Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A fonte inesperada

O ponto alto do jornalismo do SBT raramente foi a apuração; em geral, foi a opinião. Boris Casoy mexeu com todos os conceitos vigentes de âncora e, depois dele, os apresentadores de telejornais nunca voltaram ao estilo anterior, de pura e simples leitura de notícias. Rachel Sheherazade se tornou popular não pelas notícias, mas pelos comentários duros e que muitas vezes soaram até ofensivos a parcelas significativas de telespectadores.

Mas o tabu acaba de ser rompido: numa reportagem espetacular, muito bem feita, com excepcional capricho na apuração, Roberto Cabrini mostrou como o PCC, Primeiro Comando da Capital, quase sinônimo de crime organizado, funciona utilizando como quartel-general o Presídio de Segurança Máxima de Presidente Venceslau, SP. Apresentou imagens de reuniões de presidiários, encarregou especialistas em leitura labial de decifrar o que era combinado pelos criminosos, comprovou que, embora presos, os chefões do crime organizado continuam no comando das quadrilhas – de acordo com o Ministério Público, têm cerca de três mil homens sob sua chefia, homens que, conforme as ordens recebidas, saem pelo estado matando policiais, atirando em delegacias e incendiando guaritas, cuidando do narcotráfico, aterrorizando o Estado de São Paulo.

A situação chegou a tal ponto que dois secretários do governo tucano paulista, Fernando Grella, da Segurança, e Lourival Gomes, da Administração Penitenciária, enviaram documento oficial ao juiz Paulo Sorci no qual declaram que não há como controlar criminosos condenados e presos como Marcola e Barbará a menos que possam submetê-los ao RDD, o Regime Disciplinar Diferenciado.

A reportagem recolocou o Jornalismo do SBT no lugar que lhe cabe, um dos mais importantes da grande imprensa. Jornais, portais, redes sociais passaram os dias seguintes a reproduzi-lo e comentá-lo. A reportagem demonstrou também o que é jornalismo em estado puro: usando os meios de que dispunha (nada espetacular como drones, autoridades loucas para aparecer, testemunhas com voz de pato), com competência e talento, Roberto Cabrini produziu um terremoto, que mesmo no Brasil, onde as autoridades são especialistas em esquecer os assuntos mais incômodos, terá consequências. Seria ótimo se cada jornalista dispusesse de verbas imensas e grandes dispositivos tecnológicos para a apuração; mas experiência, talento, conhecimento de causa são suficientes para mostrar os fatos como eles são. Jornalistas de alta qualidade, comprova-se mais uma vez, não representam um custo para a empresa; são, muito mais do que custo, um investimento em qualidade, em repercussão garantida, em ganho de confiabilidade junto ao público – e, naturalmente, junto aos anunciantes.

Que todas as empresas jornalísticas aprendam com este exemplo.

 

O prêmio do trabalho

Pela primeira vez em muito tempo, o SBT bateu a Globo, ficando vinte minutos na liderança, graças ao Conexão Repórter e a Roberto Cabrini.

 

As perguntas, agora

Cabe à imprensa em geral, agora, não se limitar a transcrever trechos do programa do SBT ou a reproduzir o Conexão Repórter em vídeo. Cabe-lhe responder a uma série de perguntas que já há muito incomodam quem acompanha o dia a dia do sistema penitenciário brasileiro.

1. Por que os integrantes da quadrilha que comanda o PCC estão presos juntos, na mesma prisão? Por que não foram divididos entre vários presídios, para ao menos dificultar os contatos entre eles?

2. Os celulares que este colunista tem ou teve, e o de seus amigos e conhecidos, compartilham uma característica: precisam de bateria para funcionar. Considerando-se que nas celas não há tomadas, como é que carregam as baterias?

3. A propósito, celulares são proibidos nas prisões. Como é que os celulares chegam aos prisioneiros? Não estará na hora de modificar os procedimentos de visitas, de contatos diretos, e isolar ao menos os prisioneiros mais perigosos, permitindo-lhes apenas conversar com seus advogados e parentes através de uma parede de vidro, como ocorre em outros países?

