Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Proximidade das eleições aumenta pressão sobre a mídia

As eleições municipais e regionais na Turquia, marcadas para 30/3, são consideradas teste decisivo para o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. A tensão na campanha é palpável, e nem os jornalistas têm sido poupados. Envolvido em escândalos políticos e financeiros, e travando uma guerra de informação contra os seguidores do movimento do clérigo Fethullah Gülen, o governo intensificou a pressão sobre os veículos de comunicação nas últimas semanas.

Desde que a campanha teve início oficialmente, em 1º de janeiro, o Conselho Superior Eleitoral (YSK) foi encarregado de fazer cumprir os regulamentos eleitorais e punir os veículos de comunicação que os burlassem – na Turquia, as punições são aplicadas pelo Conselho Superior de Rádio e TV (RTÜK). No entanto, as decisões são claramente tendenciosas, geralmente a favor do AKP, o Partido da Justiça e Desenvolvimento da Turquia.

O canal de TV estatal TRT, por exemplo, recebeu apenas uma advertência por dedicar 89,5% de sua cobertura da campanha para o AKP entre 22/2 e 2/3. Durante o mesmo período, o canal dedicou 5% da cobertura ao partido republicano CHP, 5,3% ao MHP nacionalista e 0,2% ao pró-curdo BDP.

Por outro lado, o Conselho Superior Eleitoral suspendeu um dos programas do canal televisivo de notícias Samanyolu Haber durante oito dias por causa da exibição da coletiva de imprensa de um líder da oposição em 11/2, na qual foram divulgadas gravações comprometedoras de uma conversa telefônica entre empresários e o primeiro-ministro. No lugar, o canal teve que exibir um documentário produzido pelo Conselho Superior de Rádio e TV. Hidayet Karaca, presidente do Samanyolu Broadcasting Group, teme ter sua licença de radiodifusão revogada.

No início de março, o Conselho Superior Eleitoral ordenou que o canal Cem TV suspendesse dois de seus programas – o noticiário noturno e o programa Turquia, acordada – durante cinco e quatro dias, respectivamente, por conta da divulgação dos resultados de uma pesquisa que mostrava a queda no apoio ao AKP sem apresentar o tamanho da amostra.

Assédio e demissões

A campanha eleitoral tem sido marcada pela transmissão intermitente de segmentos de conversas confidenciais, confirmando a pressão do governo sobre os principais meios de comunicação. Em uma das últimas gravações, vazada em 18/3, uma voz identificada como sendo de Erdogan repreende Fatih Saraç, vice-presidente do grupo de comunicação Habertürk, sobre a forma como o jornal diário Habertürk e a emissora homônima vinham cobrindo um escândalo político e financeiro envolvendo filhos de três ministros do governo.

Em outro sinal claro deste tipo de pressão e da autocensura resultante, jornalistas críticos do governo continuam a ser demitidos. Arzu Ça?lan, apresentadora da rádio Best FM, e Cagdas Dogan, repórter do diário esportivo Fotomaç, foram demitidos por suas reações à morte de Berkin Elvan, um menino de 14 anos que foi ferido pela polícia em junho do ano passado e morreu após nove meses em coma. Arzu, que estava na Best FM há 21 anos, escreveu: “Eu comandava um dos programas mais populares. Até então, nunca havia sofrido qualquer sanção do RTÜK ou mesmo um processo judicial. Sou vítima de uma decisão totalmente arbitrária. Aos que perguntam, a gestão alega que pedi demissão, mas não é verdade. Isso é vergonhoso”.

Sibel Oral, jornalista do impresso Aksam, foi demitida por publicar um tweet contra Erdogan. Já a colunista Balçiçek Pamir renunciou ao seu emprego no jornal Türkiye para protestar contra a cobertura da morte do menino Berkin Elvan.

Violência policial e impunidade

Pelo menos dez jornalistas foram agredidos pela polícia enquanto cobriam protestos de rua em resposta à morte de Elvan ocorridos entre 11 e 13/3. Ao não garantir a segurança dos profissionais de imprensa, as autoridades turcas descumpriram as recomendações da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navanethem Pillay, declaradas em relatório publicado em 21 de janeiro de 2013, que abrange a proteção dos direitos humanos no contexto de protestos pacíficos.

“Os Estados devem assegurar que qualquer um que monitore e comunique as violações e abusos ocorridos durante os protestos pacíficos – incluindo jornalistas, profissionais de imprensa comunitária, outros profissionais de imprensa e blogueiros – possam fazê-lo sem medo de intimidação, assédio e violência física e jurídica. Nesse sentido, o Estado tem a obrigação de protegê-los”, afirmou Navanethem.

