Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Controle editorial nas redações

Um dos lugares comuns associados ao jornalismo diz respeito à relação entre repórteres e chefias de diferentes níveis hierárquicos (editores, chefes de reportagem, diretores de redação e jornalismo, diretor geral, proprietário). Estes produziriam sobre aqueles fortes pressões para que uma idealizada “linha editorial” possa ser observada. Nessa visão o jornalista repórter seria sempre um subversivo, pronto para desobedecer às orientações do veículo em que trabalha. E seus superiores seus algozes.

Trata-se de um mito raramente confrontado com a realidade do jornalismo. As pesquisas na área ou aceitam-no como pressuposto, e, portanto, não o exploram, ou negam, afirmando ora que de fato repórteres estão submetidos a uma imposição de cima pra baixo, ora que dificilmente as pressões editoriais são verbalizadas e que os jornalistas têm grande autonomia para realizar seu trabalho.

O que essa pesquisa busca compreender é de que maneira os profissionais de jornalismo percebem essa relação no interior das redações quando algum interesse – da empresa e/ou do corpo de profissionais – está em jogo.

É preciso explicitar o que se entende por política ou orientação editorial para que o termo “controle” não seja tomado apenas como restrição, mas também como norma organizacional. Essa discussão pode ser situada nos marcos da ética jornalística.

Dessa forma, essa pesquisa tem por objeto de estudo o controle editorial das redações de TV aberta de Curitiba, considerando a distribuição das concessões na cidade a um pequeno número de proprietários ou grupos, que em sua maioria possuem outros meios de comunicação – rádios e impressos – sob sua tutela; quando não expandem o grupo empresarial para os setores da economia ou ainda atuam como figuras políticas.

A monografia aborda o debate sobre a objetividade informativa, entendida como fundamental para tratar do papel do jornalismo na democracia, embora não seja esse o núcleo da investigação.

O que serve de embasamento teórico são os conceitos de liberdade de expressão e de imprensa e de como a independência do veículo em relação aos poderes (político e econômicos) é essencial para a garantia desse direito (liberdade expressão) e desse dever (liberdade de imprensa) no processo democrático. (BUCCI, 2009).

O maior interesse desse Trabalho de Conclusão de Curso é investigar o comportamento e a percepção dos jornalistas das principais emissoras de TV de Curitiba considerando a postura desses profissionais em relação à orientação editorial dessas organizações, sobretudo em casos em que há censura ou autocensura. Estudar a postura dos jornalistas diante dos conflitos de interesse institucionais que conduzem o profissional a infrações éticas (manipulação de informações, veto de entrevistados, valorização de fatos que privilegiam um setor da sociedade em detrimento de outros). Como os jornalistas percebem a pressão editorial?

O que motiva essa pesquisa é a aparente apatia por parte da classe jornalística. Embora reconheça o esforço do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) em discutir esses assuntos e propor campanhas por melhorias na qualidade e nas condições de trabalho, a pesquisa quer demonstrar como se dão essas relações nas redações e quais seus efeitos na imagem da profissão. Seriam os profissionais coibidos pelas sanções identificadas pela Teoria Organizacional (BREED, 1955)? É possível afirmar que a organização institucional se sobrepõe as regras da profissão? Quem defende o empregado nesse caso? Qual a possibilidade de proteção? A relação de patrão e empregado, no caso do jornalismo, é diferenciada e controversa: quem paga o salário é a empresa, mas o compromisso na prestação de serviços é com o público, que é o cliente. Ou seriam os anunciantes os clientes?

Com essa finalidade, a pesquisa se debruçou sobre duas estratégias de coleta de dados. A primeira, mais restrita e pontual, consistiu em um formulário que solicitava junto às diretorias de cada emissora informações gerais sobre a empresa e a postura do setor de jornalismo frente a assuntos como linha editorial. Mais tarde, em uma proposta mais ampla e específica, aplicou-se um questionário a jornalistas de Curitiba com 24 questões de múltipla escolha e uma aberta que permitia comentários sobre o assunto.

Por fim, o interesse dessa pesquisa é compreender a dimensão da responsabilidade do empregador dos jornalistas no processo de produção da notícia entendendo como o profissional identifica essa interferência.

Essa discussão é relevante, em primeiro lugar, para a própria classe. Entender e documentar o que acontece na categoria e de que forma se comporta diante de um dilema ético é elemento essencial para discutir melhorias para a atividade exercida e, consequentemente a melhoria do serviço prestado ao público. Essa pesquisa, enfim, tem a pretensão de fomentar o debate sobre esse assunto não somente no âmbito acadêmico, como nas organizações que representam a classe jornalística e os meios de comunicação. Nesse sentido, é válido lembrar que o Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) não apenas apoia esse trabalho, como sinaliza o interesse em fazer uso dos dados apresentados como ferramenta de avaliação da atuação da própria entidade.

Em princípio, o principal objetivo da pesquisa foi identificar as relações de poder e hierarquia nas redações de TV das principais emissoras de Curitiba, a fim de caracterizar a possível transmissão da orientação editorial dessa organização aos jornalistas contratados. A ideia era verificar como os jornalistas se veem e/ou constroem sua autoimagem a partir de situações de conflito ético. Especialmente diante da interferência de outros interesses que não os jornalísticos na produção da notícia. Considera-se, portanto, a postura do profissional ao administrar a prescrição de condutas que favorecem os interesses da organização ou de um grupo de profissionais em detrimento da informação de utilidade pública e do debate público, como imposição de reportagens (ou orientações) que maculam a conduta ética da profissão: veto de determinadas fontes/entrevistados; omissão de informações; privilégio e projeção proposital de informações e fontes.

Foi necessário então conhecer a estrutura organizacional das empresas, o processo de produção de conteúdo e a percepção dos jornalistas a fim de verificar:

a) a interferência de outros setores tais como comercial e administrativo na formulação da pauta do dia;

b) como os profissionais detectam a linha editorial da empresa em que trabalham e como se comportam diante das orientações;

c) a reação dos jornalistas diante de situações de conflito ético: se há conformismo ou inconformismo, se há conflito ético pessoal ou autoconfrontação;

d) havendo inconformismo: que atitudes o profissional toma para remediar o que julga inadequado para exercício do jornalismo.

Esses aspectos foram explorados no questionário aplicado com 277 jornalistas, dentre os quais, 70 são empregados em TV. O que se verificou foi uma postura reativa, o reconhecimento tácito do problema e uma fuga da discussão sobre ele. A maioria identifica a pressão editorial como elemento presente na redação, mas se demonstra apática mesmo quando o controle afeta a natureza da atividade jornalística. 10

 

1. A ÉTICA JORNALÍSTICA E OS MECANISMOS DE CONTROLE EDITORIAL

O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação. (Artigo 4º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Capítulo II – Da conduta profissional do jornalista)

O jornalista é um agente social que possui a responsabilidade de informar, sendo que as informações devem corresponder à realidade dos fatos. Isso é o que diz a mais antiga das Teorias do Jornalismo, a Teoria do Espelho. Enraizada na própria ideologia profissional dos jornalistas do Ocidente, a definição da prática jornalística afirma que as notícias são determinadas pela realidade; ou ainda que as notícias são a imagem especular, o reflexo da realidade. Desta forma, a teoria coloca a informação como elemento central sem considerar a subjetividade do profissional, reforçando a noção de que o jornalista é um agente sem interesses específicos ou subjetivos (observador). A invenção da máquina fotográfica, capaz de reproduzir o mundo real por meio da imagem, impulsionou essa visão do jornalismo (TRAQUINA, 2004, p.146-149).

A cobrança pela imparcialidade e objetividade dos meios de comunicação é tão frequente e atual que nos sugere que os códigos deontológicos da profissão preguem tais condutas há séculos; enquanto que o clichê “a mídia manipula a massa” prevalece. Porém, a bandeira da objetividade jornalística é relativamente recente: do fim do século XIX, com auge no século XX.

O capítulo que segue traz um panorama de conceitos indispensáveis para a discussão do “controle editorial” – núcleo dessa pesquisa. Tratamos dos aspectos históricos e das diferentes concepções acerca da Objetividade enquanto atribuição da prática jornalística. A liberdade de expressão e de imprensa aparecem na discussão sobre a necessidade da garantia da autonomia dos profissionais (em relação a seus patrões, em um contexto imediato) e dos meios de comunicação (em relação aos poderes externos) a fim de garantir que o meio de comunicação seja responsável e zele pela atividade jornalística, priorizando a mediação do debate público.

1.1. A Objetividade Informativa: o primeiro simulacro

A afirmação da objetividade como elemento essencial do ethos profissional nasce nos Estados Unidos, no último quarto do século XIX. A influência vem do Positivismo Filosófico, que experimentava seu auge. Daí surge a noção de cientificidade na prática jornalística, já que o positivismo valoriza o que é “empiricamente verificável”.

As raízes da filosofia positiva de Augusto Comte [o francês Augusto Comte nasceu em janeiro de 1798 e faleceu setembro de 1857. É considerado o fundador do Positivismo] desenvolvida no século XIX tem visão teleológica (evolução histórica que visa um fim) com a “lei dos três estados”: teológico, o metafísico e o positivo. A ideia de progressão sinaliza o pensamento positivo como auge do pensamento humano. Outra característica é a fundamentação e a classificação das ciências humanas e a elaboração de uma disciplina para estudar os fatos sociais, a Sociologia, que no princípio foi tratada como Física Social (nomenclatura que sinaliza a ligação com as ciências naturais). Logo, a inauguração do conceito de objetividade no jornalismo é contemporânea ao nascimento do estudo dos “fatos sociais”.

As ferramentas adotadas pelos positivistas demonstram a influência dos métodos das Ciências Naturais nos primórdios da Sociologia. Essa herança é uma das principais características da corrente, a qual também lhe rendeu duras críticas. Também por herdar o modelo naturalista, o Positivismo supervaloriza a comprovação empírica. É uma reação à filosofia especulativa; se colocando como extremo oposto da especulação pura, exalta os fatos. Esse empirismo tem por objetivo explicar os fenômenos por meio da relação entre os mesmos (como), mas não se interessa por descobrir as causas (porquê). Ou seja, pouco ou nada interessam as causas. Para a atitude positiva não era esse o papel da ciência, mas sim a descoberta das relações entre as coisas. Rejeitando a metafísica, busca a investigação do “real” (o que é possível conhecer) e do “útil”. Guia-se para a “certeza” e despreza a “indecisão”. Para se chegar a esse fim, elaboraram instrumentos de pesquisa que recaem no modelo quantitativo e sinalizam a herança das ciências naturais à medida que valorizam as estatísticas, afastando-se do conhecimento subjetivo e alcançando a almejada “objetividade científica”: toda a afirmação sobre o mundo deve ser confrontada com um dado.

