Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Texto final coloca neutralidade como nota de rodapé

O texto final do NetMundial, batizado de “Multistakeholder Statement of São Paulo” foi apresentado na noite de quinta-feira (24/4), sem muitas alterações em relação à versão pré-evento. As mudanças mais significativas foram a inclusão da neutralidade como uma espécie de nota de rodapé para ser discutida em futuros fóruns e a reformulação da redação do parágrafo 2 do item 3 (antigo parágrafo 35), que tratava de vigilância em massa.

“Pode não ser um documento perfeito, mas é o resultado de um processo de baixo para cima que agrega contribuições de múltiplos setores dos quatro cantos do mundo”, afirmou o presidente do Comitê Executivo do NetMundial, Virgílio Almeida. Ele reconheceu, entretanto, que o item que falava em neutralidade não foi satisfatório. O tópico foi abordado de forma indireta no princípio “Espaço não-fragmentado e unificado”, que determina que “a Internet deveria continuar a ser a ‘rede-das-redes’ coerentemente global, interconectada, estável, desfragmentada, flexível e acessível, baseada em um conjunto de identificadores únicos e que permite informações/pacotes a ter fluxo livre fim-a-fim independente do conteúdo legal”. Ao final, há apenas uma única menção – sem definição ou especificidade – de que o tema “neutralidade de rede” seja debatido em futuros fóruns após o NetMundial.

Isso gerou descontentamento. O secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Maximiliano Martinhão, reconheceu que houve tensão no começo da reunião do Comitê Executivo Multissetorial de Alto Nível (HLMC). O ministro Paulo Bernardo teria dado um ultimato para a inclusão da neutralidade de rede, criando-se um mal estar entre os membros. Nos corredores do hotel no qual aconteceu o evento, comentou-se que o embate criou atritos (maiores) entre Virgílio Almeida e o ministro Bernardo. A Almeida teria sobrado o papel de reconciliar os membros e baixar o tom para incluir o termo na redação final, ainda que de forma tímida.

Uma fonte relatou a este noticiário que o documento ficou muito próximo de voltar à estaca zero, com a eliminação por completo do termo. “Estava muito no tudo ou nada, e isso iria levar a um racha”, disse. Membro do HLMC, a fonte se disse satisfeita com o resultado final, “principalmente considerando o tempo apertado”, e até melhor do que os rascunhos anteriores. Tanto Bernardo quanto Almeida afirmam que o setor privado (especialmente operadoras), Estados Unidos e Comissão Europeia (com reforço da França) foram os maiores opositores à neutralidade. Por outro lado, para as operadoras ficou uma frase importante no documento, na parte que trata dos princípios para a viabilização de um ambiente sustentável para a inovação e criatividade. O documento diz explicitamente que o “empreendimento e o investimento em infraestrutura são componentes essenciais para um ambiente viabilizador”.

Espionagem

Outro ponto polêmico foi o da Vigilância em Massa. Demi Getschko, do NIC.br, afirmou que foi reformulado o parágrafo 35, fruto da imensa maioria de críticas durante as contribuições desta manhã. No documento final, ficou confinado em um parágrafo resumido que diz que a prática “sabota a confiança na Internet e no ecossistema de governança de Internet”. Mas o texto reconhece que a coleta de dados “deveria ser conduzida em acordo com a Lei de Direitos Humanos”, empurrando mais discussão para fóruns como Conselho de Direitos Humanos e Fórum de Governança da Internet (IGF).

A redação final apresentada pré-evento dava validade à prática de monitoramento, e isso levou a muitos setores – especialmente da sociedade civil – afirmarem que a bisbilhotagem é uma “ofensa” aos direitos humanos. “Por definição, vigilância em massa não é consistente com os direitos humanos e valores democráticos”, declarou mais cedo o representante do governo da Polônia. A mesma posição foi dada pelo Canadá. Um representante da sociedade civil foi mais enfático: “A constituição de vigilância em massa, especificamente da Suécia, Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália e outros países, está interferindo seriamente na forma como as pessoas expressam seu direito a usar o software em anonimato”, disse. “Em países como China e Síria, vemos as mesmas coisas (sendo consideradas) como censura ativa”, compara. “Para os negócios, é ruim porque quando a NSA pode ver os registros dos clientes, eu não posso mais garantir a integridade financeira das transações”, disse um representante do setor privado.

Mais alterações

A surpresa foi a inclusão da menção à proteção aos direitos autorais no princípio de liberdade e acesso à informação, que diz que “todo o mundo deveria ter direito ao acesso, compartilhamento, criação e distribuição da informação na Internet, consistente com os direitos autorais e de criadores como estabelecido em lei”. Essa adição veio de uma única contribuição mais contundente realizada por um representante da Motion Pictures Association na quarta-feira, com lobby forte da industria audiovisual norte-americana. A justificativa para a inclusão, segundo Martinhão, do Minicom, é que a Declaração de Direitos Humanos já incluía o assunto, então se justificaria mencionar o tópico.

O fortalecimento do IGF (Internet Governance Forum) com recomendações de melhorias feitas em grupo de trabalho da Nações Unidas é agora sugerido no roadmap, para tais melhorias “serem implantadas até o final de 2015”, bem como a extensão do mandato de cinco anos e da garantia de financiamento estável e previsível ao fórum.

ICANN e IANA

A transição das funções da Internet Assigned Names Authority (IANA) foram abordadas como a cartilha norte-americana: exigência de modelo multissetorial, prevendo completar a transição até setembro de 2015, quando termina o contrato com o Departamento de Comércio dos EUA. A redação manteve o tom genérico. “A transição deveria ser conduzida de maneira cautelosa, com foco em manter a segurança e estabilidade da Internet, promovendo o princípio de participação igualitária entre todos os grupos stakeholders”.

O texto diz que espera que a globalização da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) leve a uma “organização realmente internacional e global, servindo ao interesse público com mecanismos de transparência e imputabilidade verificável claramente implantadas que satisfaçam os requerimentos tanto dos setores internos quanto da comunidade global”. Ou seja: nas regras dos Estados Unidos.

>> Veja a íntegra do texto final da NETMundial.

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Bruno do Amaral, do Tela Viva