Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre palavrões e padrões de qualidade

A questão de publicar obscenidades e grosserias está de volta. Vários artigos recentes levantaram a questão do tipo de linguagem que as organizações de mídia deveriam permitir em suas matérias.

No mês passado, o presidente da Sociedade do Dialeto Americano, Jesse Sheidlower, declarou num artigo publicado na página de opinião do New York Times que a sociedade se sente muito mais à vontade com grosserias nas últimas décadas, “mas a postura da mídia praticamente não mudou”.

A partir daqui, duas opiniões sobre a questão da vulgaridade em geral:

Em primeiro lugar, não tenho certeza que todo mundo concorde que a imprensa acompanhe as grosserias mais recentes. Por exemplo, se nossas matérias fossem amarradas com besteiras como ocorre com a linguagem comum, os leitores poderiam muito rapidamente achá-las muito chatas.

Em segundo lugar, se considerarmos uma notícia da Associated Press um indicador, o uso que fazemos de uma linguagem que já foi tida como impublicável passou por um considerável afrouxamento. Como eu dizia outro dia a Adam Offitzer, da American Journalism Review, há cerca de 20 anos até “maldito” e “diabo” eram palavras em que pensávamos duas vezes antes de escrevê-las em nossos despachos. Atualmente, nem nos preocupamos. (Nosso Manual de Redação até especifica a grafia correta para maldito, maldição e maldito seja.)

Manter os padrões altos

Também já usamos outros palavrões, quando achamos que o contexto de uma matéria realmente os exigia. Mas merecem algum debate antes de serem publicados. São essenciais à compreensão da matéria pelo leitor, ou simples linguagem grosseira que podemos descartar? E isso leva a um outro ponto válido destacado por Jesse Sheidlower: se o leitor precisa saber o palavrão especificamente usado para compreender a matéria, então, de uma ou de outra maneira temos que transmiti-lo.

Sheidlower notou a abordagem tímida que normalmente é feita a essa questão: ocultando parte da obscenidade. Em alguns casos, às vezes pomos um traço, como quando escrevemos sobre a peça Os filhos da – com chapéu. Também omitimos palavrões de nossos serviços de notícias radiofônicos, com um sinal sonoro no lugar do termo chulo. Exemplo: na cerimônia de assinatura da Lei de Acesso à Saúde, quando o vice-presidente Joe Biden comentou que se tratava de “um puta negócio” [“a big fucking deal”, no original]. Porém, mesmo com traços e sinais sonoros, não é mistério para os leitores aquilo que pensamos.

E por que preocupar-se, então, com traços e sons?

Acreditamos que a maioria dos assinantes da Associated Press – dos sites de notícias da internet e móveis, assim como emissoras e jornais – ainda preferem que algumas obscenidades sejam ocultadas. Também é nossa opinião que encher nossos serviços com obscenidades gratuitas empobrece nosso trabalho e não é de utilidade para ninguém.

Esta questão irá evoluir, com certeza, tanto na AP quanto em outros lugares. Tentamos manter-nos próximos às preferências de nossos assinantes. Recentemente, o New York Times reformulou seus padrões de vulgaridade. Na opinião da ombudsman Margaret Sullivan, “a nova linguagem me parece uma boa medida. Mantém os padrões altos, mas pode ajudar os jornalistas a evitar dificuldades como escrever sobre o título de um livro ou de um site na internet, ou citando uma autoridade pública”.

Manter os padrões altos, além de se comunicar de uma maneira clara, é o que todos deveríamos tentar fazer.

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Tom Kent é editor de Padrões da Associated Press