Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O medo inconsciente do voto facultativo

Neste domingo (11/05), a Folha de S.Paulo publicou matéria sobre dados da pesquisa Datafolha dos dias 7 e 8 que diziam respeito ao “voto obrigatório”. Não quero me ater a questões metodológicas, mas somente conversar um pouco sobre os resultados mostrados.

A rejeição ao voto obrigatório já atinge 61% do eleitorado brasileiro. E mais: 57% deixariam de votar nestas eleições se pudessem. Na realidade, metade desse percentual já faz isso independente da obrigatoriedade do voto o que, na prática, não torna tão escandaloso esse resultado da pesquisa. O fato é que estes 61% são o maior índice detectado pela pesquisa que já é feita desde 1989, ou seja, quanto mais avançamos na “democratização”, menos queremos votar! Parece algo contraditório não é? Meio esquisito! Irracional talvez! Mas não é bem assim.

O que pode explicar essa rejeição de 61%? Uma conjuntura crítica na economia que faz vir de volta o medo da inflação e do desemprego? Uma democratização “capenga” e incapaz de fortalecer as instituições políticas? Um modelo presidencialista de coalizão sustentado no personalismo de quem é eleito e no fisiologismo das negociações entre o Executivo e o Legislativo? Um sistema de votação proporcional que só aprofunda e alarga a relação entre o eleitor e seu representante? Uma descarada sucessão de escândalos políticos e financeiros que levam o cidadão a torcer o bico para a política? A incapacidade dos governos em construírem um sistema de respostas eficientes com os impostos arrecadados? O discurso “cínico” da ética da malandragem que instaura a ordem dos “espertos” e do “jeitinho”?

Talvez algo de cada isso contribua para a pouca vontade de votar. De qualquer forma, o que soa irracional para muitos políticos e muitos analistas políticos é que o eleitor queira dar uma “banana” para o voto. Mas, convenhamos, o que a política oferece ao eleitor?

“A sociedade não está preparada”

Esse dado de 61% questiona abertamente aquela tradicional tese de que “a sociedade não está preparada para o voto facultativo”. Como assim? O que é preciso para “estar preparada”? Acredito que é puro paternalismo achar que é com o “voto” que se aprende a ser “cidadão”. Para alguns setores, o voto não é a única forma de se lidar com um representante. Então, o que pode explicar o receio de muitos políticos contra o voto facultativo?

Nossa herança coronelista do voto de cabresto (rural e urbano) é muito forte, ainda está presente em muitos lugares e acaba reforçando aquele “medo inconsciente” de se “perder o controle” sobre o voto do eleitor, ou seja, no fundo, tem-se um “medo” de uma sociedade mais “adulta” em termos de participação política. É mais fácil apostar na eleição como um “espetáculo” de civismo distorcido (com debates rasos e predomínio de imagens maquiadas) que encarar a política numa situação de proximidade com o eleitor.

O eleitor quer “virar as costas”

É assim que, para muitos, o voto facultativo diminui a “qualidade” de uma democracia, mas tenho muitas dúvidas. Primeiro, porque depois de eleito, o representante político “representa” a sociedade, e não “quem o elegeu”. Segundo, porque para alguns setores sociais existem muitas outras formas de participação política.

A própria pesquisa mostra que quanto maior a escolaridade e a renda menor a vontade de votar. Ora, muitos políticos e analistas nutrem a ilusão de que a “política” resolve tudo em nossa vida. Não é bem assim. Na verdade, em nossa vida privada nos acostumamos a sobreviver sem o auxílio dos governos e do Estado (até pela incompetência deste em áreas sociais).

Então, o “mercado” nos cria “alternativas” de vida para além da política. É cruel constatar isso? Pode ser, mas é realista! Claro que o mercado não resolve tudo (nem a política resolve), mas talvez isso ajude a explicar porque quanto maior a renda e a escolaridade, menos se quer o voto obrigatório. Como manter o desejo de “votar” se temos um sistema político tão perverso com o eleitor?

Para finalizar, jamais me sentiria À vontade para fazer a defesa do ato de não votar, até porque eu voto e votaria em todas as eleições. Mas, tenho que dizer que sou absolutamente contra o voto obrigatório. Prefiro o fim do voto obrigatório e a adoção do voto distrital. Aí sim, podemos ter a chance de tentar uma maior qualidade de participação na vida política e diminuir essa não vontade de participar. Do jeito que está, o fosso entre o eleitor e seu representante é muito profundo e largo, e vão se estranhar ainda por um bom tempo. É só a “festa” da eleição passar!

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José Henrique P. e Silva é psicanalista e cientista político