O editorial de página inteira do Grupo RIC, publicado no periódico Notícias do Dia (28/3) e intitulado “Afinal, quem manda na UFSC?”, precisa ser problematizado e devidamente contextualizado, para que não tombemos diante de uma visão parcial, equivocada e mesmo desqualificadora de todos os ganhos sociais que a Universidade Federal de Santa Catarina tem granjeado ao longo de sua história. Lamentável mesmo não foi apenas a ação desastrosa, violenta e desproporcional executada pela Polícia Federal no campus da Universidade Federal de Santa Catarina – que colocou em risco a vida de estudantes, professores e crianças do Núcleo de Desenvolvimento Infantil, ferindo a autonomia universitária –, mas a forma simplista com que o editorial supracitado sintetiza as contradições internas da UFSC.
A professora e reitora eleita, Roselane Neckel, é acusada de leniente e encorajadora da “baderna” e do “vandalismo”; alguém que não tem pulso firme para comandar uma instituição tão respeitável como a UFSC. Textualmente, o editorial afirma:
“Desde que assumiu, a reitora Roselane Neckel vem imprimindo uma gestão mais ideológica e menos técnica à UFSC, com rupturas e divisões que enfraquecem a instituição. No episódio da ação policial, teve um comportamento questionável ao fazer a defesa cega da autonomia da universidade, usando um discurso incendiário ao invés de tranquilizar a comunidade estudantil.”
Ora, todo e qualquer espaço de produção do conhecimento em nível superior está inextricavelmente associado a escolhas políticas e ideológicas, e não apenas a decisões técnicas, a menos que o corpo editorial continue defendendo a perspectiva tecnicista do período do regime militar (1964-1985), onde toda a dimensão política e ideológica contrária era combatida com torturas, assassinatos e violações individuais de toda a ordem.
É evidente que existem antagonismos e posicionamentos divergentes na UFSC, mas não seria o caso de problematizarmos o porquê de tanta desqualificação? Os reitores (sim, todos homens) anteriores eram todos competentes e tinham uma visão mais “técnica” e, portanto, mereciam mais respeito? Quais interesses políticos e econômicos escusos se ocultam ao querer se desestabilizar o comando de uma universidade pública?
Antagonismo inevitável
Quanto ao uso de drogas ilícitas no campus, coloco-me contrário a tal prática, mas entendo que o processo de segurança de teor militarista age, especialmente, de forma repressora, denotando despreparo formacional para lidar com os usuários de drogas. Aliás, a ação da Polícia Federal na UFSC teve caráter espetaculoso, o que não corresponde a uma relação ética e profissional de instituições que gravitam na mesma esfera.
Por fim, e acompanhando o raciocínio do editorial, numa sociedade historicamente desigual como a nossa, que gerou na República Velha movimentos sociais como Canudos no sertão baiano (1893-1897) e o Contestado em Santa Catarina (1912-1916), acabam por promover – dadas as permanências históricas – novos movimentos por moradia e condições adequadas de existência, como é o caso do acampamento Amarildo de Souza, às margens da rodovia SC 401, no norte da Ilha de Santa Catarina. E, para ser mais direto ainda: numa sociedade de classes, o antagonismo entre capital e trabalho é inevitável e tensionador de toda a complexidade governamental, jurídica, econômica e cultural.
A UFSC é interdependente de toda esta complexidade; não está isolada do mundo capitalista, mas tampouco pode fugir de suas contradições internas. Por um lado, este episódio deplorável despertou determinados professores e estudantes da lógica produtivista e burocratizante em que as universidades públicas se encontram atualmente. Cabe aqui, refletirmos os aspectos motivacionais do trabalho jornalístico, não apenas do Grupo RIC, mas de todos os meios de comunicação em Santa Catarina que estão realizando a cobertura deste episódio.
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Jéferson Dantas é historiador, doutor em Educação e professor na UFSC