Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

36º Congresso de Jornalistas termina em Maceió

Cerca de 500 jornalistas participaram do 36º Congresso Nacional de Jornalistas, em Maceió, entre os dias 02 e 05 de abril. Na pauta, temas relacionados ao Jornalismo, sua relação com a sociedade e sua contribuição na construção da democracia, como a promoção da igualdade racial, a defesa da liberdade de expressão, direitos autorais, ética, relações de trabalho, formação sindical, regulação da comunicação e novas plataformas do jornalismo.

O início dos trabalhos se deu com um marco histórico para a categoria: no dia 02 de abril de 2014, pela primeira vez, ocorreu o Encontro Nacional dos Jornalistas pela Igualdade Racial (1º Enjira), em Maceió. A caminhada foi longa, mas no ponto de encontro integrantes das Comissões de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojiras) de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Alagoas, Paraíba e Bahia, além do Núcleo de Jornalistas Afrobrasileiros do Rio Grande do Sul, que agregam profissionais engajados na discussão da temática, além de representantes dos demais sindicatos da categoria em outros estados do Brasil.

O evento integrou a programação do Congresso promovido pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e o Sindjornal, além de contar com o apoio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR).

Na avaliação do presidente da Fenaj, Celso Schröder, foi uma grande honra ter o Enjira abrindo o Congresso Nacional dos Jornalistas. “Isto era uma coisa que nós devíamos ao jornalismo brasileiro. Este é um assunto que deve ser extremamente debatido em todas as redações pelo Brasil afora”, afirmou.

Valdice Gomes, presidenta do Sindjornal e coordenadora da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Conajira) da Fenaj, falou da grande emoção em ver o primeiro Enjira acontecer Alagoas. “Não é de hoje que lutamos por isso, pois sabemos do quanto é fundamental implementar ações voltadas à igualdade racial em todas as esferas da comunicação social”, disse ela.

A luta contra a desigualdade

Do 1º Enira foram extraídos dois documentos, uma lista de 12 propostas prioritárias divididas nos eixos de formação profissional, atuação sindical e democratização da comunicação e a Carta da Igualdade de Maceió, ambos inclusos nos anais do 36º Congresso Nacional de Jornalistas.

Vários foram os momentos marcantes deste congresso de farta programação. Entre eles estão: o painel “O Jornalismo e a Democracia Contemporânea”, com o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do jornalista e escritor Audálio Dantas e do assessor especial da SEPPIR/PR, Edson Cardoso; a leitura da Carta da Igualdade de Maceió; a aprovação de tese para que a Fenaj e todos os sindicatos ampliem a campanha de inclusão e atualização da autodeclaração etnicorracial nas fichas cadastrais de jornalistas; o passeio etnicorracial (opcional) ao Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga; além de uma moção de repúdio à apresentadora Ana Maria Braga (programa Mais Você/Rede Globo), que no dia 03 de abril, ao divulgar uma receita popularmente conhecida como “Nêga Maluca”, usou tom jocoso e irônico para afirmar que existiria uma nova nomenclatura: “mulher afrodescendente com distúrbio mental”.

Em sua palestra, Edson Cardoso falou dos problemas relacionados às desigualdades raciais, a hierarquização do humano, a estigmatização e a prática da democracia meia-boca no Brasil. “A diversidade contribui para a excelência, mas, o racismo estrutura a nossa sociedade. Ao pensar em democracia, não podemos conviver com uma ideologia onde afirma que por causa da aparência, um é melhor que o outro. A pluralidade de vozes deveria ser o sustentáculo da democracia”.

Para ele, a diversidade racial não está sendo representada como devia, pois os canais representativos para essas pessoas são poucos e isso deixa todos em desvantagem. “Precisamos lutar pelo fortalecimento da mídia étnica, que nos dias de hoje vive pobre de recursos. E aqui neste congresso é um ótimo lugar para refletirmos e fortalecermos essa luta contra a desigualdade”, afirmou Edson.

I Enjira

Com foco na construção da igualdade racial na mídia e no papel dos jornalistas nesse processo, o encontro trouxe a tona questões como a visibilidade da cultura e das demandas relacionadas à população negra, além da troca de experiências sobre a abertura de espaços para o jornalismo especializado nas questões de gênero.

No debate, Cleidiana Ramos, repórter especial do jornal A Tarde (BA), especializada em questões de identidade e religiosidade afrobrasileira, premiada em 2013 no Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, na categoria Mídia Impressa, com o caderno especial “Os homens que chamam os deuses pra terra”; o jornalista Washington Andrade, diretor-geral do Portal Áfricas; e Rosane Borges, doutora em Ciências da Comunicação, coordenadora do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra.

Durante uma hora eles falaram sobre questões como o tabu de falar no racismo na imprensa brasileira; das relações diferenciadas da informação com o público negro; da importância de fomentar o debate sobre etnia e raça na mídia brasileira, entre outros assuntos.

Para Rosane Borges, não há como falar em democratização da comunicação se não houver debate sobre a representação do negro nas mídias e de ações afirmativas com recorte racial. “O racismo no Brasil é como o sol, sabemos que ele está lá, sentimos seus efeitos. Olhar diretamente para ele cega. É algo muito presente e que nos negamos a encarar. O que precisamos é trabalhar para promover a igualdade social e racial, e a mídia tem um papel fundamental nisso.”

De acordo com Washington Andrade, acessar as verbas publicitárias dos órgãos das três esferas de poder não é tarefa fácil para os empreendedores negros, em especial no que tange as mídias negras. O diretor do Portal Áfricas apresentou dados de investimentos publicitários da União disponibilizados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República que mostra os beneficiários de recursos oficiais de publicidade. Há uma concentração de 80% estão concentrados em grandes empresas de comunicação. Entre os critérios de seletividade estão a audiência e a regionalização. Andrade chamou a atenção para os critérios de “mídia técnica” sejam discutidos à luz de padrões mais plurais, não se resumindo apenas ao custo por mil ou a audiência. “O investimento publicitário em veículos de pequenas empresas de comunicação aquece toda a cadeia produtiva das pequenas empresas do setor. Quem contrata a pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência publicitária, a pequena produtora de vídeo, por exemplo, são os veículos de comunicação que não são vinculados aos grandes conglomerados midiáticos”.

“Em vários momentos tive vontade de desistir, porque não é fácil desconstruir o nosso racismo cotidiano, que determina uma estética excludente”, disse Cleidiana Ramos ao relembrar os momentos em que reencontrou forças para dar continuidade à produção do caderno especial do jornal A Tarde (BA) publicado no dia 20 de novembro há dez anos. Única jornalista da formação original, Cleidiana acredita que seja até melhor não terem uma equipe fixar, desta forma atuamos como um espaço pedagógico para a temática racial. “Hoje somos referência para todo o jornal, inclusive para o setor de marketing, que já nos chama para discutir as campanhas de publicidade.”

Após os debates, jornalistas, acadêmicos e convidados afrodescendentes – ou não – identificados com a luta pela igualdade racial de todo o país aprovaram 12 propostas prioritárias divididas nos eixos de formação profissional, atuação sindical e democratização da comunicação. São elas:

1. Orientar os sindicatos dos jornalistas do Brasil que negociem em seus acordos coletivos para que seja garantida a cota de 20% de negros e negras nas contratações das empresas de comunicação;

2. Que a Fenaj e os sindicatos garantam que o Enjira seja realizado periodicamente a cada dois anos;

3. Realizar ampla pesquisa nacional etnicorracial para identificar os(as) jornalistas negros(as) que estão dentro e fora do mercado de trabalho;

4. Fazer uma moção de apoio ao projeto de lei que define o percentual de 20% de cotas raciais nos concursos públicos, incluindo os cargos em comissão;

5. Que os sindicatos atuem para o cumprimento da convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da discriminação nos locais de trabalho;

6. Que a Fenaj recomende aos sindicatos a solicitação de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ao Ministério Público do Trabalho, com objetivo de responsabilizar empresas de comunicação quanto à discriminação etnicorracial em sua cobertura editorial, em especial nas editorias de polícia;

7. Que a Fenaj recomende aos sindicatos que garantam pelo menos uma vaga para delegado(a) representando a Cojira de cada estado nos congressos de jornalistas;

8. Propor parcerias com instituições internacionais, universidades, governos, entre outros, para novamente ofertar o curso de gênero, raça e etnia para jornalistas;

9. Atuar para a inclusão da temática etnicorracial no currículo acadêmico das faculdades de jornalismo;

10. Ampliar a produção científica das Cojiras e do Núcleo de Jornalistas Afrobrasileiros;

11. Reivindicar que a Secretaria de Comunicação (Secom), da Presidência da República, destine parte de suas verbas para o financiamento da mídia negra;

12. Que a Fenaj faça uma pesquisa crítica e nacional cerca da cobertura etnicorracial realizada pelos meios de comunicação no Brasil.

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Carta da Igualdade de Maceió

Considerando o papel inequívoco da atividade jornalística para a garantia da democracia e do pluralismo nas sociedades contemporâneas, nós, jornalistas negros e negras, não negros e não negras, reunidos(as) no I Encontro Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Enjira) durante o 36º Congresso Nacional de Jornalistas, em Maceió, tornamos públicas as principais questões que nuclearam o 1º Enjira e que são extensivas às políticas de comunicação que, certamente, nortearão este Congresso.

As representações dos(as) negros(as) e grupos historicamente discriminados no jornalismo e a destinação de verbas públicas para as mídias negras foram alguns dos temas que ordenaram as reflexões tecidas no 1º Enjira e nos estimularam a pensar no projeto de democracia que cimenta o desenvolvimento deste país. Durante o debate, também sublinhamos, enfaticamente, a existência de uma ditadura estética eurocêntrica na imprensa, a reduzida presença de jornalistas negros(as) nas redações e a necessidade de inclusão da temática etnicorracial no currículo das faculdades de jornalismo.

Tornou-se moeda corrente a afirmação de que a democracia, um dos motes do 36º Congresso, não se coaduna com racismo. Discutir a situação dos jornalistas, do jornalismo e da democracia deve obrigatoriamente nos levar a assumir a superação do racismo brasileiro como nexo prioritário para o exercício do bom jornalismo, calcado nos princípios de transparência e de combate a toda sorte de desigualdades.

Não se põe mais em questionamento o fato de o Brasil ser um país marcadamente racista. Alguns indicadores não deixam dúvida: o nosso IDH fica na margem do 79º lugar no ranking mundial. Quando desagregamos essa posição por raça, a população negra fica no 114º lugar e a branca no 38º lugar. Mulheres e homens negros permanecem ganhando menos que homens e mulheres brancas. As altas taxas de extermínio da juventude negra, especialmente dos homens, são uma tragédia social. Alagoas, que sedia nosso Congresso, é o estado que mais mata jovens negros no Brasil.

Como podemos, no território da atividade jornalística, promover a equidade e combater o racismo? Uma vez que o jornalismo é atividade que funda e não apenas relata a realidade, de que modo podemos transpor as assimetrias raciais nos sistemas de informação e nos regimes de visibilidade trazidos à superfície pelas notícias que manufaturamos cotidianamente?

Sabemos, igualmente, das profundas modificações nos processos de sociabilidade. Essas mudanças não são pensáveis sem o papel fundamental que as mídias desempenham na visibilidade do poder. A opinião pública se formou em parte graças ao que hoje chamamos de mídia.

Ora, se concordamos quanto a esse estatuto da mídia, em geral, e do jornalismo, em particular, constitui-se urgência política e um imperativo ético que a Federação Nacional de Jornalistas e os sindicatos possam cada vez mais aprofundar o debate em torno das assimetrias raciais, com propostas exequíveis no campo de ação dos jornalistas engajados(as) no combate à discriminação e ao racismo. Temos 31 sindicatos e apenas 7 comissões de jornalistas pela igualdade racial, o que ainda é pouco em face da magnitude do racismo no tecido social. É preciso que a Federação e os sindicatos sejam indutores de políticas capazes de incidir sobre as desigualdades sociais com fundamento racial. Necessário se faz a reflexão em torno do imaginário que governa todos nós, negros(as) e brancos(as), e que não tenciona os papéis subalternizados sobre representados em grupos raciais não hegemônicos.

Acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, são absolutamente cristalinos no que diz respeito ao compromisso do Estado brasileiro, bem como de organismos e categorias profissionais, em superar o drama racial que ainda experimentamos como forma de alcançar, efetivamente, o desenvolvimento pleno capaz de consolidar a democracia.

Reafirmamos neste 36º Congresso Nacional dos Jornalistas o nosso papel com a promoção da igualdade etnicorracial e de gênero, entendendo que os grupos historicamente discriminados tem o direito de desfrutar do binômio justiça e desenvolvimento.

Maceió-AL, 02 de abril de 2014

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Sandra Martins é jornalista, integrante da Cojira-Rio/SJMPRJ e coordenadora da 3ª edição do Prêmio Jornalista Abdias Nascimento