Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tanto em Lisboa quanto no Rio

A recente obra de José Tengarrinha sobre a imprensa portuguesa nos revela a existência de jornais sobre o Brasil, lançados em Lisboa e Coimbra, pouco ou nada conhecidos aqui. Quando o Brasil declarou sua independência em 1822, a imprensa conservadora portuguesa culpou o governo liberal pela separação da antiga colônia, com o argumento de que num regime absolutista isso não teria sido possível.

Um jornal contrário à independência do Brasil foi o “Brasileiro em Portugal”, lançado em Lisboa em 1822 por Joaquim Manuel de Faria Lima e Abreu, que polemizou com as publicações liberais. Voz dissonante foi o “caso muito particular e muito curioso”, segundo Tengarrinha, de “O Brasileiro em Coimbra”, de 1823, a primeira folha em Portugal a defender a independência do Brasil. Provocou agitação na academia, onde encontrou grande apoio. Mas só circulou um número. Seu redator, o estudante baiano Cândido Ladislau de Figueiredo, foi processado, por iniciativa da universidade, acusado de abusar da liberdade de imprensa, preso e expulso da cidade.

Houve um período em que as histórias da imprensa do Brasil e de Portugal se entrelaçavam e se sobrepunham. Os pontos de intersecção, aos quais nem sempre se deu a devida atenção, são vários. O primeiro jornal publicado no Brasil, em 1808, a “Gazeta do Rio de Janeiro”, foi inspirado no formato, e até no nome, na “Gazeta de Lisboa” e retirava desta, ainda que com considerável atraso, uma boa parte das informações que publicava – e acompanhou sua linha editorial na defesa da Casa Real portuguesa e do poder absoluto do monarca.

O “Correio Braziliense”, lançado em Londres, também em 1808, por Hipólito José da Costa e que nos primeiros anos informou com detalhes sobre a guerra contra Napoleão na Península Ibérica, forma parte tanto da história da imprensa do Brasil como da de Portugal, que lhe dedica um espaço amplo. Jornais em língua portuguesa editados em Londres e em Paris na mesma época do “Correio Braziliense” são mencionados, embora timidamente e talvez sem o destaque que merecem, nos livros brasileiros sobre a imprensa; a principal exceção é Mecenas Dourado em sua biografia de Hipólito.

Folhas como “O Investigador Portuguez” na Inglaterra, “O Portuguez” ou “Mercurio Politico”, “O Campeão Portuguez”, publicadas em Londres, tratavam extensamente de assuntos brasileiros, eram lidos no Brasil e influentes na Corte no Rio, o que não impedia que a censura tentasse ocasionalmente, e com pouco êxito, impedir sua circulação.

Foi a época em que o Brasil deixava de ser colônia para formar parte, em condições de igualdade, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em que o Rio era de fato a capital do império português. Um debate, recorrente e áspero, entre esses jornais e o “Correio Braziliense”, se desenvolveu durante vários anos sobre o futuro das relações do Brasil com Portugal. Essa imprensa em língua portuguesa publicada em Londres foi decisiva, pela divulgação das ideias liberais entre uma elite do Rio e Lisboa e Porto, na preparação do ambiente que levou à Revolução do Porto em agosto de 1820 e ao fim do absolutismo.

Em 1821, com o fim da censura, surgiu um grande número de jornais de todas as tendências, tanto no Brasil como em Portugal, que tinham interesse nos eventos dos dois países, formando-se uma rede transatlântica pela qual as folhas de Lisboa e do Rio polemizavam e intercambiavam informações. Depois da Independência do Brasil, esse interesse informativo diminuiu, mas não desapareceu. A vida política dos dois países continuava entrelaçada. Com a morte de d. João VI em Lisboa, em 1826, seu primogênito, d. Pedro I, imperador do Brasil, herdou o trono de Portugal com o nome de d. Pedro IV e renunciou em nome de sua filha Maria da Glória, de 7 anos de idade. O jornal “Aurora Fluminense”, de Evaristo da Veiga, criticou d. Pedro por envolver-se nos assuntos de Portugal e por trazer ao Brasil os liberais portugueses e dar-lhes apoio financeiro.

