Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novas regras da FCC prejudicam neutralidade da rede

Três meses após a justiça americana derrubar, pela segunda vez, a tentativa da Comissão Federal de Comunicações (FCC) de estabelecer regras para a garantia de uma internet livre e aberta, a agência parece ter desistido de lutar pelo princípio de neutralidade da rede.

Segundo este princípio, todo conteúdo que trafega pela internet deve ser tratado da mesma maneira pelas empresas de telecomunicações, sem distinção de velocidade em sua distribuição. Teoricamente, tal princípio garantiria o livre fluxo de qualquer tipo de informação, permitindo assim o acesso democrático e igualitário a todos, sem quaisquer interferências no tráfego online.

Os EUA tentam aprovar regras relacionadas à questão há pelo menos uma década. Em janeiro, um tribunal rejeitou as regras de neutralidade em um processo aberto pela Verizon, empresa que fornece serviços de telefonia, televisão e banda larga. A Verizon, assim como os outros provedores de internet, quer ficar livre para fazer acordos comerciais com empresas de conteúdo – garantindo que vídeos e outros tipos de conteúdo online destas empresas cheguem mais rápido aos clientes.

Até o início do ano, a FCC lutava contra esta prática. Mas, depois de duas derrotas, a Comissão afirmou na semana passada que pretende propor novas regras que permitiriam que companhias como Disney, Google e Netflix possam pagar aos provedores pelo direito a “vias expressas” no tráfego online. O problema é que as mudanças propostas pela agência afetam justamente a neutralidade da rede.

Tratamento especial

Atualmente, tal como no Brasil, os consumidores domésticos e empresariais podem pagar aos prestadores de serviço por uma conexão de internet de maior velocidade, seguindo a velha lógica: quanto maior a velocidade contratada, mais se paga. Com a mudança nas regras, o consumidor poderia obter alguns tipos de conteúdo mais rapidamente – dependendo do seu provedor – independentemente da velocidade do plano escolhido.

Tom Wheeler, presidente da FCC, defendeu as novas normas propostas e negou quaisquer especulações de que a agência esteja tentando destruir as regras para uma internet livre. Mesmo assim, a nova regulamentação pode mudar radicalmente a forma como o conteúdo online é entregue aos consumidores.

Grupos de defesa dos consumidores atacaram a proposta imediatamente, dizendo que não apenas os custos repassados aos clientes aumentariam, como também empresas grandes e com capital para pagar pelas taxas extras seriam favorecidas em detrimento das pequenas startups com modelos de negócio inovadores – fator que poderia, por exemplo, sufocar o nascimento do próximo Facebook ou Twitter.

Se uma empresa de jogos não tem condições de pagar pela conexão mais rápida para os jogadores, por exemplo, isso poderia acarretar em desinteresse por parte dos clientes e, por sua vez, no fracasso do produto.

“Se isso for para frente, irá representar a pior das decisões do nosso governo”, disse Todd O’Boyle, diretor da Media and Democracy Reform Initiative, da ONG Common Cause. “Nos prometeram uma internet baseada no princípio da neutralidade, e merecemos uma internet livre de ‘vias expressas’ e de censura, seja ela corporativa ou governamental.”

Padrão comercialmente razoável

Wheeler rejeita as críticas e diz que a Comissão não permitirá nas regras aspectos que prejudiquem os consumidores ou a livre concorrência. A proposta prevê algumas limitações para evitar a concorrência desleal. No caso, os provedores de banda larga seriam obrigados a divulgar o modo como tratam seu tráfego de internet, bem como as condições nas quais ofereceriam estas conexões mais rápidas. Também seria obrigatório que agissem de forma “comercialmente razoável” e que listassem as empresas parceiras fornecedoras de conteúdo que estivessem sendo diretamente beneficiadas.

Michael Weinberg, vice-presidente do grupo de defesa do consumidor Public Knowledge, alega não existir tal possibilidade, e diz que a essência da “razoabilidade comercial” é a discriminação. “Bem como a essência da neutralidade da rede é a não discriminação”, frisa ele. Os opositores reiteram que a proposta está cheia de lacunas, justamente na tentativa de impor o padrão “comercialmente razoável”.

A FCC, no entanto, parece confiante em relação às novas diretrizes. As regras elaboradas por Wheeler e sua equipe foram distribuídas a outros quatro comissários da agência na última semana e serão levadas a público em 15 de maio. É provável que sejam submetidas a votação até o final do ano.