Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Do ridículo à irresponsabilidade

A revista Veja é uma das publicações mais importantes do país, mas o destino que tem seguido – ou que sempre seguiu – a transformou num objeto de crítica política e ideológica, desperta uma ojeriza de classe, desclassifica o poder de julgamento da população, antes o avilta. Capas após capas, o intuito é sempre o mesmo: condenar antes da justiça e colocar os adversários em seu devido lugar. Mas uma revista não tem adversários? De fato. Uma revista não tem adversários, mas é importante pensar que o veículo de comunicação serve a interesses nem sempre coletivos ou plenamente institucionais, baseados na ética profissional. Veja é resultado forjado duma disputa polarizada pelos partidos de direita, hoje oposicionistas de um governo de ideologia esquerdista e pelo poder estabelecido representado essencialmente na imagem do Partido dos Trabalhadores.

A análise do discurso, a teoria dos signos, a semiologia, a semiótica e tantos outros ramos teóricos que envolvem a essência da comunicação são pratos cheios quando o assunto são as capas da revista Veja. E mesmo o mais inculto brasileiro, desprovido do contato com estas teorias, seria capaz de compreender o que as capas querem dizer, mesmo sem dizer. Leituras de mensagens subliminares – e muitas vezes mensagens explícitas e quase vexatórias – transformam a página primeira da publicação numa arma que coage. Ao mesmo tempo, por suas capas, a revista tem sido ridicularizada nas redes sociais, posta em xeque, colocada diante de críticas nada construtivas.

De repente o Brasil descobre, através de Veja, um juiz que é antes de tudo algoz de corruptores. Um homem humilde, nascido duma família simples e que agora, investido duma toga e capa negra, super-herói da vida real, fará descer sobre a política um manto de honestidade nunca antes visto. “O menino pobre que mudou o Brasil” foi a matéria especial da revista em 10 de outubro de 2012. Joaquim Barbosa adquiriria espaço permanente no imaginário dos editores e nas fotos de capas onde sua investidura estava sempre representada como a de um herói. Em abril de 1989, o Brasil foi apresentado a Fernando Collor de Mello, um “caçador de marajás”, aposta num político jovem, promissor, filho natural duma tradicional família alagoana. Até hoje a Veja apresenta ao país personagens e histórias em sua capa que se não marcam pela negatividade podem ser reflexos duma publicação tendenciosa.

É inegável que os meios de comunicação, por serem instituições construídas e idealizadas por alguém que a elas dará um percentual de semelhança às suas posições e ideias, tenham um firme propósito de obedecer a uma ideologia pessoal, mesmo ferindo sua dignidade e missão. Muito provavelmente em nome duma outra missão a revista Veja tenha esquecido de suas verdadeiras atribuições. Resiste à argumentação de que tem ferido alguns códigos de respeito ao jornalismo e ao leitor, principal interessado nesta história. Tem sido mais interessante aos editores achincalhar os governantes, tirar da política a discussão e levá-la a outros espaços que não o do debate. Com um jornalismo que beira a irresponsabilidade e a piada, Veja perdeu o senso de seriedade, de confiabilidade, da credibilidade que um dia provavelmente teve.

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Mailson Ramos é escritor, Salvador, BA