Censura implacável

Em 1831, depois de abdicar como imperador do Brasil, d. Pedro voltou a Portugal e retomou o trono que seu irmão, o absolutista d. Miguel, conquistara pela força. Grande parte da imprensa brasileira acompanhou seus passos no exterior e pediu o seu retorno. A maioria da população no Brasil, como escreveu Joaquim Nabuco, queria o imperador de volta. Somente a partir de sua morte, em 1834, é que nos jornais dos dois países diminui o interesse de um pelo outro. Mas, até então, a perspectiva de um futuro comum ou a luta por um destino separado esteve presente no jornalismo dos dois lados do Atlântico.

Conhecer a história da imprensa portuguesa ajuda a compreender o passado da imprensa do Brasil. O mencionado livro de José Tengarrinha, lançado em Lisboa no fim de 2013, é uma excelente oportunidade. Tengarrinha, professor aposentado da Universidade de Lisboa e antigo professor visitante da Universidade de São Paulo, especialista em ciências sociais, é o mais conhecido historiador da imprensa portuguesa, assunto que vem estudando e pesquisando há várias décadas. Quase meio século atrás, em 1965, ele publicou a “História da Imprensa Periódica Portuguesa”, muito elogiada; em 1989 saiu outra edição amplamente revista e aumentada. Agora, Tengarrinha lança a “Nova História da Imprensa Portuguesa – Das origens a 1865”, livro esperado pela comunidade acadêmica de Portugal durante vários anos. Trata-se de uma obra monumental, com mais de mil páginas, certamente a mais ampla e exaustiva sobre esse tema publicada até hoje.

O foco do livro é o jornalismo em Portugal; isto é, os jornais com notícias e comentários e as circunstâncias históricas e sociais em que foram publicados. Significa que, ao contrário de outras obras sobre a imprensa, não menciona a introdução da tipografia e das artes gráficas em Portugal. Da mesma maneira, nada diz sobre a implantação de tipografias e prelos na Índia, no Japão e na África nos séculos XVI e XVII, sob a égide da coroa portuguesa.

Tengarrinha é meticuloso nas informações sobre a evolução da imprensa e menciona centenas de jornais dentro de um contexto histórico. Começa não com a primeira obra estampada em Portugal, o “Pentateuco”, impressa em hebraico em Faro, no Algarve, em 1487, mas com a primeira folha de notícias em português de que se tem conhecimento, a “Notícia da Infelicidade da Armada de Sua Majestade Que Escreveu o Mestre de Santa Catarina”, de 1588, quase um século mais tarde. É manuscrita e narra, em duas páginas, a destruição da Armada Invencível.

O autor examina as primeiras folhas noticiosas impressas e os primeiros periódicos impressos. Dá amplo destaque às “Gazetas da Restauração”, que surgiram para informar e estimular o patriotismo na guerra pela independência contra a coroa espanhola, um período de grande interesse para o jornalismo lusitano. Fica, também, evidente a precariedade das artes gráficas portuguesas e os efeitos de uma rígida censura que impediu a circulação de qualquer gazeta noticiosa no reino, durante quase duas décadas no fim do século XVII e em vários anos no XVIII.

Fonte obrigatória

No capítulo “O dealbar da imprensa no Brasil”, dirigido a um público português, Tengarrinha observa que a crescente importância comercial e política que o Brasil ocupou no espaço atlântico no século XVIII não teve expressão em sua imprensa periódica. Os motivos foram tanto o “condicionamento industrial”, que afetava a criação de tipografias, como o impedimento ao debate de ideias políticas. Ele menciona com detalhes o impacto em Portugal e no Brasil do “Correio Braziliense” e dos jornais em língua portuguesa impressos em Londres e Paris.

