O Big Brother Brasil consiste num programa composto pela exposição de pessoas que se sujeitam a regras para conviver entre si. É a versão nacional do reality mais popular do mundo. A temática é basicamente a mesma, com algumas pinceladas de reciclagem que variam de edição para edição, como a participação de Valdirene (um personagem de uma novela, interpretado pela atriz Tatá Werneck) que ficou confinada juntos aos demais participantes por cerca de 12 horas.
Os participantes, que passam por um processo de seleção, ficam trancafiados numa casa (geralmente de extremo luxo) onde deverão viver e conviver com as diferenças ao longo das semanas. O jogo vai se desenrolando. As máscaras caem e o mais forte, ou o mais popular, ou o que der mais retorno de mídia, sagra-se o campeão. Tem gente que fez carreira artística e até política no jogo. E tem gente que tira a roupa. E tem gente que simplesmente desaparece, e vez ou outra rende uma olhadinha de canto em alguma revista ou site de fofoca, e lê a legenda de uma foto: “Fulano de tal, ex-BBB”.
Definições à parte, o que leva alguém a perder horas de sono para acompanhar a vida de outras pessoas em um programa de televisão composto inicialmente por 20 integrantes na disputa por 1,5 milhão? A grande questão não é o prêmio. Mas sim, a forma com que os integrantes são expostos à massa com o pretexto de concorrem ao prêmio em questão (que quase não tem custo para a emissora).
Para a psicopedagoga Carla Carpino, a coisa que o ser humano mais gosta de fazer é ver a vida do outro, observar. “Gostamos de olhar uns aos outros, seja no shopping, na praça, nas ruas. Adoramos ver e ser visto. E quando falamos de cultura brasileira, essa característica é mais acentuada. O BBB é um reality show que permite o voyeurismo de uma forma bem intensa, 24 horas por dia. O programa permite a sensação de poder, de fofocar, de saber de tudo e de todos, dos dramas, das alegrias. Dá a sensação aos telespectadores de um falso poder sobre aquelas pessoas, de controle, podendo intervir, tirar do programa o participante que não agrada”, conclui.
Ana Cristina complementa: “Estamos tão acostumados com nomes em inglês que esquecemos que o Big Brother é um espetáculo real: reality show. Por ser real apresenta uma miniatura das relações humanas e isto chama a atenção de muitos. Ver como alguém se comporta no jogo, como se livra dele, como outro não percebe o que acontece e como outro ainda distorce o que acontece e por aí vai em inúmeras variações de comportamentos e intenções. O que estes atores reais mostram não difere do que acontece no dia a dia nas casas não confinadas e não cinematográficas. Mas no programa acontece certamente e qualquer um que queira poderá ver.”
A cultura e a vida que eu queria ter
“A TV se consolidou como meio de comunicação de massa, e este seria o primeiro ponto, de que o hábito e costume de ver TV é algo culturalmente construído. O segundo ponto é analisar o BBB como um jogo, onde a competitividade prevalece e é essa a cultura disseminada pelo capitalismo”, aponta o estudante de Ciências Sociais Diego Montanini. Carla prossegue afirmando que a televisão de uma forma geral deixou de ser um veículo de informação e entretenimento para as famílias: “Nos dias de hoje, a maior parte dos programas voltados para os nossos adolescentes, jovens e até mesmo para os adultos, incentiva a traição, o uso indevido de bebidas, o sexo livre. Pra mim, o Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. Com relação a exposição do ser humano, bem como a supervalorização do corpo físico, eles influenciam diretamente nas atitudes do indivíduo, pois passam a ter o estereótipos dos participantes inseridos na sociedade, o que acaba por geral diversos malefícios sociais.”
Segundo o filósofo Marcelo Gonçalves, essa realidade fantástica almejada pela maior classe da população nacional acaba refletindo a realidade do povo brasileiro na busca pelo fetiche, que acaba se realizando através dos participantes do reality, o que justifica o motivo do “acompanhamento” do programa e da “formação” social do indivíduo. “Pode-se dizer que o BBB é um local a ser reproduzido pela mídia, onde a produção insere uma quantidade de pessoas lá dentro para que se suportem, mas que no fundo são todos inimigos e estão buscando o prêmio ou fama ou a capa de uma revista (ou ambos).” Também em nosso dia-a-dia lidamos com diversas pessoas que adoraríamos mandar para o paredão (e vice-versa), mas que, nas palavras de Sylvio Micelli em artigo para o Observatório da Imprensa, “nossa santa hipocrisia social nos (os) impede. Eis o espelho da humanidade”.
E você: já deu sua espiadinha hoje? Quem gostaria de ver fora da casa?
******
Mariane Montedori é repórter, Campinas, SP