Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘A TV não faz mal para as crianças’

As contribuições para o entendimento da mídia sob a ótica econômica deram a Matthew Gentzkow, professor da Universidade de Chicago (EUA), lugar de destaque no rol de grandes pensadores americanos. Entre suas obras está um estudo que comprova estatisticamente os benefícios da televisão para o desenvolvimento infantil, o que contradiz grande parte das pesquisas na área. Na semana passada, ele foi agraciado com a medalha John Bates Clark, concedida pela Associação Americana de Economia, que o coloca, aos 38 anos, entre vencedores do Prêmio Nobel como Paul Samuelson e Milton Friedman.

Você relaciona o início das transmissões televisivas, na década de 1940, com o aumento das notas escolares. É possível afirmar que a TV faz bem para as crianças?

Matthew Gentzkow – A forma mais correta seria dizer que, ao contrário do que dizem pesquisas realizadas nas últimas décadas, a TV não faz mal às crianças. E mais, o estudo aponta indícios de que a televisão pode ter efeitos benéficos no desenvolvimento infantil, especialmente para os que vivem em ambientes desfavoráveis. Se você olhar para filhos de mães com baixo nível de escolaridade, de minorias étnicas ou de famílias que não têm o inglês como língua nativa, os benefícios são bastante significativos.

Estaria a televisão substituindo ou reforçando a educação de casa?

M.G. – Exatamente. A mensagem que tiramos do estudo é que você não pode refletir sobre a televisão sem se preocupar com o que ela está substituindo. Em famílias que não têm o inglês como língua nativa, por exemplo, a TV expõe a criança ao idioma de modo único.

Mas é comum vermos estudos dizendo que a TV é ruim para as crianças.

M.G. – Muitos dos críticos à exposição das crianças aos programas são altamente educados. Para eles, a escolha talvez seja entre ver TV ou ir ao museu, ler livros, resolver problemas matemáticos. Pais com alto grau de instrução têm meios para fornecer atividades culturalmente ricas.

Como a pesquisa foi elaborada? E quais os principais resultados?

M.G. – Para medir a exposição das crianças à TV, adotamos o início das transmissões no país. Por exemplo, uma criança nascida em 1947 em Denver teve acesso à televisão aos cinco anos, mas em Seattle as transmissões começaram em 1948. Depois cruzamos esses dados com resultados escolares de 300 mil alunos para verificar o impacto da televisão no desenvolvimento. O que percebemos é que os que tiveram mais tempo de vivência com a TV tiveram notas significativamente melhores.

Mas os resultados ainda são válidos?

M.G. – Eu acredito que os efeitos não mudaram tanto. Temos que ter cuidado ao trazer os resultados para os dias atuais, porque o conteúdo mudou, as alternativas à TV se multiplicaram. Mas eu suspeito que eles ainda sejam válidos, principalmente para as crianças que vivem em condições desfavoráveis. E, com o aumento da qualidade dos programas educativos, os benefícios podem ser ainda mais contundentes.

Em outro estudo, você descobriu que, ao contrário do que se acredita, os donos dos jornais americanos têm pouca influência na inclinação ideológica dos veículos. Quem manda são os leitores.

M.G. – A pesquisa tem duas partes. A primeira foi para medir as inclinações ideológicas de centenas de jornais americanos pela análise dos textos publicados. A segunda era para entender por que alguns jornais são mais conservadores do que outros. Pensamos em duas hipóteses: uma é que o jornal é um produto qualquer, como um sorvete; já a outra é que o mercado de mídia é muito diferente, não guiado por motivações econômicas, mas por preferências políticas. O que encontramos é que os jornais escolhem o conteúdo da mesma forma que os fabricantes de sorvetes decidem os sabores. O modelo econômico tradicional explica muito do que lemos diariamente, e não vemos evidências de que os controladores tenham influência direta no conteúdo.

Pela sua obra, é possível perceber seu gosto por temas controversos. Existe essa preferência?

M.G. – Não diria que são controversos. Eu apenas uso os dados para analisar o que acontece no mundo real. Eu tenho interesse particular em estudar assuntos sobre os quais, eu suspeito, as pessoas dizem coisas incorretas. No caso do impacto da TV nas crianças, não imaginava os resultados. Fiquei surpreso.

O que representa para você ser incluído entre os maiores economistas americanos?

M.G. – É uma grande honra, sobretudo por vir de colegas de profissão. Agora tenho de trabalhar ainda mais.

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Sérgio Matsuura, do Globo