Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que houve com o ato de assistir à televisão sozinho?

O que aconteceu com o ato de assistir à televisão sozinho?

Só eu e a TV. Sem nenhuma experiência multimídia. Sem smarphone ou tablets disputando minha atenção. Com as minhas mãos, sem qualquer obrigação com o laptop, livres para pegar petiscos e uma bebida.

Quero dizer… eu, relaxado, em um isolamento agradável.

Por favor, entenda: não ligo se outras pessoas estão na mesma sala (não sou misantropo ou recluso ou algo assim), desde que elas não abram a boca na hora errada.

Trocar ideias sobre “House hunters” com um colega e fã da série pode até aumentar meu interesse pelo reality show. Falar sobre aqueles casais famintos por casas e zombar de sua obsessão por “bancadas de granito” só deixa a coisa ainda mais divertida.

O entrosamento pela “twittersfera”, não.

Exemplo: eu assisto a “Scandal” assiduamente. Mas, enquanto estou assistindo, por que eu ia querer contribuir com minha cota de “AI MEU DEUS” a cada momento envolvendo Olivia Pope? “Scandal” desencadeia reações nervosas de seus telespectadores. Mas por que eu ia querer monitorá-los e me juntar a eles em tempo real, só para fazer parte dessa Multidão virtual?

Ainda mais porque “Scandal” tem um ritmo super rápido. Postar alguma coisa sobre a série significa que eu perdi alguma reviravolta-chave. É evidente que eu posso ver TV e teclar ao mesmo tempo. Mas eu prefiro economizar meu talento multitarefa para quando eu estiver no trabalho.

Dê um tempo

Acho que os programas de TV se enquadram em duas categorias: alguns — tipo “Scandal”, “Game of thrones” ou uma comédia alegre ou um documentário investigativo — merecem a minha atenção total.

Outros programas, tipo aqueles que se encaixam na clássica descrição de “chiclete para a cabeça”, eu celebro como uma oportunidade para espairecer.

No primeiro grupo, a segunda tela se transforma em uma distração indesejada.

No segundo caso, a ideia é ficar vegetando; só contemplar, sem se envolver.

Acabo me lembrando de Henry David Thoreau, que por volta de 1800 se desligou de tudo e foi até Walden Pond, onde observou: “Temos muita pressa em construir um telégrafo magnético de Maine ao Texas. Mas Maine e Texas não têm nada tão interessante para essa comunicação”.

Parece que o Twitter, por mais atraente que seja para unir os telespectadores, libera um enxame de outras pessoas que podem muito bem não ter nada importante para dizer.

O grande valor da interação através da segunda tela reverte a favor de pessoas que não têm nada a ver com a história, e que analisam e arquivam todos esses tweets. Analistas de redes sociais veem o que o Twitter está falando sobre cada programa para oferecer um estudo aos seus chefes e publicitários que alegremente pagam por informações sobre esse “buzz” quantitativo.

O Twitter é ótimo para democratizar o sentimento público. Todo mundo pode se expressar, e todos são levados em conta.

Portanto, os espectadores são incentivados a exercer o seu direito em explosões de 140 caracteres. De acordo com um livro recente, “Social TV”, nós vivemos “em um mundo no qual a televisão se tornou uma simbiose com a web, as redes sociais e o celular”.

Exceto quando não é caso, que é justamente o que eu escolho. Parafraseando Freud, “às vezes TV e só TV”. Ou pelo menos assim deveria ser.

Certamente é mais conveniente desse jeito. Lembre-se, o processo de tuitar em tempo real durante programas de TV normalmente exige que você os veja, em tempo real, enquanto estão no ar. Após décadas de subjugação às programações dos canais, os espectadores foram libertados nos últimos anos, abençoados com alternativas sob demanda que os permitem criar uma programação própria e compatível aos seus gostos pessoais (e pular os comerciais).

Então por que alguém ia querer, voluntariamente, se entregar ao ato grupal de assistir à televisão, só pelo privilégio de tagarelar com outras pessoas? Eu, por exemplo, sou um mestre do meu domínio (nesse aspecto, pelo menos). E fico feliz de continuar assim.

Uma pesquisa realizada com 2,5 mil americanos descobriu que 13% das pessoas que usam um celular ou um tablet para acessar conteúdo relacionado a programas de TV disseram que sincronizar esse conteúdo de segunda tela com o programa, em tempo real, deixa a experiência do espectador “muito mais agradável”. Já 67% disseram que deixa só “um pouco” melhor.

Minha sugestão: dê um tempo. Na próxima vez que você ver TV, tente sair da experiência social. Desligue a sua segunda tela. Transforme o ato de ver TV em um ato solo. Você pode se divertir mais do que imagina. E seus seguidores irão sobreviver sem você.

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Frazier Moore é colunista de TV da agência Associated Press