4. Já lemos, ouvimos, vimos, dezenas de explicações sobre os motivos pelos quais não se consegue bloquear as ligações telefônicas da cadeia. Aí aparece uma notícia de que quadrilhas que assaltam caminhões de carga bloqueiam a comunicação dos motoristas, usando pequenos dispositivos vendidos baratinho pela internet. Ou seja, para bloquear os celulares nas prisões não há o que fazer (embora nos Estados Unidos e na Europa isso se faça normalmente), mas para assaltar motoristas de caminhão há dispositivos à venda no mercado? Já não chegou a hora de isso ser esclarecido pelos meios de comunicação?

5. Correm rumores de que, quando um condenado chega à prisão, perguntam-lhe a que facção pertence, para colocá-lo junto aos companheiros de crime organizado. Isso é verdade? Se for, não significa que o poder do Estado passou a reconhecer o crime organizado como fato da vida, tão desagradável e inevitável quanto um temporal, mas tão natural que hoje o aceita e a ele se submete? Talvez essa informação seja falsa – nesse caso, por que os meios de comunicação não deveriam apurar os fatos e desmentir o que fuja à realidade?

6. Este colunista foi informado por mais de uma fonte que, quando um preso recebe visitas, essas visitas recebem uma lista de coisas que têm de levar, legal ou ilegalmente, para a prisão. Se não o fizerem, o preso com quem se relacionam sofrerá as consequências. Será verdade? Mais uma vez, cabe aos bons repórteres da área investigar e confirmar ou desmentir a informação. Porque, se for verdadeira, estará definitivamente claro que quem manda nas prisões não é o Estado, mas o crime organizado, que as utiliza como hotel e escritório, sob a proteção gratuita de seguranças pagos pelo governo, com refeições gratuitas e garantidas.

O governo tem a missão específica de aniquilar a organização do crime. Mas todos podem colaborar para isso – especialmente os meios de comunicação.

 

O preço das notícias

Muita gente já ouviu falar no tema. Muita gente sabe como é que funciona uma parte importante do relacionamento entre governo e imprensa. Mas uma confissão tão clara como esta, do governador peemedebista mato-grossense Silval Barbosa, em entrevista ao programa Folha Mix, da Rádio Mix, na sexta-feira (11/4), soa quase inacreditável, pela sem-cerimônia com que reconhece atos de corrupção:

“Se eu não conseguir equacionar a questão financeira, o que eu puder pagar e divulgar no prazo certo, se a imprensa não estiver satisfeita, com seu saldo certinho, pode entrar o melhor jornalista do mundo que não vai comunicar da forma que eu quero que comunique (…) Abre um site, qualquer tipo de site, aí o cara quer cinco ou dez mil de mídia por mês (…) Às vezes um meio de comunicação quer 500 mil por mês e nós não podemos pagar 500 mil, podemos pagar 200, e às vezes a gente não consegue colocar a notícia da forma que nós queremos (…) É, eu tenho meio de comunicação, minha família tem, eu nasci com isso, tem 30 anos que eu tenho. É assim, infelizmente, que funciona!”

É assim, infelizmente, que ele diz que funciona. E com o nosso dinheiro. A imprensa de Mato Grosso tem de rebatê-lo com dureza – a menos que aceite a pecha de corrupção. E a imprensa nacional não pode deixar o assunto passar batido. Quem se calar estará dando um importante sinal sobre a ética que pratica.

 

Nós e os números

Tudo muito bom, tudo muito bem, uma autoridade fala, o jornalista registra. Mas se o erro é flagrante, é preciso registrar o erro também. Não é falta de educação, não é golpismo, não é massacre midiático: é busca de precisão, é oferecer ao consumidor de informação a melhor retribuição possível por aquilo que paga.

A presidente Dilma disse, segundo o UOL, que os governos petistas (dela e de Lula) multiplicaram por seis o lucro líquido da Petrobras, “que passou de R$ 8,1 bilhões para R$ 23,6 bilhões”. Só que R$ 8,1 bilhões, multiplicado por seis, é R$ 48,6 bilhões, não R$ 23,6 bilhões. Qual o número certo? A presidente errou na conta ou o lucro líquido não foi multiplicado por seis?

 

A hora de quem entende

Chico Santa Rita, um dos grandes especialistas do país em marketing político, que conduziu campanhas de Quércia, Collor (segundo turno, contra Lula), Fleury, André Puccinelli, lança agora seu novo livro: Batalha Final – o marketing político levado às últimas consequências. É o último livro de uma trilogia que começou com Batalhas Eleitorais e Novas Batalhas Eleitorais. Lançamento no dia 28/4, a partir das 19h, na Livraria da Vila – Rua Fradique Coutinho, 915, SP. Os dois primeiros livros da trilogia também estarão à venda, em conjunto, numa caixa.

 

A hora da infância

A boa escritora Heloísa Curado está lançando, num sistema inovador, seu novo livro infantil: Luiza, vem cá, amplamente divulgado na Segunda Bienal do Livro e da Leitura em Brasília. A inovação: Heloísa vende os livros em casa, a R$ 25, mais R$ 6 de frete. Para receber o livro pelo Correio, sem precisar sair de casa, basta ligar para (62) 4091-7861 ou pedir pelo Facebook, e-mail mhncc6@hotmail.com

 

Como…

De um grande jornal, sobre o problema da estiagem em São Paulo:

** “Nível do Sistema Cantareira volta a cair. É o pior em 84 anos”.

Seria uma informação impecável se as obras do Sistema Cantareira não tivessem sido iniciadas em 1960 – há 54 anos, portanto – e inauguradas uns seis anos depois.

 

…é…

De um portal de internet destinado preferencialmente ao pessoal da área de Comunicação:

** “(Fulano), que é formado em jornalista desde 1990”

Já quem faz Politécnica deve ser “formado em engenheiro”.

 

…mesmo?

De um importante jornal impresso, referindo-se à condenação do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi à pena alternativa de prestação de serviços:

** “Ele já havia perdido seu acento no Senado”

É por isso que esta coluna chamou-o de Silvio, não de Sílvio.

 

Frases

>> Do jornalista Cláudio Humberto, sobre o depoimento no Senado da presidente da Petrobras, Graça Foster, a respeito da compra da Refinaria de Pasadena: “A cirurgia foi um sucesso, mas o paciente morreu.”

>> Do jornalista e apresentador Gilberto Ribeiro: “Eu passo 99% do tempo tentando entender o 1%.”

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “O paradoxo do repórter: quanto mais você se aprofunda, mais alto você voa.”

>> Do secretário municipal da Saúde de São Paulo, José de Filippi: “Dengue está vindo de Campinas para a capital.”

Então não há risco de chegar. A dengue vai parar no trânsito.

 

E eu com isso?

Não, não se iluda, não pense que nesta seção as informações, por fúteis que pareçam, sejam de segunda classe. O noticiário que sai aqui é tão importante quanto o publicado em outras seções dos meios de comunicação – com a vantagem de que é sincero, assumidamente descartável. Aqui a gente se diverte em vez de ficar chateado.

** “Naya Rivera e Lea Michele teriam brigado feio”

** “Anthero Montenegro pensou em desistir da carreira”

** “Homens que são pais aos 26 podem ter depressão”

** “Vera Viel adere à franja”

** “William diz que pareço uma banana, brinca Kate”

** “Alessandra Ambrosio passeia por Los Angeles de chapéu na cabeça”

** “Fiorella Mattheis mostra seu passeio de mototáxi”

** “Mr. Catra embarca no aeroporto de Santos Dumont”

** “Sem maquiagem, Sharon Stone toma sorvete com uma amiga”

** “Mirella Santos e Ceará prestigiam aniversário de amigo”

** “Muito fofo! Príncipe George ganha bichinho de pelúcia”

** “Carolina Bianchi se diverte na praia da Barra da Tijuca”

** “Anne Hathaway passeia por Los Angeles”

** “Glória Maria passeia tranquilamente pelas ruas do Rio”

 

O grande título

A variedade é ampla e reúne não apenas os diversos tipos possíveis de títulos, mas também alguns que são o retrato do país. Por exemplo:

** “Suspeito é morto ao anunciar roubo a ônibus que já levava 2 assaltantes”

O mercado está saturado. O pessoal está assaltando gente que já estava sendo assaltada.

Em alguns casos, a obviedade campeia:

“Geisy Arruda sobre ter engordado: ‘Sempre existe risco de uma gravidez’”

Há um bom exemplo de excentricidades:

“Noiva de Cristiano Ronaldo publica foto com porcos”

E o grande título:

“Entretenimento – Gabriel García Márquez morre aos 87 anos”

Que será que pensam a respeito de “entretenimento”?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados