Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Os bastidores das queixas dos leitores

Jackie McCaffrey, leitora do Times, parecia frustrada. “Nunca consegui ter uma ideia do que é o fundamental de seu trabalho no Times”, disse-me num e-mail. Ela escrevera com queixas sobre artigos que lera no jornal, mas recebera apenas uma resposta padronizada. Nunca respondi pessoalmente, ou escrevi uma coluna ou um post no blog sobre suas preocupações.

Assim mesmo, ela tentava de novo, mandando críticas a uma frase num artigo sobre fraude na imigração em Chinatown. “No bairro de Flushing e em outros enclaves chineses, muitas igrejas dão comprovantes de assiduidade para ajudar os paroquianos a provar sua fé cristã aos funcionários dos centros de refugiados. A comunidade chinesa acredita, em grande parte, que os bancos das igrejas estão tão repletos de não-crentes quanto de verdadeiros crentes.” Ela destacou as palavras em itálico para ressaltar que nem todos os não-cristãos são não-crentes. “Uma porcaria completamente preconceituosa”, escreveu.

Nesse caso, meu assessor Jonah Bromwich encaminhou a carta dela para a editoria de Cidade, onde a matéria fora publicada. Também respondi diretamente a ela, abordando sua queixa mais ampla.

Assuntos  de interesse

Como muitos leitores podem ter as mesmas dúvidas que Jackie McCaffrey, achei que seria útil descrever como funciona o trabalho do ombudsman. O objetivo é representar as preocupações dos leitores e ajudá-los a se prevenir contra problemas de integridade jornalística. Às vezes, essa representação assume a forma de uma conversa interna, no Times; outras vezes é publicamente divulgada, nas colunas ou em posts no blog.

Porém, devido ao volume de correspondência que recebemos, é necessário algum tipo de triagem. Numa semana típica, minha editoria recebe mil e-mails, e às vezes mais. Consequentemente, muitos leitores me encaminham questões válidas que acabam não indo para uma coluna ou para o blog. Isso, no entanto, não significa que tenham sido ignoradas.

Em alguns casos, Jonah Bromwich e eu respondemos diretamente, em geral proporcionando uma informação ou uma opinião, ou dizendo que entramos em contato com jornalistas do Times para indagar sobre um assunto ou para encaminhar a preocupação. Quando uma reclamação é muito séria, ou vem de vários leitores, pode chegar a uma massa crítica e tornar-se assunto de um post no blog ou de uma coluna.

Uma reclamação recorrente é a que vem de quem leu alguma coisa no Times e pensa ter visto sintomas de plágio. Nesses casos – e porque vai ao mais fundo de minha missão como ombudsman, que é a integridade jornalística –, em geral eu respondo diretamente, às vezes dizendo que investiguei a queixa e relatando o que achei e, às vezes, para dizer que, após uma avaliação inicial, pretendo discutir a questão com o editor de padrões de ética do Times, Philip B. Corbett. Durante o meu mandato, não tive a experiência de tratar com algo que fosse plágio; ocorreram casos em que o Times teria feito muito melhor se tivesse dado créditoa outras organizações jornalísticas.

Quando escolho os assuntos sobre os quais vou escrever, procuro aqueles que têm importância ou são de amplo interesse. É por esse motivo que escrevi com tamanha frequência sobre a cobertura das reportagens de segurança nacional, mudanças climáticase desigualdade de renda, assim como o uso incorreto de citações anônimase os esforçosdo Times para continuar sendo viável como empreendimento.

Alguns assuntos ganham tanta atenção em outros lugares que me sinto obrigada a abordá-los. A cobertura do Oriente Médio, um artigo de Vladimir V. Putin publicado na editoria de Opiniãoe a divulgação das acusações de abuso sexualpor Dylan Farrow encontram-se nessa categoria.

Nem todas as reclamações encontram solução

Mas a ampla maioria das reclamações é tratada nos bastidores. Vejamos um pequeno exemplo. Um leitor chamado Bruce Rider escreveu perguntando sobre um videoclipeem que o senador John McCain e o secretário de Estado John Kerry apareciam discutindo a política externa norte-americana em conversa direta. Rider destacou que o clipe “foi apresentado como uma sequência contínua”, embora as duas declarações fossem “sobre dois assuntos diferentes e distantes no tempo”. O departamento de vídeo do Times respondeu rapidamente depois de eu ter encaminhado a reclamação. Tornou a transição entre as declarações dos dois homens mais clara e acrescentou uma nota de correção.

Um leitor, J. Mark Brinkmoeller, chamou minha atenção para uma exposição de fotosno Times Magazine chamada “Retratos de Reconciliação” e destacou a existência de um outro ensaio de fotoschamado “Vozes de Reconciliação” (ambos os casos sobre Ruanda). Examinei os dois. Os projetos eram bastante diferentes e não vi motivos para preocupações sérias. Porém, compartilhei o e-mail com Philip Corbett para uma segunda avaliação. Depois de ouvir do editor e do fotógrafo como o ensaio fora elaborado, ficamos satisfeitos de que o Times não tivesse tomado a ideia emprestada.

Vários leitores escreveram-me sobre a nova maneira pela qual vem sendo organizado o Times digital. Alguns deles reclamam de um serviço de “bonificação” que cobraria um extra, além da atual assinatura. Resumi os comentários, citando diretamente os leitores, num e-mail para um editor e executivo do setor comercial. Também passei muitos comentários sobre o recente visualdo website aos responsáveis pela reforma.

Muitos leitores ficaram chocados com uma cartana seção de resenhas literárias do Times, parte da qual dizia que “os árabes palestinos confessaram que seu objetivo é matar todos os judeus”. Esses leitores, em particular Ira Glunts, pediam uma desculpa. Enviei algumas das reclamações para Pamela Paul, editora do suplemento. Ela disse-me que não considerava necessária uma desculpa porque a carta “refletia com precisão a tendência” de muitas das respostas; acrescentou que poderia ter sido uma boa ideia inserir uma modificação por ocasião do processo de edição, como “muitos” ou “alguns” antes de “árabes palestinos”. (Em minha opinião, isso deveria ter sido feito.) Pamela Paul convidou Ira Glunts a escrever uma carta para ser publicada na Book Review. Ele não o fez e continua a exigir uma desculpa.

Nem todas as reclamações podem encontrar uma solução, como mostra o último exemplo. Mas espero que os leitores vejam que levo muito a sério suas preocupações – porque levo.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times