Os positivistas também defendiam a neutralidade da ciência, rejeição ao conhecimento metafísico e a noção de que só é válido como conhecimento o que perpassa pelo crivo científico, isto é, que é submetido à comprovação metódica e empírica. (TRIVIÑOS, 2009, p. 33- 41).

Essas características permeiam a noção de objetividade no jornalismo: busca pela neutralidade (ciência não está a serviço de nenhum interesse), confrontação de dados e valorização da realidade por meio do que é observado e comprovado. Dessa tendência naturalista nasce a Teoria do Espelho (primeira das teorias do jornalismo), citada no início desse capítulo.

Influenciada por essas ideias é que nasce a representação do jornalismo ideal por meio do conceito de “objetividade informativa” – que até hoje se mostra controverso e com inúmeras interpretações, mas prevalece como instrumento de ensino e credibilidade da profissão. Esse período trouxe a distinção entre fato (jornalismo informativo) e juízo de valor (jornalismo opinativo). O momento representou tal importância, que Bourdieu (1994) considera o nascimento do campo jornalístico nesse período.

São deste mesmo período as técnicas de imparcialidade informativa [O culto a imparcialidade é uma visão ingênua. Genro Filho também critica a técnica da pirâmide invertida. Para ele, mais que subjetiva, é sensacionalista: muita informação singular e pouco de conteúdo universal. Também é conservadora. No caso de um homicídio, valoriza (no juízo de valor implícito pela ordem em que a notícia é apresentada logo no lead) o crime, mas não esclarece a criminalidade. No pensamento marxista, considera-se que a objetividade pregada pelo positivismo está a serviço da manutenção da ideologia burguesa.], tais como lead e pirâmide invertida que visam resumir a notícia no título e no primeiro parágrafo, destacando a informação mais importante e poupando o leitor do restante (BARROS FILHO, 1995, p.21- 23). Imparcialidade é a qualidade de quem é imparcial, ou seja, que não toma partido ou julga; isento de parcialidade. Ou até que não sacrifica a verdade ou a justiça a considerações particulares. No jornalismo o conceito ganha status de credibilidade ao lado da objetividade. As técnicas que asseguram essa postura visam a construção de um texto que apresente as várias versões da história, os “dois lados” – amplo contradito. No entanto, há autores que enxergam essa visão positivista do jornalismo como uma utopia. Mais que isso, para Genro Filho (1987), linha marxista, é paradoxal que o jornalismo exerça a função de formador de opinião pública (função estudada desde 1922, com “Public Opinion” de Walter Lippman), sob a missão de ser neutro. A interpretação é inerente aos fatos e a opinião está expressa na construção da reportagem, na forma.

O que Barros Filho chama à atenção é que, apesar do conceito de objetividade estar associado diretamente ao conjunto de normas do jornalismo, os efeitos práticos estão ligados ao interesse comercial da empresa, já que a reportagem informativa (que segue as técnicas de imparcialidade) é garantia de credibilidade diante do público. Sendo assim, é um diferencial em relação à concorrência (apelidada “imprensa marrom” e “sensacionalista”). Além disso, a informação bruta, sem opinião, abrange um público maior, já que não há segmentação de ideias, e todos os anunciantes, pois não se corre o risco de criticar a conduta de empresas que financiam o veículo. Em certo sentido, a colocação de Barros Filho se torna simplista ao relacionar a objetividade e a lucratividade do jornal, como fatores de causa e efeito, mas o conceito, de fato, estabelece sim um contrato com o público: o leitor espera a objetividade, como um requisito de confiabilidade. Para o repórter é uma espécie de rede de proteção.

Cada etapa de codificação, de mise em forme, gera novas expectativas em relação ao trabalho jornalístico de seu autor e afeta suas relações na redação e na empresa jornalística. Dessa forma, o uso de técnicas precisas de descrição do real, ao retirar do jornalista parte do seu poder de manobra como codificador, retira-lhe também parte de sua responsabilidade. Não é o repórter quem fala ou escreve, e sim a realidade por ele espelhada. (BARROS FILHO, 1995, p.25)

Nesse aspecto, é importante ressaltar a contribuição da socióloga norte-americana Gaye Tuchman, segundo a qual as notícias nada mais são do que estórias (realidade construída e seletiva). São frames (de acordo com jornal) e, portanto, não factuais, nem objetivas. A objetividade jornalística é um “ritual estratégico”. Para os repórteres, a objetividade também representa proteção ética e jurídica e obedece a uma lista de procedimentos própria de uma prática e de uma rotina profissional. As regras servem de tática de proteção contra as críticas, os processos de difamação e, inclusive, as repressões por parte dos colegas e superiores – conclusão pertinente ao tema dessa pesquisa e relacionada aos Estudos de Breed que detalharemos mais adiante.

O repórter sabe que seu trabalho escrito passará através de uma cadeia organizacional composta por uma hierarquia de editores e respectivos assistentes. Como os jornalistas esclarecem prontamente, o processamento de uma notícia envolve “conjecturas”. O repórter “faz conjecturas” sobre as preferências do editor na secção local e os seus assistentes, que fazem o mesmo gênero de conjecturas em relação aos editores da seção política, e estes em relação aos editores principais, que, por sua vez, fazem conjecturas sobre as preferências do diretor, e todos eles “conjecturam” a vontade do proprietário. Todos criticarão a notícia após sua publicação. (TUCHMAN, 1972, pg.76).

A objetividade não é uma exclusividade do ofício jornalístico. Pelo contrário é exigida em várias profissões. Na comparação com o cientista social, o jornalista usa a objetividade com noção operativa, enquanto que nas ciências sociais a objetividade tem papel reflexivo. Essa distinção se dá pelo fator tempo: o jornalista lida com prazos diários. Tuchman elenca quatro procedimentos de rotina que servem de prevenção ou defesa às críticas: 1) Apresentação de possibilidades conflituais; 2) Apresentação de provas auxiliares; 3) O uso judicioso de aspas e 4) Estruturação da informação numa sequência apropriada.

Voltando a trajetória do conceito, as mudanças do fim do século XIX impulsionaram o Jornalismo Informativo de tal forma que na década de 20, o conceito ocupa espaço hegemônico. No entanto, com o surgimento do Jornalismo Interpretativo, o cenário muda e os críticos passam a entender a objetividade absoluta (e suas técnicas) como modelo deficitário de comunicação. Serve de exemplo o comentário a seguir:

(…) é falso pensar que o fato bruto entregue ao receptor é mais legível fora de seu contexto. Além disso, todo fato apresentado resulta de uma escolha, confessada ou não; seria melhor explicar essa escolha, justificá-la e comentá-la do que continuar jogando os fatos em confusão com outros. Enfim, e o mais importante, entregar um fluxo ininterrupto de fatos sem triagem, sem hierarquia, sem comentário é a melhor maneira de desinformar e de anestesiar a opinião. (WOODROW, Citado por BARROS FILHO, 1995, pg. 27) [WOODROW, Alain. Information Manipulation. Paris, Felin,1991, p.166].

Apesar da reflexão sobre o processo de produção da “notícia objetiva” e dos apontamentos de suas falhas, o advento da Televisão traz à tona (novamente) a objetividade como critério indiscutível do “bom jornalismo”. Pelas características do meio televisivo e pelo espaço privilegiado que ocupa(va) a TV, foi preciso reduzir o produto informativo aos fatos, fazendo da defesa da objetividade um imperativo da produção mediática. (BARROS FILHO, 1995, p. 27).

De acordo com Barros Filho, a objetividade jornalística, hoje, é vista de maneiras distintas: como ideal impossível ou como impossível indesejável. A primeira enxerga na objetividade um caráter de credibilidade, um ideal-tipo, contudo, impraticável. Ou seja, embora o profissional, enquanto indivíduo social influenciado por suas relações sociais, não seja capaz de exprimir um texto absolutamente isento de crenças e posicionamentos, deve posicionar a objetividade como uma racionalização utópica (modelo de desempenho) na produção da notícia. Nesse modelo, avalia-se a intenção do autor e não o enunciado (produto final):

Reconhecida a imperfeição intrínseca ao processo comunicacional, e aceita a “objetividade informativa” como tendencial, os autores, ao avaliar essa tendência, ora enfatizam as características do produto mediático, ora consideram que a “objetividade informativa” não pode ser avaliada pelo produto e sim pelo procedimento ou intenção do seu autor. (BARROS FILHO, 1995, p.34)

Já os autores que entendem a objetividade como impossível indesejável, afirmam que, além de ser uma regra inatingível pela própria dinâmica das redações (deadline curto, seleção das notícias) [A Teoria da Ação pessoal coloca as capacidades pessoais do jornalista-autor como elemento central no processo de produção da noticia. Nesse sentido, White (1950) lançou a metáfora do gatekeeping (seleção das informações em “portões” controlados pelos “porteiros”, sendo que os jornalistas são os porteiros que retém ou desprezam as pautas). Essa seleção é um processo altamente subjetivo. Estudo supera a Teoria do Espelho. (SOUSA, 2002, p. 40)], é impossibilitada pela bagagem social dos atores. Não há possibilidade da equipe de reportagem ser apenas observadora do fato, isentando-se por inteiro. Ao presenciar um acontecimento, o agente atingido interpretará o fato de acordo com suas limitações e sua história. Além disso, esse grupo de autores rejeita a objetividade por entender que as técnicas não são boas para o objetivo final do jornalismo: a informação do cidadão e a defesa do bem público.

A transgressão da fronteira entre realidade e ficção é um dos maiores pecados da profissão de jornalista, merece a violenta condenação da comunidade e quase o fim de qualquer promissora carreira de jornalista. No entanto, dever-se-ia acrescentar rapidamente que muitas vezes essa “realidade” é contada como uma telenovela e aparece quase sempre em pedaços, em acontecimentos, uma avalanche de acontecimentos perante a qual os jornalistas sentem como primeira obrigação dar resposta com notícias, rigorosas e se possível confirmadas, o mais rapidamente possível, perante a tirania do fator tempo. (TRAQUINA, 2004, p.20)

Nessa mesma crítica ao ritmo das redações, os autores alegam que o esquema da pirâmide invertida e do lead (e da escalada do telejornal, no caso da televisão), resume a informação de tal forma, que despersonalizam o autor, não cativam o leitor, são superficiais e estabelecem uma valoração hierárquica do conteúdo. O que ocupa mais espaço no jornal ou a primeira reportagem exibida no telejornal, transmite a ideia de que aquela notícia é mais relevante e que o que ficou de fora da edição, não importa ou importa menos. O que não deixa de ser um método subjetivo, que exprime um juízo de valor muito claro.

O número de fatos geradores de notícia (potencialmente mediatizáveis) que chegam as reuniões de pauta deve ser reduzido para se adequar aos espaços predispostos pelo veículo. A seleção temática é inevitável. Da valoração da notícia dependerá sua colocação e extensão, sua posição nesse espaço hierarquizado referencial que é o jornal (seja ele impresso, radiofônico ou televisado). (BARROS FILHO, 1995, p.48)

O mesmo autor reforça que o pressuposto mínimo da informação e, portanto, do jornalismo, é a verdade. Logo, voltando à Teoria do Espelho, o jornal transmite a aparência de mundo real. Se alguma parte é excluída, o jornalismo adquire caráter ficcional.

Dessa forma, pode-se dizer que toda notícia supõe manipulação. Não enquanto disjunção dolosa entre o enunciado e a referência, mas como transformação de matéria-prima (fato) em um produto jornalístico. Em outras palavras, quando falamos em manipulação, inerente à produção informativa, não queremos dizer que o jornalista queira enganar, fazer crer naquilo que não é. Se isso ocorre, certamente não é a regra. A própria construção da notícia pressupõe uma seleção temática e léxica que impõe, do fato, uma representação. (BARROS FILHO, 1995, p.52)

A objetividade, portanto, assume diferentes posições no jornalismo. É formalização da notícia – a medida que desenvolve regras de comprovação dos dados publicados e exige um compromisso com a verdade. Torna-se um documento histórico. É também, um compromisso ético e um ritual estratégico quando estabelece uma série de procedimentos que asseguram a credibilidade do veículo e uma blindagem do profissional em relação a organização para qual trabalha e as difamações oriundas de fontes que não apreciem o que foi publicado. (TUCHMAN, 1976).

É vista como uma postura impraticável em sua totalidade. Ainda assim, apreciada como impossível, porém desejável e utópica, indispensável a intenção do autor. Ou impossível indesejada: um processo desprezível, que minimiza o potencial do conteúdo jornalístico.

1.2. Jornalismo e Liberdade de Expressão

A democracia não pode ser imaginada como sendo um sistema de governo sem liberdade e o papel central do jornalismo, na teoria democrática, é de informar o público sem censura. Os pais fundadores da teoria democrática têm insistido, desde o filósofo Milton, na liberdade como sendo essencial para a troca de ideias e opiniões, e reservam ao jornalismo não apenas o papel de informar aos cidadãos, mas também, num quadro de checks and balances (a divisão do poder entre poderes), a responsabilidade de ser guardião (watchdog) do governo. Tal como a democracia sem uma imprensa livre é impensável, o jornalismo sem liberdade é farsa ou tragédia. (TRAQUINA, 2004, p.23)

A citação faz referência ao título que o jornalismo recebeu no século XIX: o Quarto Poder [Classe jornalística foi assim designada por um deputado do parlamento inglês, McCaulay, que um dia apontou para a galeria em que estavam os jornalistas e os apelidou “O Quarto Poder”. A referência eram os poderem da Revolução francesa (clero, nobreza, troisième état – burgueses e povo). (TRAQUINA, 2004, p.46)], que coloca a imprensa como agente fiscal dos outros três poderes defendidos por Montesquieu. [Em 1748, Montesquieu publica O Espírito das Leis, que foi precursor da Declaração dos Direitos do Homem – base da Revolução francesa. Para Montesquieu a liberdade de expressão era fundamental; a República é a melhor forma de governo e requer divisão de poderes. Mais tarde, com a Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789), o conceito de liberdade se torna sagrado. (TRAQUINA, 2004, p.44)] Além de vigiar o governo, cabe à imprensa monitorar o poder econômico e os próprios meios de comunicação que “promovem ou simulam, no espaço público, a legitimação de causas próprias ou de causas a que se associam”. (BUCCI, 2009, p.115) Desta forma, a atividade assume um papel social, uma relação simbiótica com a democracia e uma relação de inimizade entre jornalismo e poder político. O afastamento do poder político se dá, justamente, pelo papel que o jornalismo desempenha ao fiscalizar o poder, a aplicação dos recursos públicos e a conduta dos representantes eleitos. (TRAQUINA, 2004, p.23). Esse afastamento ou inimizade torna-se salutar enquanto garante a autonomia do repórter, isento das relações pessoais que comprometeriam o seu papel de fiscal.

Muitos autores entendem que a liberdade de expressão é um direito – não apenas da imprensa, mas do cidadão – garantido pela Constituição Brasileira de 1988 (Art. 5.º) [Diz a C.F, Art.5.º, inciso IX: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; ]. Originalmente, a liberdade de expressão mencionava a emancipação da opinião em relação ao Estado; isto é, direito de manifestação, seja ela contrária ou favorável. Hoje, entretanto, num ambiente em que o jornalismo também se vale de tecnologias digitais, cabe ao Estado, prover ou, ao menos, promover e incentivar garantias de acesso amplo e irrestrito a informação de toda população. Caso contrário, a parte sem acesso a esses conteúdos perde seu direito constitucional.

A liberdade de imprensa é uma extensão da liberdade de expressão. O modelo de jornalismo americano tem, além da objetividade, a liberdade de imprensa como elemento central, “essa é a ideologia jornalística hegemônica nos EUA”. Lá, a maioria dos profissionais diz acreditar na objetividade e buscar praticá-la na medida do possível. Enquanto no Brasil, “todos se dizem objetivos, mas quase ninguém é”. (SILVA, 1991, p. 90-101). A defesa da liberdade de imprensa se dá na medida em que o jornalismo é colocado como unidade fiscalizadora do poder público, fabricante da opinião pública e defensor do bem público. Ou seja, se a liberdade de imprensa está ameaçada, a democracia também estará, uma vez que o interesse do Estado ou de algum setor privado está censurando uma informação em benefício próprio.

Ultrapassando o argumento sobre o direito à liberdade, há autores que defendem a liberdade de imprensa não como um direito do jornalista enquanto profissional, mas sim como um dever (o maior, inclusive) enquanto agente social: o jornalista tem o dever de ser livre.

Os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada palavra que escrevem; cultivar, exercer e tornar cada vez mais explícita a liberdade com que exercem o seu ofício é o primeiro e o mais alto dever dos profissionais da imprensa; os jornalistas devem recusar qualquer vínculo, direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar – ou dar a impressão de que venha a acarretar – a captura do modo como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão encarregados de cobrir. (BUCCI, 2009, p.10-11)

A justificativa para que se trate a liberdade de imprensa como dever do jornalista e não direito é de que o jornalista possui uma responsabilidade social e, portanto, um compromisso com o cidadão. Tal responsabilidade não pode ser colocada em risco – seja por interesses pessoais do jornalista, da organização para que trabalha ou do governo. Portanto, o jornalista tem o dever de ser livre porque o cidadão tem direito a informação-verdade, tanto quanto merece acesso a escolas e hospitais de qualidade. É um serviço que, como dito, se submete ao modelo democrático. Se não há liberdade de imprensa, não há democracia.

A liberdade se torna elemento-chave desse processo uma vez que chancela a notícia como verdade, dados que correspondem à realidade dos fatos. Se há liberdade, há condições de se produzir conteúdo verdadeiro isento de interesses particulares, ainda que permeado pela subjetividade do repórter. Cabe aqui salientar que a preocupação dessa pesquisa não está na discussão sobre a objetividade. Aliás, a própria subjetividade não é um mal, mas sim um elemento inerente. A discussão aqui é focada na liberdade e, portanto, na independência. Se há liberdade de imprensa, ainda que haja equívocos ou conflitos éticos, haverá margem para esclarecimentos, sem que a responsabilidade social do jornalismo seja comprometida. Os meios de comunicação, em diferentes níveis estão comprometidos com seus anunciantes e organizações com as quais se relacionam (sejam fontes, governos, a indústria do entretenimento, o poder econômico ou as ONG´s), mas deve explicitar essas relações para que haja transparência, sem prejuízo do serviço que a imprensa presta a população.

As mentiras na imprensa podem perdurar por algum período, mas, se as condições de independência existem, ainda que minimamente, o debate público tende a corrigi-las e a desautorizá-las. É nesse sentido que a verdade factual no noticiário resulta de uma construção social. Aí, a manipulação, que efetivamente acontece, entra como burla, não como regra. A verdade no jornalismo, em seu processo de construção social, inclina-se a repelir falsificações; ela conspira contra as premeditações do manipulador, que, de seu lado, conspira contra ela. (BUCCI, 2009, p.18).

1.3. Controle editorial: a notícia como mercadoria (público) e negócio (financiadores)

Os meios de comunicação, por abrigarem a classe jornalística, desempenham um papel social, mas nem por isso deixam de ser uma empresa. Tem meta, lucro e despesas que precisam ser pagas. Fabricam notícias e disseminam ideias, logo, participam da indústria cultural. (SOUSA, 2002, p.53). O importante para essa pesquisa é considerar até que ponto os interesses dos meios de comunicação – enquanto empresa – comprometem a função social do jornalismo, já que exercem uma influência sobre o debate público.

As hipóteses do Agenda Setting e da Espiral do Silêncio9, que enxergam nos veículos de comunicação de massa um papel importante no estabelecimento da ordem do dia (agenda); que determinará sobre o que os receptores vão falar e até o que falar sobre. O que os meios de comunicação exibem e repetem, serão, provavelmente, o assunto identificado como mais importante do dia seguinte entre os consumidores da notícia.

9 As hipóteses do Agendamento e da Espiral do Silêncio contemplam os estudos de Opinião Pública. O Agenda Setting é estudado desde 1922 (Walter Lippman), mas só foi formalizado com caráter científico em 1972 por McCombs e Shaw, que trouxeram a nomenclatura atual. A hipótese entende que os meios de comunicação têm poder de fixar ou determinar os temas a serem debatidos pela sociedade, pautando a agenda pública e também governamental. A metodologia da pesquisa é de difícil análise, logo, de difícil comprovação no campo científico, sendo considerada uma hipótese até hoje. A Hipótese da Espiral do Silêncio refere-se a imposição de Opiniões Dominantes sobre um tema. Desta forma, quem discorda do que foi previamente imposto, silencia-se por temer o medo do isolamento social (psicologia social). Os meios de comunicação contribuiriam com esse processo. Estudos semelhantes começaram em 1937, sob o título “Ignorância pluralista”, de Allport. (BARROS FILHO, 1995, p.169-227).

Retomando, a principal crítica não está em fazer da notícia uma fonte de renda (empreendimento financeiro); a grande questão é a ameaça que esse sistema de interesses e poderes interligados pode trazer a democracia a medida que limita o acesso à informação que é um direito do cidadão. Sobretudo quando essa informação é relevante para tomada de decisões coletivas, tal como a eleição para um cargo público. Ademais, se a empresa veta um conteúdo (ou um entrevistado), está negando o direito de liberdade de expressão de um setor, ainda que por meio do controle editorial do jornalista contratado.

Um dos debates que atualmente mais vem agitando o mundo da comunicação social e os meios acadêmicos consiste em saber até que ponto é o mercado ou são os jornalistas a ditar as leis e os critérios na produção e difusão da informação jornalística. Ou seja, pretende saber-se se os jornalistas possuem sempre uma esfera de liberdade de decisão que passa pela sua consciência individual, ou, talvez mais precisamente, saber-se se os jornalistas são, até certo ponto, autônomos e, se o são, até que ponto são verdadeiramente. (SOUSA, 2002, p.111).

Até aqui, abordamos as teorias do jornalismo que entendiam o processo produtivo a partir do indivíduo: Teoria do Espelho (que ignora as subjetividades do sujeito) e gatekeeping/ação pessoal (que centra no poder de escolha do sujeito, mas desconsidera a organização empresarial). Para contemplar os aspectos corporativos que interferem na produção da notícia, é de suma importância para essa pesquisa a Teoria Organizacional (Ação sócio-organizacional). [A Teoria Organizacional foi elaborada a partir de 1955 pelo sociólogo norte- americano Warren Breed, em “Controle Social da Redação: Uma análise funcional”. (TRAQUINA, 2004, p.152) e http://www.slideshare.net/higginha/teoria-organizacional-do-jornalismo, disponível em 19/02/2013]

A contribuição da metade do século XX tem como elemento central a análise do contexto imediato dos jornalistas: a organização para a qual trabalha. Desta forma, Warren Breed sai do estudo do campo individual para se debruçar sobre a organização jornalística. E chega a uma conclusão significativa: às vezes, a linha editorial das empresas prevalece sobre as crenças individuais do sujeito, contudo, não por princípio. Ou seja, o proprietário ou executivo (publisher) [O ensaio de Warren Breed de 1955 trata os proprietários e chefias das organizações como publisher ou ainda “executivos”] estabelece as regras, mas a aceitação não é automática. A linha editorial se torna evidente para o staffer [Na Teoria Organizacional os jornalistas subalternos – principalmente repórteres – ou novatos são chamados staffers]por meio da observação diária do que é privilegiado pelo local em que trabalha e o que é vetado pela chefia. Todavia, segundo Breed, a orientação política jamais é explicitada. Os jornalistas contratados recebem, no máximo, um manual com instruções de padrões de linguagem e normas técnicas. O profissional aprende, portanto, a se comportar de maneira adequada com as exigências do veículo ao observar a rede de relacionamentos a qual o patrão pertence e com quem a empresa se relaciona comercialmente. O aprendizado se dá pela socialização da redação (reprodução do que os editores e staffers mais velhos praticam). O jornalista novato descobre e interioriza as regras. (BREED, 1955).

O controle se dá por um esquema de recompensa versus punição. Breed lista processos não evidentes que estabelecem essa relação de conformismo: 1) autoridade institucional e sanções (receio de punições que se materializam no prestígio que o profissional tem ao ser escalado para uma matéria atrativa, ou menosprezado ao ser designado a uma reportagem menos atrativa); 2) progressão na carreira profissional (lutar contra a política editorial/insubordinação é um obstáculo para carreira);3) sentimentos de obrigação e estima para com os superiores (subalterno não quer desagradar amizade com chefia ou desrespeitar os mais experientes – esse relacionamento se reflete na produção como forma de dívida moral com a empresa); 4) ausência de conflitos de lealdade (falta de participação dos sindicatos no trabalho das redações); 5) prazer no exercício do jornalismo (as tarefas são interessantes e retém gratificações não financeiras, como prestígio e reconhecimento público); e 6) jornalismo como valor (o profissional se preocupa com a notícia sem contestar a política editorial da empresa). (BREED, 1955). [Citado por SOUSA, 2002, p.54]

Em outras palavras, a barganha entre patrão e empregado, em que se premia com salários e cargos e se condena com indiferença, demissões e afastamentos (em casos extremos), faz do jornalista uma espécie de refém do sistema de interesses que mantém a organização funcionando. Até porque, se demitido de uma empresa, terá maiores dificuldades de encontrar outro emprego, já que as empresas de comunicação estão nas mãos de poucas famílias brasileiras – criando uma rede de monopólio (assunto abordado no próximo capítulo). As normas jornalísticas são, segundo Breed, um contrapeso nesse processo, porém a orientação política é mantida.

Esse ritual de recompensa e punição não é formalizado ou explicitado pelo empregador, mas é deduzido pelo repórter que conquista recompensas e evita penalidades por meio do cumprimento da linha editorial que é tácita pelos procedimentos identificados por Breed. Mais que fator de conformismo, a cultura organizacional se sobrepõe a cultura profissional. O autor “reconhece que um determinismo, ou melhor, dito, um “ditatorialismo” organizacional seria de difícil implementação, devido à natureza do trabalho jornalístico e a um mínimo de autonomia que ela exige. Ainda mais: qualquer tentativa de obrigar o jornalista a seguir uma dada política constituiria um tabu ético e uma clara afronta a um dos pilares da legitimidade profissional, a independência do jornalista”.(TRAQUINA, 2004, p.153-156).

Segundo o britânico James Curran [Citado por TRAQUINA, 2004: CURRAN, James (1990). “Culturalist Perspectives of news Organizations: A Reappraisal and a Case Study”], a autonomia do jornalista é permitida enquanto for exercida em conformidade com os requisitos da empresa.

A Teoria Organizacional entende que as notícias são produto das interações sociais que têm lugar dentro da empresa jornalística: o repórter sabe que seu trabalho será avaliado por uma cadeia organizacional em que seus superiores hierárquicos exercem poderes e meios de controle. Essa interferência organizacional reflete nas publicações e, para esta pesquisa, interessa destacar a linha editorial pautada pelo poder político e econômico. No Brasil, poucos veículos se mostram objetivos, não no sentido de impossibilidade, mas “no sentido de que é ostensivamente partidário na cobertura, com títulos das notícias editorializados, clara preferência por uma tendência política ou ideológica, distorção intencional dos fatos para favorecer uma visão particular de mundo”. (SILVA, 1991, p.101). Aqui, cabe comentar o lamento de Silva, que é demasiadamente crítico, já que, com exceção da última característica apontada, nenhuma é antiética desde que transparente. O grande pecado da imprensa brasileira é, então, não explicitar suas relações e, quando se posiciona política ou ideologicamente, o faz não pela defesa de uma visão de mundo melhor ou de um sistema de governo mais eficiente, mas sim por obter benefícios desse sistema.

A pressão editorial por parte das empresas parece preocupar grande parte dos autores, que enxergam a democracia ameaçada. Considerando o sistema de relações organizacionais, para que a liberdade de imprensa esteja garantida, necessária é a independência do profissional em relação à hierarquia da empresa e não apenas do veículo em relação ao Estado. Constrangimentos organizacionais afetam as decisões editoriais – que estão sob o cuidado do profissional de comunicação, tanto quanto a estrutura de um prédio é confiada a um engenheiro civil. Do ponto de vista de alguns autores, o comprometimento do emprego e a pressão editorial não justificam o deslize ético [A expressão “deslize ético” é usada aqui para se referir a cessão, por parte do profissional, a pressão editorial em casos em que há prejuízo na transmissão da informação, e, portanto, da qualidade de atividade jornalística. São exemplos desse “deslize” o favorecimento de determinada figura pública ou empresa, omissão de informações ou privilégio de outras.] do indivíduo, já que a luta pela liberdade de pensamento e de expressão são atribuições do jornalista. [O Código de Ética dos jornalistas delega aos profissionais, no artigo 6º, o DEVER de lutar pela liberdade de pensamento e expressão; defender o livre exercício da profissão; combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a informação.]

Do mesmo modo, não é livre aquele que aceita mentir para a audiência com vistas a agradar o patrão: quem firma com seu empregador um pacto que ofende a ética profissional, um pacto que não pode ser declarado publicamente, trai o seu público. Pelo mesmo motivo, não está à altura do ramo em que atua um patrão da imprensa que cobre condutas ocultas de seus profissionais. A liberdade, em jornalismo, não deveria mais ser concebida como um ideal, como se fosse uma daquelas metas que se buscam alcançar, mas que não se podem atingir plenamente (como são a justiça, o equilíbrio ou a verdade): ela só tem sentido se for entendida como o ambiente vivo do fazer diário daqueles que exercem a função social de informar o cidadão. (BUCCI, 2009, p.17)

Ainda de acordo com a Teoria Organizacional, os jornalistas se antecipam a censura ou mudança de seus textos por parte dos superiores. Entretanto, vale ressaltar, que esse conformismo (gerado pelas seis motivações identificadas por Breed) não é sinônimo de apatia total. Em muitos casos o staffer discorda da linha adotada pela empresa e até busca burlar as regras por meio da autonomia que a rotina profissional lhe confere. Ou abandona o exercício da profissão.

Para os staffers mais independentes e mais críticos, podem existir vários modos de adaptação. Nos extremos, o conformista puro pode negar o conflito, enquanto o anticonformista convicto pode deixar o jornalismo. (…) as adaptações parecem ir nesse sentido: 1) manter-se no emprego, mas limando as arestas da política editorial sempre que possível ; 2) tentar reprimir o conflito de forma amoral e anti-intelectual; 3) tentar compensar, “vingando-se” noutros contextos, escrevendo “a verdade” para publicações liberais ou trabalhando com o sindicato. (BREED, 1955, pg.164)

O controle editorial varia de acordo com a estrutura da empresa, da ideologia e da cultura. Quanto menores os salários, maior a dependência do poder e menor a liberdade. (SOUSA, 2002, p.111). Uma iniciativa de organização dos jornalistas para fazer valer o artigo do Código de Ética que trata da cláusula de consciência [A Cláusula de Consciência está prevista no Art.13 do Código de Ética dos Jornalista, no Capítulo IV – Das Relações profissionais. E afirma: “A cláusula de consciência é um direito do jornalista, podendo o profissional se recusar a executar quaisquer tarefas em desacordo com os princípios desse Código de Ética ou que agridam suas convicções”.] vai ao encontro do esforço de criação do Conselho Regulador, ideia veementemente combatida pelos publishers, que em sua maioria alegam que a criação do órgão caracteriza um processo de censura e, portanto, um retrocesso para democracia.

Essa distorção do papel do Conselho está relacionada à confusão entre liberdade de imprensa e liberdade de empresa. A defesa do interesse público é distinta da defesa do interesse ou do ponto de vista do patrão.

Censura para as ideias dos outros e liberdade para as minhas parece ser o estranho conceito de liberdade de imprensa que permeia a sociedade brasileira de cima a baixo e de esquerda para direita. (SILVA, 1991, p.98).

.3.1. Mercadoria (audiência)

O índice que mensura o grau de sucesso do veículo e, portanto, de lucro é a audiência (ou tiragem, no caso dos impressos). Quanto mais visto, lido ou ouvido, maiores e mais caros os anúncios.

Isso acontece, porque como já mencionado, o que está em jogo é o lucro, que depende da audiência – garantia de mais anunciantes a um preço mais elevado. Na lógica comercial, inverte-se o valor da notícia de importante para interessante. Ganha espaço o cômico, o grotesco e o assustador.

Em uma visão marxista, o sensacionalismo singulariza os fatos ao extremo. Supervaloriza um fato por meio dos aspectos sensíveis no contexto da percepção e da apropriação subjetiva. A sensação ocupa espaço central na reprodução da realidade e abre pouco espaço para o debate aprofundado e às generalizações. O sensacionalismo, nessa perspectiva, é fruto da instrumentalização da prática jornalística por meio da técnica da pirâmide invertida, que concentra o que julga mais relevante na notícia no começo da matéria, hierarquizando as informações. O sensacionalismo é conservador e reforça os preconceitos morais do público. (GENRO FILHO, 1987, p.188 – 198).

Não quero com isso dizer que o jornalismo não possa ser entendido como um negócio. Pelo contrário. Organizações noticiosas economicamente fortes reúnem melhores condições para serem independentes e para fazerem um jornalismo de qualidade. Mas, no meu ponto de vista, as notícias, devido aos efeitos que têm, não podem ser vistas unicamente como uma mercadoria. Por isso, há também que proteger os cidadãos dos jornalistas e do jornalismo, porque os cidadãos necessitam de ser protegidos de todo abuso de poder, e os abusos de poder também podem ser exercidos pelos jornalistas. (SOUSA, 2002, p.113).

Não cabe aqui debater a lógica do grotesco, mas os índices de audiência de programas de entretenimento, de humor e de jornalismo policial, revelam que o público (que em certa medida é o cliente dos meios de comunicação) tem certa preferência pelo entretenimento em detrimento da informação consistente. É uma espécie de círculo vicioso, pois, se os meios de comunicação também tem o papel (e o poder) de formar (o cidadão e sua opinião), a medida que obtém audiência, aumenta a programação supérflua e forma cidadão menos comprometidos com a tomada de decisões significativas. O cidadão, portanto, não tem sido incentivado pela sociedade (e pela imprensa) a exigir análises profundas e informações válidas para o cumprimento de seu papel enquanto cidadão. (BREED, 1955). Embora esse aspecto de superficialidade da informação esteja extremamente atrelado a rotina das redações. (TUCHMAN, 1976).

1.3.2. Negócio (financiadores)

Por depender dos anunciantes para se manter no mercado, os meios de comunicação acabam, em partes, dependentes dos patrocinadores. É verdade que parte desses anúncios são oriundos da verba publicitária dos governos. O conteúdo pode ser de utilidade pública, mas, em alguns casos, corre riscos de não ser publicado se ferir a imagem de uma empresa anunciante ou do governo que financia o veículo com dinheiro público.

Essa relação de causa e efeito com foco na publicidade é antiga. Tanto que, a Teoria Organizacional trouxe uma mudança ao endereçar as atenções ao patrão – considerando a pressão que o empresário da comunicação recebe de vários setores. Se as escolas de jornalismo, os códigos profissionais, o sindicato, os críticos e os leitores buscam mudanças para que haja melhoria na realização do papel do cidadão, o dono do veículo é elemento chave.

Todavia ainda é o publisher o primeiro a ser mudado. Ele pode se localizar no vértice de um T, o ponto crucial onde se tomam as decisões. A redação e as forças profissionais formam a base do T, as forças exteriores, as da comunidade e as da sociedade são os braços. É o publisher decide quais as forças que têm de ser conciliadas.(BREED, 1955, pg.175).

Considerando a publicidade, Bucci sugere que o grau de autonomia dos meios de comunicação pode ser medido pelo grau de comprometimento que tem com os anunciantes ou ainda pela dependência que tem em relação àquele grupo. Por isso, o ideal é que haja uma rede ampla que forneça o suporte financeiro a essas empresas. Desta forma, não deverão obrigações editoriais a um único (ou majoritário) financiador.

(…) indicadores podem surgir da análise da carteira dos anunciantes de um dado veículo. Se houver predominância de um grupo particular de anunciantes, de tal forma que ele tenha poder de comprometer o faturamento do veículo, a independência está ameaçada e, portanto, a liberdade está comprometida. (BUCCI, 2009, p.15).

1.4. Veículos públicos: interesses privados

De acordo com a deontologia da atividade, o interesse do jornalismo é informar respeitando a veracidade dos fatos. Na prática, no entanto, a postura do profissional se polariza de acordo com o perfil da empresa empregadora. Sem considerar aqui as variações causadas pelos profissionais que assumem o papel de assessores de imprensa.

Se o veículo é privado, a política editorial estará atrelada ao setor comercial, conforme já detalhado anteriormente. No caso das empresas públicas, os contratados seguem as mesmas metas dos demais: informar, formar ou entreter, visando o bem público. Esse modelo de comunicação criado no século XX e intensificado na segunda metade do século, pouco ou nada tem de compromisso com o cidadão. São máquinas de propaganda a serviço das autoridades e do governo. (BUCCI, 2009,p. 99).

É possível, no entanto, o funcionamento de uma empresa pública sem afastamento da responsabilidade social. Os exemplos são raros. Para tanto, se faz necessário o afastamento do governo. Não é papel dos governantes ou gestores da instituição pública interferir na linha editorial da organização, pois certamente a postura estará contaminada pelos interesses próprios daquela gestão, agravado pelo fato de que o fará com dinheiro público. Isto é, além de limitar o acesso a informação de qualidade, completa e isenta, usa dinheiro da arrecadação pública para defesa de interesses pessoais.

Sobre isso, não pode haver tergiversação: o governo, quando se associa à imprensa, tende a sequestrar-lhe a alma. Portanto, o jornalista só deve se aproximar do governo para perguntar aquilo que o cidadão tem direito de saber. De resto, o distanciamento é serventia da casa. Tanto é assim que, quando sérias, as instituições públicas de comunicação em que se pratica o jornalismo, como as emissoras públicas da Europa, dentre outras, tratam de manter os representantes do governo longe da administração editorial, impedindo que eles opinem em definições das grades de programação, nas decisões de pauta, na escalação de repórteres ou de apresentadores. Algumas emissoras públicas brasileiras tentaram e tentam, não nos esqueçamos, guiar-se da mesma forma, ainda que nem sempre com sucesso. (BUCCI, 2009,p.117). 29

 

2. A POLÍTICA DAS COMUNICAÇÕES NO BRASIL E O CENÁRIO CURITIBANO

Conforme já foi abordado nessa monografia, a liberdade de expressão é um direito e, no caso do jornalismo, um dever. De acordo com Bucci, os meios de comunicação devem ser livres, independentes e autônomos para que tenham condições de produzir conteúdos que preconizem a realidade dos fatos, sem exclusão de informações ou supervalorização de outras e, dessa forma, contribuam para o debate público, ainda que sujeitos a um enquadramento específico, próprio da natureza da atividade.

2.1. Os obstáculos da imparcialidade na TV

Prova da inviabilidade da imparcialidade plena e do equilíbrio no tratamento da notícia – que no caso dessa monografia se interessa pelo meio televisivo – é um estudo de observação da produção jornalística da BBC durante o período eleitoral de Abril a Maio de 1979. A partir dessa experiência, Michael Gurevitch e Jay G. Blumler afirmam que não é possível produzir um jornalismo televisivo neutral. A própria dinâmica da produção da notícia (sobretudo durante as eleições) torna esse discurso inviável.

No caso da BBC, havia na época do estudo uma premissa básica que priorizava o equilíbrio das transmissões políticas. Os critérios de noticiabilidade eram guiados de forma instintiva, pesquisando o que era de interesse do leitor. Contudo, narram os autores, a busca pela cobertura noticiável e honesta era frágil frente à rotina das redações. O tratamento que a cobertura dava a campanha, por si só, já apontava um centro e uma periferia, estabelecendo um juízo de valor do que era mais ou menos relevante ao pleito.

A emissora demonstrava estar livre de pressões partidárias diretas, mas era “refém” de uma espécie de manipulação indireta identificada pelos autores. O controle se dava a medida que os partidos políticos restringiam o acesso a informações que eram importantes para os jornalistas, como o assunto de um determinado anúncio do candidato. Dessa forma, a assessoria do político forçava a emissora a comparecer às coletivas de imprensa, disponibilizando uma equipe e garantindo um espaço no telejornal.

A diferença substancial das TVs em relação aos jornais na maioria dos países é que o impresso é explicitamente parcial ou, pelo menos, declara no editorial (setor opinativo da instituição) qual candidato apoia. A televisão, pelo contrário, prioriza a imparcialidade, mas na prática o cenário não se concretiza.

O resultado, de acordo com Blumler e Gurevitch, é que a TV acaba por produzir uma alteração da realidade. No caso do período eleitoral, tende a influenciar os resultados.

No caso do jornalismo televisivo interfere (além da dinâmica da apuração) a necessidade de produzir imagens que ilustrem as reportagens. A imagem também é subjetiva e produz uma seleção do discurso com apresentação visual aliada ao verbal.

Por fim, é válido ressaltar que a tentativa de correspondência à realidade dos fatos, por vezes, será mera utopia, já que, o processo de produção da notícia é subjetivo; porém, essa tentativa se faz necessária quando associamos o jornalismo ao processo democrático. Ou seja, é preciso que os meios de comunicação busquem, por meio da notícia, corresponder à verdade por meio de ferramentas como o “amplo contradito”. Dando voz a múltiplas fontes, por exemplo, a atividade se aproxima do cenário democrático.

Todavia, os meios de comunicação, via de regra, são empresas – ligadas a interesses comerciais. Para saúde da democracia, saudável é que haja uma diversidade de proprietários no comando das emissoras.

2.2. Cenário brasileiro

O Brasil é conhecido pelo oligopólio da comunicação. Parte dos grupos de comunicação brasileiros são legados dos coroneis, grandes proprietários de terras que também ocupam posições políticas. Nesse modelo, a diversidade de opiniões fica reduzida e o pluralismo prejudicado.

Quase toda a propriedade midiática no Brasil é controlada por apenas dez grupos. [Dados apontados pelo relatório produzido pela ONG Repórter Sem Fronteiras: “Brasil, o país Berlusconis”. O título do estudo é uma menção ao ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, dono da maior corporação da mídia italiana. Relatório foi publicado em 24 de janeiro de 2013. Informações em: http://es.rsf.org/bresil-o-pais-dos-trinta-berlusconis-os-24-01-2013,43939.html] A despeito do título de país em ampla democracia, o país recebeu e foi reprovado com nota três no quesito “pluralismo de mídia”, sendo o penúltimo entre os BRICS. Dentro do bloco, só a ditadura chinesa é menos democrática que o Brasil. [Ranking elaborado pelo Sustainable Governance Indicators, disponível em http://www.sgi-network.org/brics/?Brasil]

Esses dados refletem a estrutura oligopolista dos meios de comunicação no Brasil. Através de uma forte relação entre os poderes político e econômico, os meios de comunicação privados limitam o espaço para que essa diversidade apareça.

Além de não regulamentar a comunicação – que está sob a ultrapassada legislação de meados do século passado, o Estado é o maior anunciante do Brasil e a distribuição da verba publicitária acaba se tornando fator determinante da sobrevivência do veículo. O agravante é que grande parte dos veículos privados se posiciona contra a regulação da propriedade dos meios de comunicação sob o argumento de que tal medida configuraria “censura” à liberdade de expressão, quando na verdade, a regulamentação garantiria uma distribuição democrática do poder e, dessa forma, reforçaria a liberdade de expressão por meio do pluralismo.

Quem controla a distribuição da verba publicitária do governo federal é a Secretaria da Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Segundo a própria Secom, até 2002, o governo de Fernando Henrique Cardoso distribuía toda a verba publicitária para apenas 500 veículos. De 2003 para 2013, durante governo Lula e Dilma [Informação publicada no portal do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (www.fndc.org.br) em 24/04/2013], o número subiu para cinco mil.

A Secom trouxe a público o volume de verba publicitária investida nas TV´s. A Globo é a empresa que mais recebeu recursos nos últimos dez anos: cerca de R$ 6 bilhões de reais. Quantidade equivalente ao valor necessário para construir quatro mil creches em Curitiba – de acordo com o valor estimado (R$ 1,5 mi/creche) pela prefeitura de Gustavo Fruet (PDT). A quantia destinada a maior emissora do país atualmente, representa 2/3 do que recebia quando Lula chegou ao poder. O percentual caiu de 61% para 44% entre 2003 e 2012. A audiência da Globo também caiu: 55,2% da tevê aberta (2003) para 43% (2013). Apesar do volume astronômico, os valores não incluem as verbas recebidas pela Globo via emissoras afiliadas, nem pelas tevês por assinatura [Análise dos dados das programações de mídia realizadas, disponíveis no site www.secom.gov.br].

Aparentemente, o governo do PT teria contribuído para a pluralidade de mídia à medida que aumentou o número de veículos que recebem verba publicitária. Todavia, a Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) [Nota oficial na entidade divulgada em 23/04/2013] contesta a maneira como a verba tem sido administrada. De acordo com a entidade, em 2000 o meio televisão representava 54,5% da verba total de publicidade, na época, R$ 1,239 bilhão. Dez anos mais tarde, a participação cresceu para 62,63%, de uma verba de R$ 1,797 bilhão. Isto é, apesar da queda da audiência e do fortalecimento da internet, houve concentração de verba na mídia TV.

Tomando como única referência a audiência, o governo acaba ignorando os veículos pequenos. Eles não recebem verba pública porque são pequenos e são pequenos também porque não recebem esse tipo de subsídio. Segundo a Altercom, a lógica acaba favorecendo os oligopólios e a concentração de propriedades.

Com o objetivo de combater o fortalecimento dos conglomerados políticos, a Altercom defende a destinação de 30% das verbas publicitárias às pequenas empresas de comunicação. A regra se inspira na prática adotada em outros setores da economia brasileira e nas ações de outros países que priorizam a pluralidade informativa como obrigação do Estado, incluindo o financiamento. A Altercom entende que essa medida reforçaria toda a cadeia produtiva do setor da comunicação e colocaria o Brasil em outro patamar democrático.

Os dados que sinalizam a concentração do poder midiático não param por aí. A Revista Forbes [Forbesé uma revista de negócios e economia americana. De publicação quinzenal, a revista apresenta artigos e reportagens originais sobre finanças, indústria, investimento e marketing. Apesar de não ser seu foco principal, Forbes também publica matérias relacionadas à tecnologia, comunicações, ciência e direito. Também é conhecida por suas listas, principalmente nas quais faz um ranking das pessoas mais ricas dos Estados Unidos (conhecida como Forbes 400) e do mundo.], reconhecida principalmente no campo econômico, divulgou em agosto de 2013 uma prévia com a lista das 15 pessoas mais ricas do Brasil. Não surpreendentemente, quatro empresários da mídia aparecem na seleta lista. Três deles são herdeiros de Roberto Marinho, das Organizações Globo. O quarto integrante é Giancarlo Civita, da Editora Abril.

Os filhos do fundador da Rede Globo aparecem em 5ª, 6ª e 7ª posição, com uma fortuna somada de R$ 51, 64 bilhões. Já o herdeiro do criador da revista Veja é listado em 14ª posição, com fortuna de R$ 7,68 bilhões.

Uma pesquisa feita em maio de 2013 pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores, mostrou que a população tampouco sabe que os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de alguns poucos grupos familiares: mais da metade acredita que o número de grupos privados que controla as emissoras é grande; para 25% é médio e apenas 12% avaliam que é pequeno.

Porém, quando informados de que “a maior parte da mídia no Brasil é controlada por cerca de dez famílias”, 40% dos entrevistados avaliaram que isso é “ruim para o país”. Para 23%, é bom. Esse desconhecimento por parte da população dificulta ainda mais a ação de organizações que reivindicam a democratização dos meios de comunicação.

Por outro lado, a FPA detectou que 35% dos brasileiros entendem que os meios de comunicação defendem os interesses de seus proprietários; 32%, os interesses dos que têm mais dinheiro; e 21%, dos políticos. Apenas 8% acha que a mídia está a serviço da população.Quanto à programação, 43% afirmam não se reconhecerem na telinha e 23% sentem que são retratados com negatividade. Mais da metade avalia que a tevê costuma tratar mulheres, negros e nordestinos com desrespeito. E 61% acredita que os empresários têm mais espaço do que os trabalhadores.

Esse concentração de propriedade denota uma fragilidade da democracia brasileira que não estimula a pluralidade de ideias, opiniões e ângulos da noticia. Com a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias, os grupos repetem o mesmo discurso e pouco espaço deixam para os veículos menores.

2.3. TV Aberta em Curitiba: História e Funcionamento

Essa estrutura de propriedade e relação com verbas do governo se repete no Paraná. A TV do Paraná é uma das mais ativas do país. Curitiba sediou a única cabeça de rede nacional fora do eixo Rio-São Paulo, a CNT.

Os passos iniciais da televisão no Paraná foram dados por uma sociedade liderada pelo empresário Nagib Chede, que, no início dos anos 1950, instalou os primeiros receptores na vitrine de lojas de eletrodomésticos em Curitiba.

A primeira emissora do estado foi inaugurada em 1960. Primeiro veio a TV Paranaense (canal 12) e, mais tarde, no mesmo ano, os Diários Associados instalaram a TV Paraná (canal 6). Em 67, foi a vez da TV Iguaçu (canal 4), do político Paulo Pimentel.

Nos anos 1970, o empresário e político José Carlos Martinez, que já era dono da TV Tropical (canal 7 de Londrina), adquiriu a TV Paraná dos Diários Associados. Nos anos 1980, os canais de propriedade de Martinez foram reunidos em torno da marca Rede OM (de Organizações Martinez) e se afiliaram à Bandeirantes.

A Rede OM expandiu na década de 1990, quando incorporou a TV Corcovado e fez parceria com a TV Gazeta de São Paulo. Dessa forma, a rede torna-se independente e ganha cobertura nacional, chamando-se Rede OM Brasil. A cabeça de rede permaneceu em Curitiba. Em 1993, a rede foi rebatizada com nova nomenclatura: Central Nacional de Televisão (CNT).

A TV Paranaense é a atual filiada da Rede Globo, a Rede Paranaense de Comunicação (RPCTV). A TV Iguaçu pertence a Rede Massa desde 2008 e é afiliada do SBT. É destaque no cenário atual a RICTV Record, afiliada da Rede no Paraná e em Santa Catarina. A Rede Bandeirantes curitibana integra o grupo empresarial J. Malucelli.

2.3.1. Band Curitiba

A Band Curitiba [A emissora foi procurada, mas depois de se prontificar a oferecer informações, não atendeu às solicitações da pesquisa.] pertence ao Grupo J. Malucelli, que atua na área de construção, comércio, energia, concessões, financeiro, seguros e comunicação, formando em um conglomerado de mais de 20 empresas. Nesse cenário, a comunicação aparece com forte presença. O empresário Joel Malucelli é dono de sete veículos de comunicação do Paraná: Band Curitiba, Band Maringá, CBN Curitiba, Rádio Globo Paranaguá e Curitiba, Band News FM Curitiba e Jornal Metro.

A TV Bandeirantes é o primeiro empreendimento do Grupo JMalucelli no setor de comunicações. A programação é variada, incluindo esporte, música, culinária, entretenimento, saúde e lazer. De acordo com o site [Informações disponíveis em http://www.jmalucelli.com.br/index.php?pag=empresas&t_cod=129&t_grupo=6&subgrupo=tv_bandeirantes_curitiba] do grupo empresarial, “o jornalismo da emissora, considerado eficiente, imparcial e responsável, além de priorizar o compromisso com a cidade e a população, torna a TV Bandeirantes um “veículo de comunicação referência” no desenvolvimento da comunicação social”.

O empresário é também político e sinalizou interesse na candidatura para o governo do estado em 2014, pelo PSD.

2.3.2. Rede Massa

A TV Iguaçu (Curitiba) [Informações fornecidas por Patrícia Cavallari – Coordenadora de Jornalismo, via e-mail em 02 de setembro de 2013] foi inaugurada pelo ex-governador Paulo Pimentel em dezembro de 1967. Atualmente o proprietário é o comunicador Carlos Alberto Massa (Ratinho), que adquiriu as emissoras de Paulo Pimentel em março de 2008.

Além de ser apresentador do SBT Nacional, Ratinho também possui outras empresas que compõe o Grupo Massa. São empresas do ramo de locação de imóveis, hotelaria, gestão de marcas, cartão de crédito e benefícios e marcas ligadas ao agronegócio. O filho de Ratinho, Ratinho Jr, ingressou na política e concorreu às eleições municipais de Curitiba em 2012 pelo PSC, sendo o segundo candidato à prefeitura mais votado. O filho do proprietário da emissora ocupa a Secretaria do Desenvolvimento Urbano do governo Beto Richa, governador do Estado do Paraná pelo PSDB.

O apresentador também possui outras emissoras, que integram a rede de filiadas do SBT no Paraná: TV Iguaçu, em Curitiba, TV Guará nos Campos Gerais, TV Tibagi, em Maringá, TV Naipi, em Foz do Iguaçu e TV Cidade em Londrina. Ratinho também é proprietário da Radio Massa FM, sintonia dedicada à música sertaneja.

A emissora de Curitiba possui 2h45min de programação diária, de segunda a sexta-feira, e aos sábados, 2h05. A programação local inclui um jornal matutino (Jornal da Massa) em formato polifônico, já que há variedade de opiniões e “vozes”. O programa possui um âncora e três comentaristas irreverentes que o fazem companhia na bancada durante todo o jornal. O programa produz reportagens, mas a predominância são os comentários, geralmente direcionados ao noticiário político. No horário do almoço ocupa a programação um programa de esportes (Show de Bola) que é seguido de um programa policial (Tribuna da Massa) apresentado por um comentarista ousado e popularmente conhecido por “Galo” em razão da dança que faz em frente às câmeras. No fim do dia os paranaenses se informam no SBT Paraná; jornal polifônico, com menor espaço para opinião.

De acordo com a diretoria da empresa, todos os profissionais que trabalham no departamento de jornalismo – com exceção dos repórteres cinematográficos e editores de imagem – são formados em jornalismo, quesito obrigatório para a contratação. Pauteiros, repórteres, editores de texto, chefe de redação e coordenador de jornalismo são formados.

O departamento de jornalismo da TV Iguaçu possui 61 colaboradores, entre repórteres, cinegrafistas, estagiários, pauteiros, editores de texto, editores de imagem, editores chefe, chefes de reportagem, e apresentadores. Destes, 24 não são formados em jornalismo (cinegrafistas, editores de imagem e estagiários).

Todos são contratados de acordo com a CLT. Já os salários seguem as determinações do Sindicato dos Jornalistas do Paraná. A prática de progressão salarial deve ser aplicada na emissora, uma vez que já está em estudo a implantação de um plano de cargos e salários.

Linha Editorial

Segundo a emissora, cada produto tem uma linha editorial própria, que é repassada pelo editor chefe a todos os profissionais envolvidos de forma transparente e direta. A Rede Massa também afirma que tem um posicionamento jornalístico que respeita os princípios da atividade fim e “ouve os dois lados”, “trabalhando sempre com ética e transparência”.

A Rede Massa tem uma forte presença no jornalismo opinativo. Além do Tribuna da Massa em que o apresentador é livre para opinar e cobrar do poder público, a emissora transmite um jornal totalmente opinativo que é o Jornal da Massa. “Neste produto contamos com um mediador e três comentaristas que opinam sobre todos os assuntos, desde fatos policiais até políticos”.

2.3.3. RIC TV Record

Fundada pela Família Petrelli, há 25 anos, o Grupo RIC [Informações cedidas pela Direção de Conteúdo da Emissora, em entrevista no dia 30 de julho de 2013, na pessoa do Sr. José Nascimento; dados somados ao material disponibilizado pela Coordenadoria de Relações Públicas da RIC Paraná, representada pela Sr. Virgínia Magalhães] é um grupo essencialmente de Comunicação. Iniciou como TV Manchete e, mais tarde, em 1995, filiou-se a Rede Record. Atualmente 70% das ações pertencem a Família Petrelli e 30% são da emissora da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

A historia começa em 1987 com a implantação da TV Independência Norte do Paraná, em Maringá e início da operação em rede do chamado SSC – Sistema Sul de Comunicação. Em 1989 há a inauguração da TV Independência de Guarapuava, primeira TV da cidade, que mais tarde se tornou retransmissora do SSC. A TV Independência Oeste do Paraná, na cidade de Toledo, com retransmissoras em Foz do Iguaçu e Cascavel teve início em 1990.

Em 1994 o grupo incrementa com a estreia da Rádio Jovem Pan em Curitiba, com a nova programação digital da FM 103,9. Em 1995 o Sistema Sul de Comunicação passa a se chamar Rede Independência de Comunicação, com as emissoras: TV Independência, Rádio Independência e a Rádio Jovem Pan FM. Foi neste ano que as emissoras TV Independência, no Paraná, deixa de transmitir a programação da Rede Manchete, passando a transmitir a programação da Rede Record.

Os jornais RIC Notícias e do Paraná no Ar entram no ar em 2006. Em 2007 ocorre a unificação das empresas no Paraná e Santa Catarina, sob a mesma denominação: RIC – Rede Independência de Comunicação, operando nos dois Estados como afiliadas da Rede Record. No mesmo ano é implantada a Rádio Jovem Pan Ponta Grossa, FM 103,5 e inaugurado o centro de Produção em Londrina e Cascavel, e aumento da produção local de Maringá.

O ano 2012 marca a estreia do Portal de Conteúdo RIC Mais e, 2013 a aquisição da View Editores, responsável pela Top View Curitiba e Lançamento das revistas Curitiba É e Maringá É.

A RIC atua nos estados do Paraná e Santa Catarina e produz conteúdo regional, em uma diversidade de mídias, sendo que a televisão é o carro-chefe do grupo. Possui 11 emissoras de televisão (10 Record e 1 Record News SC):, 2 jornais impressos, 7 emissoras de rádio, 6 portais de internet, plataforma ITS teen mídia, editora de revistas.

O Grupo adquiriu o conjunto de Revistas Top View. Portanto, está presente nos eletrônicos (rádio Jovem Pan e RICTV), nos impressos (Revistas Top View, It´s) e na internet (Portal RIC Mais e contas das mídias sociais).

Essa diversidade de plataformas é uma estratégia do grupo que se autodenomina com visão multiplataforma ou multimeios. A ideia é associar a presença da RIC em várias plataformas (convergência) ao regionalismo e a proximidade com o público que passa a ser fonte de informação e gerador de conteúdo por meio da interação propiciada por essa convergência e condicionada, sobretudo, pela velocidade da internet.

O Grupo RIC estima um alcance de mais de 16 milhões de pessoas e, por isso, é um dos maiores conglomerados de comunicação do país. Em Curitiba e Região Metropolitana o alcance é de mais de 2 milhões de telespectadores, informados por sinal HD. A dimensão do alcance aumenta ao se considerar a exibição do RIC Rural para mais de 150 países, pela Record Internacional.

Em Curitiba, a RICTV emite mais de quatro horas e meia de programação local: Jornal Paraná no Ar (às 7h30), Balanço Geral (às 12h40), Ver Mais (às 14h10) e RIC Notícias (às 19h45). Além disso, a TV emite, aos finais de semana, o RIC Rural.

São mais de 1.200 colaboradores. No Paraná, são 400 funcionários: 200 empregos diretos só na área de geração de Conteúdo (programação, produção, jornalismo, RIC Mais, Jovem Pan e Plataforma Impressa). Curitiba concentra 100 profissionais na área de Conteúdo, sendo a maioria formada em Comunicação Social – Jornalismo, que é uma exigência da empresa para as vagas de funções jornalísticas. De acordo com a Direção, a formação superior representa qualificação.

Todos os jornalistas são registrados de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e obedecem aos acordos sindicais. A empresa preza por isso há anos, entendendo que a legislação deve ser obedecida.

O salário da grande maioria da redação segue o piso salarial (R$ 2.464,95), com exceção de editores, apresentadores e cargos de chefia. A ascensão profissional se dá a medida que há abertura de vagas em outros níveis hierárquicos. A promoção não é automática, mas pela meritocracia (competência, qualificação, motivação na realização das tarefas) que se encaixe na vaga em aberto. Não há progressão salarial, nem plano de carreira. Só é possível aumentar o salário mudando de função.

Não existe diferenciação de salário entre repórteres. Todos os repórteres, independente do desempenho e tempo de trabalho, são remunerados de acordo com o piso salarial determinado pelo Sindicato. Todos ganham igualmente, com exceção do Repórter de Rede – vaga única, com salário triplicado.

A Direção da Emissora critica a existência do piso por entender que essa regra acomodou os salários e não estimula o aprendizado dos profissionais e a busca por qualificação. Já as corporações limitam-se a obedecem os pisos, sem oferecer opções mais atrativas.

Ainda segundo José Nascimento, o novo modelo de mídia exige um preparo diferenciado de profissionais. As Universidades não estão preparando o “novo jornalista” para o modelo de mídia: convergente e diversificado. Para ele, os profissionais devem ser humanistas e próximos das pessoas.

Linha Editorial

A Direção da RICTV afirma que é uma empresa de mercado e que preconiza a livre iniciativa e que “a linha editorial é pautada nos valores e princípios da sociedade” e essa orientação está clara pra compania e para os jornalistas que nela trabalham.

O Código de Ética e Postura da Rede Record corresponde ao conjunto definido como Visão, Missão e Valores da RIC norteiam a linha editorial da empresa.

Informar, debater, discutir, analisar, opinar sobre todos os assuntos da sociedade são apontados como papel do “jornalismo de primeira linha” que a emissora afirma produzir; dando voz e vez a todas as frentes da notícia, respeitando todas as partes envolvidas em uma notícia. Nesse raciocínio, quanto mais ampla for o debate, mais feliz a cobertura.

A RICPR entende que produz um Jornalismo Informativo múltiplo: do factual, hardnews, policial, cotidiano ao comentário de economia, política e às dicas de comportamento.

Ao ser questionado sobre a interferência dos poderes políticos e econômicos na orientação editorial das emissoras, José Nascimento afirma que a RIC detém independência editorial em relação a todos os meios (anunciantes e governos) e que nunca teve nenhuma restrição ou veto de informações ou assuntos. Segundo a direção, na RIC não há nenhuma pressão, nem cobrança e garante que, “acima de qualquer debate ou embate, o que prevalece é o interesse do telespectador e o equilíbrio”, afirma a diretoria.

2.3.4. TV Educativa do Paraná (É Paraná)

A É- Paraná é a TV Educativa do Paraná [Dados fornecidos por Ângela Luvisotto, Diretora de jornalismo é-Paraná, via e-mail em 02 de setembro de 2013], administrada pelo governo estadual vigente. É a emissora que retransmite o conteúdo da TV Cultura no Paraná e também produz programação local. São 15 minutos de programação no boletim diário matutino; 15 minutos de boletim esportivo ao meio dia; meia hora de programação cultural no início da noite seguida de 30 minutos de jornal noturno. São duas horas e meia de produção de programas.

A RTVE é-Paraná é uma autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Comunicação Social do Paraná. É a emissora pública do Paraná. A RTVE é-Paraná é formada por uma emissora de televisão e duas rádios: FM 97.1 e AM 630.

Todos os jornalistas que atuam na é-Paraná são diplomados. A empresa trabalha também com estagiários de cursos de jornalismo. A empresa possui cerca de 100 funcionários, sendo que 40 são jornalistas. Há jornalistas contratados pelo Estado (funcionários de carreira), jornalistas nomeados em cargos de comissão e ainda alguns jornalistas prestadores de serviço.

Linha Editorial

A diretoria de jornalismo afirma que procura sempre esclarecer os funcionários a respeito da linha editorial adotada nos programas de TV e rádio e que tem o compromisso claro com a promoção de cidadania, serviço e presta contas dos atos do governo do Estado. A direção ainda ressalta que é comprometida com a veracidade dos fatos e procura não fugir da linha da promoção de cidadania e prestação de serviço para o telespectador. Temas sensacionalistas não fazem parte do escopo editorial da emissora que ainda não possui jornalismo opinativo. 42

2.3.5. RPC TV

A TV Paranaense [Informações cedidas pelo Diretor de Jornalismo, Wilson Serra], Canal 12, de Curitiba, foi ao ar pela primeira vez no começo da noite de 29 de outubro de 1960. Fundada pelo empresário Nagib Chede, foi a primeira emissora de TV do Paraná.

Em janeiro de 1969 o fundador Nagib Chede vendeu a TV Paranaense para os empresários Edmundo Lemanski e Francisco Cunha Pereira. Lemanski e Cunha Pereira já eram sócios na Gazeta do Povo e, juntos, foram adquirindo outras empresas, todas na área da comunicação. No ano de 2000, já eram oito emissoras de TV, duas rádios e dois jornais impressos, unificados administrativamente com o surgimento da RPC – Rede Paranaense de Comunicação. Em 2007, os dois passaram o controle das empresas para os filhos, que até hoje estão no comando. Francisco Cunha Pereira morreu em março de 2009. Edmundo Lemanski, em agosto de 2010.

Em 2011, o grupo corporativo mudou de nome. De RPC (Rede Paranaense de Comunicação) para GRPCOM (Grupo Paranaense de Comunicação), dividido em três unidades de negócios. Da Unidade TV, além da TV Paranaense, hoje RPCTV-Curitiba, fazem parte as “RPCTVs” de Londrina, Maringá, Paranavaí, Foz do Iguaçu, Cascavel, Guarapuava e Ponta Grossa, a ÓTV (Canal a cabo em Curitiba) e os portais de Internet G1 e GE.com/Paraná. A Unidade jornais é formada pelos impressos Gazeta do Povo, Jornal de Londrina e Tribuna do Paraná, além dos portais Paraná-on-line e Gazeta Maringá. A terceira Unidade é a de Rádios, formada pela 98-FM e Mundo Livre, de Curitiba, e a Cultura, de Maringá.

A emissora fica no ar 24 horas por dia, sete dias por semana, com uma grade de programação estabelecida pela Rede Globo com programas, locais, nacionais e importados. Se considerarmos apenas a programação local, a RPCTV produz diariamente duas horas e meia de jornalismo. São 60 minutos de Bom Dia, 45 do PRTV-01, 20 do Globo Esporte, 20 do PRTV-02 e mais cinco de flashes durante a programação. Além destes, temos os programas semanais: Painel, Plug e Meu Paraná aos sábados; Caminhos do Campo e Revista RPC aos domingos

Todos os funcionários do Jornalismo, no exercício de funções jornalísticas, têm registro profissional para isso. A grande maioria é diplomada. As exceções são alguns repórteres-cinematográficos antigos. Não tem diploma, mas tem Registro Profissional no Ministério do Trabalho – que corresponde a habilitação para o exercício da função. A política da empresa é a exigência do registro.

No GRPCOM todo são quase 2.000 funcionários. Na Unidade TV (todas as emissoras), cerca de 800. Na RPCTV-Curitiba são 342 funcionários. Destes, 120 são do Jornalismo. Finalmente, destes 120 do Jornalismo, 93 são jornalistas.

As contratações são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No caso dos Jornalistas, a RPCTV tem um acordo de extensão de jornada firmado com o Sindicato da categoria e com o Ministério do Trabalho. Por esse acordo, os que fazem trabalhos externos (repórteres e repórteres cinematográficos) tem jornada diária de sete horas. Os que trabalham internamente (editores e produtores), seis horas. A empresa tem um Plano de Cargos e Salários com cinco níveis para cada função. A movimentação dentro deste Plano é baseada num programa aberto de Gestão de Competências realizado todos os anos. O nível 01, o mais baixo, corresponde, no caso dos jornalistas, aos pisos da categoria que, adequado ao acordo de extensão de 7h/dia, estão hoje em R$ 3.964,00 para repórteres e R$ 4.187,00 para editores e produtores.

Linha Editorial

A direção afirma esclarecer com frequência seus colaboradores sobre a política editorial adotada. Há 13 anos, em 2000, elaborou e implantou uma Carta de Princípios Editoriais e Normas Éticas, apresentada e discutida com todos os jornalistas. Essa carta norteia todos os trabalhos. Ela está na intranet da empresa e impressa em formato de um livreto, disponível para todos. É discutida sistematicamente com todos os jornalistas.

A RPCTV aponta como princípios que norteiam a linha editorial: Defesa da Democracia, da Liberdade de Expressão, dos direitos do cidadão, do respeito aos recursos e bens públicos, do desenvolvimento do Estado e da sociedade. A direção de jornalismo ressalta ainda que esses valores estão acima de partidos e outras organizações.

A emissora alega ter um compromisso de prestação de serviços à comunidade e com um jornalismo útil para as pessoas. Objetivam ser vistos e entendidos pela população, pela audiência, estabelecendo uma relação de confiança com os telespectadores. Essa relação é diária, construída ano após ano. Em contrapartida, pode ser destruída num segundo, com uma notícia falsa, alarmista, de mau gosto, desrespeitosa, apelativa. O sensacionalismo está na contramão desses princípios.

Wilson Serra reconhece a importância e o interesse das pessoas pelo jornalismo policial. “Porém, dentro de certos limites. Damos as informações, acompanhamos os casos, mas não mostramos cenas fortes, não expomos pessoas suspeitas (respeitamos a presunção de inocência) nem menores de idade, evitamos imagens chocantes e de mau gosto”, explica.

Quanto à imparcialidade, a RPCTV não acredita na existência absoluta desse pressuposto por perceber que só ao escolher, selecionar as notícias que são divulgadas, já são parciais. O que a emissora diz buscar é a isenção, é dar informações completas, ouvindo e mostrando todas as partes, deixando para o público a decisão, o julgamento.

A RPCTV reconhece que exprime sua opinião sobre os fatos em tudo que exibe, mas não considera o poder de inocentar ou condenar. “A nossa opinião é expressa na nossa informação. Por exemplo, quando fizemos as séries de reportagens sobre os diários secretos da Assembléia, sobre as verbas da Câmara de Vereadores e, mais recentemente, sobre o Tribunal de Contas, estava clara a nossa opinião em defesa da moralidade e do bom uso do dinheiro público. Nos três casos, a população foi às ruas, se manifestou, se posicionou, sem que tivéssemos que dirigí-la para isso com editoriais, chamamentos e convocações”.

2.4. Distribuição de Verba Publicitária – PMC

De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC), a mídia TV é a que possui inserção mais cara e a que mais recebe investimentos de verba publicitária. De modo geral, a distribuição da verba se dá pelo share de cada emissora (mídia técnica que considera a porcentagem de sintonizados sobre o número total de televisores ligados). Ou seja, o investimento é proporcional a audiência de cada veículo. Contudo essa regra não é absoluta, já que existem outros critérios subjetivos envolvidos.

Segundo o secretário municipal de Comunicação Social Gladimir Nascimento [Entrevista cedida em 05 de novembro de 2013], não é possível apresentar dados detalhados sobre quanto a prefeitura pagou a cada emissora de TV entre 2008 e 2012, já que os dados foram apagados na transição de gestão. Como a lei não obriga que o governo municipal gere esses dados, a remoção dos dados não é considerada uma irregularidade. Também é difícil fazer esse levantamento – considerando a verba destinada a cada veículo – porque a prefeitura acumula cerca de 500 processos administrativos por ano e cada inserção/pagamento é um processo.

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Ester Pepes Athanásio é jornalista