Censura no Twitter

Na quinta-feira [20/3], horas após Erdogan prometer que iria “aniquilar” os serviços do Twitter durante o período de campanha para as eleições, a rede social foi bloqueada na Turquia. No sábado [22/3], o microblog permanecia inacessível. Aqueles que tentavam acessá-lo eram redirecionados a uma página de publicação de sentenças judiciais, dizendo que o Twitter havia sido bloqueado por “medida de proteção”. No fim da semana passada, muitos turcos relataram dificuldades em acessar não apenas o Twitter, mas a Internet como um todo.

Em comunicado oficial, o gabinete de Erdogan alegou que a proibição do Twitter era uma resposta à recusa da empresa em cumprir centenas de decisões judiciais lançadas desde o mês de janeiro. “O Twitter tem sido usado como meio de levar a cabo assassinatos sistemáticos da moral, fazendo circular gravações adquiridas ilegalmente, registros falsos e fabricados de escutas telefônicas”, declarou o gabinete do primeiro-ministro.

Nas últimas semanas, diversas gravações de áudio foram divulgadas via Twitter, quase diariamente, apresentando conversas telefônicas envolvendo Erdogan, membros do alto escalão do governo e empresários, denunciando suposta corrupção.

Erdogan tem lutado para combater as acusações de corrupção, as quais ele alega fazerem parte de um complô de Fethullah Gulen para minar seu governo. O clérigo, que vive em auto-exílio nos EUA e já foi aliado ao primeiro-ministro, fundou há 50 anos um movimento chamado Hizmet que defende o serviço altruísta para o bem comum. O movimento não possui estrutura formal, mas conta com milhões de seguidores na Turquia – muitos deles ocupando posições influentes no Estado, mídia e indústria – e em mais de 150 países. Gulen e Erdogan têm diferentes visões sobre a reforma da sociedade turca, e o primeiro-ministro, que tenta governar a Turquia com mão de ferro em meio a um período turbulento tanto dentro do país como na região, acusa os simpatizantes do Hizmet de planos contra sua administração. Muito por conta dessa disputa, o governo reage acirrando o controle sobre a Internet e os tribunais, realocando e frequentemente rebaixando policiais, promotores e juízes.

O bloqueio do Twitter trouxe à tona a preocupação de que a Turquia pudesse desconectar outras mídias sociais e serviços de Internet, no entanto o governo disse que não há planos para impor restrições em outras redes, como Facebook e YouTube.

Conta fechada

Na sexta-feira [21/3], o governo turco iniciou as negociações com o Twitter dizendo que a proibição seria revogada caso a empresa com sede em São Francisco, nos EUA, nomeasse um representante na Turquia e concordasse em bloquear conteúdo específico quando solicitada pelos tribunais turcos.

Um porta-voz do Twitter não informou se iria nomear o representante, mas disse que as negociações e o diálogo com o governo estavam avançando. A conta oficial do Twitter chegou a publicar um tweet sobre o assunto (inclusive em turco): “Estamos do lado de nossos usuários na Turquia que confiam no Twitter como uma plataforma de comunicação ‘vital’. Esperamos que o acesso completo retorne em breve”.

O Twitter também chegou a publicar um tweet para os usuários turcos instruindo-os sobre como continuar a twittar via mensagem de texto. Alguns usuários conseguiram usar softwares de rede virtual privada (VPN) ou alterar a configuração de Domain Name System (DNS, Sistema de Nomes de Domínios), disfarçando o paradeiro geográfico de seus computadores. Na sexta-feira, a hashtag #TwitterisblockedinTurkey (“Twitter está bloqueado na Turquia”) estava nos trending topics mundiais.

Liderando condenação por parte de governos ocidentais e organizações de direitos, a Casa Branca disse que a proibição de acesso ao Twitter mina a democracia e a liberdade de expressão na Turquia.

Intolerância

De acordo com Christophe Deloire, secretário-geral da organização Repórteres Sem Fronteiras, a resposta do governo de Erdogan às críticas crescentes soa como intolerância e determinação para controlar o fluxo de informações no país. “Sua abordagem autoritária está exacerbando a polarização da mídia, que atingiu níveis preocupantes. A campanha eleitoral tem ressaltado a urgência da necessidade de uma reparação com os meios de comunicação e do fim de reações automáticas com mais repressão”.

Deloire ainda acrescentou: “É essencial que haja uma revisão completa dos órgãos reguladores de imprensa da Turquia, a fim de transformá-los em entidades verdadeiramente independentes em vez de órgãos de censura do Estado”.