Devido ao foco da obra no jornalismo, com escassa menção aos primeiros tempos e à evolução da tipografia em Portugal, o livro dá poucos detalhes sobre a criação e o funcionamento da Impressão Régia de Lisboa, que serviu de modelo para a fundação da Impressão Régia no Rio em 1808, nem menciona a Casa Literária do Arco do Cego, em Lisboa, dirigida pelo frade mineiro Mariano da Conceição Veloso, onde se imprimiram dezenas de obras de alta qualidade, orientadas para o Brasil. A respeito de António Isidoro da Fonseca, que instalou uma tipografia no Rio, provavelmente a primeira do Brasil, e foi obrigado a fechá-la por determinação de Portugal, em 1747, a única referência no livro é que ele imprimira em 1740 “O Expresso da Corte e Emprego de Curiosidade nas Cidades da Lisboa Ocidental e Oriental”, que durou apenas alguns meses. O leitor brasileiro gostaria de mais informações sobre as atividades de Isidoro como impressor em Lisboa.

Mas Tengarrinha nos revela a existência de jornais sobre o Brasil que circularam em Portugal, assim como menciona diversas folhas brasileiras, sobretudo no Norte e Nordeste, que consideravam ilegal a Independência, depois que foi proclamada, e defendiam a continuidade da subordinação do Brasil a Lisboa e às cortes portuguesas, não ao Rio. Foi uma época em que as lealdades se encontravam numa área cinzenta. Quando em 1826 herdou o trono de Portugal, de novo sob uma monarquia absolutista, d. Pedro IV – no Brasil ainda d. Pedro I – outorgou aos portugueses uma Carta Constitucional que foi mal recebida por uma poderosa corrente conservadora instalada na administração, até o ponto de a “Gazeta do Rio de Janeiro” imprimir a carta três meses antes que a relutante “Gazeta de Lisboa”.

O “Telescopio Brasiliense nos Açores” ou o “Brasileiro Emigrado”, jornal escrito realmente nos Açores, mas impresso no Porto, do qual só se conhece o primeiro número, apoiou a corrente liberal portuguesa e se mostrou pessimista em relação ao Brasil depois da abdicação do imperador em 1831. Um semanário, “O Brasileiro em Lisboa”, de 1837, do qual circularam dez números, tinha como objetivo, segundo o prospecto, “pôr termo ao estado de ignorância em que até hoje havemos estado a respeito de um país que fez outrora parte deste reino”.

Essa obra de Tengarrinha termina em 1865, quando, com o nascimento do “Diário de Notícias”, se inicia a época industrial da imprensa portuguesa. Menciona sumariamente centenas e centenas de jornais, mas o leitor esperava mais detalhes sobre alguns deles, como o “Astro da Lusitânia”, o jornal mais popular da primeira fase liberal, no qual se desenvolveu um cálido debate sobre a transferência da capital do Reino Unido do Rio para Lisboa, do qual participaram também publicações do Brasil, ou “O Nacional do Porto” ou “O Comercio do Porto”. E principalmente sobre “O Português, Diário Político, Literário e Comercial”, lançado em 1826 e de vida curta. Segundo Tengarrinha, foi “o jornal de maior qualidade redatorial e gráfica da imprensa portuguesa até aí. Primeiro periódico de grande formato (…) inspirado na imprensa inglesa”, foi também o “mais categorizado e influente jornal liberal” e “a primeira empresa jornalística organizada em moldes capitalistas, lançada por uma sociedade por ações”. Foi dirigido pelo escritor e poeta Almeida Garrett, um ativo jornalista na época, que publicou e escreveu em vários periódicos políticos.

O livro de Tengarrinha é uma fonte obrigatória para estudiosos e pesquisadores da imprensa de Portugal e de proveito para os interessados no jornalismo brasileiro.

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Matías M. Molina é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição