Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

BH, do Curral à metrópole, 300 anos

A farmácia mais antiga de Belo Horizonte foi fundada em Santa Maria de Itabira por Trajano Procópio de Alvarenga Monteiro. Não é a mais importante informação de Belo Horizonte do Arraial à Metrópole – 300 Anos de História, novo livro do jornalista José Maria Rabêlo, mas, por bairrismo, começo com esse dado. É a Universal, aberta em 1890 e transferida para a capital em 1933.

Quem quiser saber mais ou comprar Elixir Paregórico, é só ir à rua Itajubá, 553, no bairro Floresta, pois continua de portas abertas o estabelecimento criado por Trajano Procópio, nome querido também em Itabira, onde fundou escolas e prestou bons serviços políticos como presidente da Câmara de Vereadores no final da década de 1920.

“Marcos, Marcos”, ouço ao fundo, “o livro é sobre Belo Horizonte, não sobre Itabira e Santa Maria de Itabira”. Verdade, falemos, pois, da capital. Antes, porém, deixe-me dizer que também estão na obra O TREM Itabirano, o Cometa Itabirano, a Itabira Iron; Emílio Rouède, pintor francês que abriu escola em Itabira; Luiz Eugênio Guerra, Genin, itabirano presente nas primeiras páginas com uma caricatura do autor; o compositor itabirano José Duduca Moraes, criador de “Oh! Minas Gerais”, hino popular do estado, versão de uma canção napolitana; o escritor itabirano João Camilo de Oliveira Tôrres; a russa Elke Maravilha, que morou em Itabira, e, claro, Carlos Drummond de Andrade.

Itabira… “Marcos, Marcos, aí já é sacanagem, tá puxando demais para Itabira, o livro é sobre Belo Horizonte, Be-lo Ho-ri-zon-te”. Só mais uma informação, agora bem funesta: Itabira também é referenciada no texto como destino de uma estrada, a BR 381, onde facínoras da ditadura civil-militar enterravam inimigos políticos que eles assassinavam.

Vamos lá, Belo Horizonte, o livro de José Maria Rabêlo é sobre BH. Começa com as origens de Curral del Rei e vai, vai, vai, vai. A transferência da capital, a luta política do café e da mineração, a construção, inauguração, implantação e consolidação da cidade. A vida cultural, o futebol, as manifestações sindicais, o conservadorismo, a resistência à ditadura, arquitetura, industrialização, tragédias, imigrantes, os negros… São 360 páginas imperdíveis para os mineiros ou quem os tem como objeto de estudo, admiração ou raiva.

José Maria Rabêlo revisa historiadores – Abílio Barreto entre eles – ao informar que o bandeirante João Leite da Silva Ortiz (três goleiros do Atlético num nome só) não foi o fundador de Curral del Rei, mas um dos responsáveis pela formação do arraial. Se quisermos atribuir o feito a um só, sustenta, o correto seria colocarmos na conta do fazendeiro português Francisco Homem del Rei, em cuja propriedade havia um curral de aluguel – daí Curral del Rei.

Importante, muito importante: não há um Raul Dida Fábio na história de BH.

Sete toques sobre o livro

1. Água de Ouro Preto. Funcionários públicos ouro-pretanos, indignados com a mudança da capital, mas que também tiveram de se transferir, fizeram um curioso protesto: levavam água da velha Vila Rica para não ter de beber a de BH. Também diziam ser intolerável viver numa cidade sem becos.

2. O castigo do major. O policial Antônio Lopes de Oliveira, que castigava boêmios desordeiros com vara de marmelo, virou nome de uma das ruas mais movimentadas da noite belo-horizontina, a Major Lopes.

3. Primeiro atropelamento. Em 1913, o médico Antônio Aleixo, que dirigia um carro alemão da marca Benz, atingiu sem gravidade um passante e inaugurou o atropelamento em BH. Prestou socorro e ofereceu à vítima um terno novo. Portanto, em 2013 foi o centenário do atropelamento na capital.

4. Obra do kapeta. Um dos mais acirrados críticos da Igreja da Pampulha, de Oscar Niemeyer, foi o historiador Augusto de Lima Júnior, que sugeriu demoli-la. “Não tem forma nem de igreja nem de coisa nenhuma”, condenou: “Lá se encontra uma quantidade de figuras deformadas de prováveis criaturas, homens e bichos, gerados sob a ação da Talidomida”, medicamento para gestantes que na época deformou crianças e mulheres. “Obra do Kapeta”, escreveu ele, pespegando no demo um k de Juscelino Kubitschek, em cujo governo foi erigido o polêmico templo, hoje por todos consagrado.

5. O poeta-garanhão. O tenente Jesú Miranda lançou o livro de versos As Cem Mulheres que Amei. Surgiram mais damas na vida dele e a segunda edição da obra teve como título As Mil Mulheres que Amei. Num poema, deixou escapar informações que permitiram a identificação por parte de um marido enciumado. Este passou a perseguir o poeta-garanhão, exigindo que retirasse a esposa da obra. As 999 Mulheres que Amei, no entanto, nunca veio a lume.

6. Chacota. Hoje, a rádio Itatiaia é uma potência, mas, fundada em Nova Lima, no início chegava a BH com tanta deficiência que os concorrentes faziam chacota: “A Itatiaia fala para o centro e cochicha para os bairros”.

7. Omissão. Como José Maria Rabêlo nos convoca a apontar omissões, cito uma na parte sobre imigrantes. Esqueceu-se do treinador de vôlei sul-coreano Young Wan Sohn, tricampeão brasileiro com o Minas na década de 80. Treinou também a seleção brasileira.

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Marcos Caldeira Mendonça é editor d’O TREM Itabirano