A Lei 12.965/2014 afasta a responsabilidade civil dos provedores de internet por conteúdo gerado por terceiro num primeiro momento, salvo exceções, como a publicação sem autorização de imagens de nudez e de atos sexuais privados.
A internet deixou de ser “terra” de ninguém? A internet já tem lei específica no Brasil? A lei especial sobre a internet é constitucional? São indagações para respostas em monografias, dissertações e teses, sendo o alicerce a construção jurisprudencial anterior e posterior à vigência do chamado “Marco Civil da Internet”, ou, ainda, a “Constituição da Internet”, na língua do povo, nomes de batismo da Lei 12.965/2014, sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 23 de abril de 2014, a vigorar a partir de 24 de junho de 2014.
O tema é bastante atraente e interessante, pois o direito sobre as ondas da internet é a bola da vez. Todavia, a nova lei não está conectada à Constituição Federal, um alerta mais franco a internautas: fora do juridiquês – uso de termos jurídicos. Inconstitucional, desnecessária, retrocessa e ilusória. Em síntese, poderia se traduzir com quatro palavras o conteúdo da nova legislação, à luz das palestras sobre o “Marco Civil da Internet” no dia 7 de maio de 2014, evento da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB/PR), com os juristas Renato Opice Blum, Rodrigo Xavier Leonardo e Luiz Edson Fachin. Com temperos diferentes, Blum, Leonardo e Fachin destrincharam questões técnicas, afetas à liberdade de expressão e à responsabilidade civil, respectivamente.
Ponto preocupante
A primeira impressão que fica é que a lei não está adequada a direitos fundamentais esculpidos do preâmbulo ao artigo 5º da Constituição Federal (CF), e ao capítulo da Comunicação Social (artigos 220 e 221), que asseguram direitos difusos, garantias e liberdades individuais, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão e a comunicação social, a privacidade, a intimidade e a responsabilidade civil pertinentes à violação de direitos personalíssimos pela prática de delitos contra a honra.
Numa viagem pelos 32 artigos da lei genérica da internet, um apelido mais apropriado, o jurista Fachin aponta cinco retrocessos, cinco promessas ilusórias e cinco pontos interessantes da lei, enquanto a expectativa do cidadão seria a regulamentação do uso da rede mundial de computadores no Brasil, com regras claras e específicas, e com punição para a prática de atos ilícitos, aliás, o que não está contido nela, pois, afinal, trata-se do “Marco Civil da Internet”.
Já se sabe que a lei da internet fere direitos fundamentais: cláusulas pétreas – inalteráveis, da liberdade de expressão à responsabilidade civil, no entanto, um ponto preocupante, inconstitucional, é seu artigo 18: “O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” e a sua relação com o anonimato na internet, proibido pela CF no artigo 5º, inciso IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
Projeto antenado com a sociedade
Assim, parece que os provedores de conexão à internet poderão continuar mantendo ativos na rede mundial de computadores blogs e sites anônimos, entre outros endereços eletrônicos de responsáveis desconhecidos, muitos com objetivos ilícitos para atingir a honra de terceiros com calúnias, injúrias e difamações, sem responsabilidade civil, exceto se não cumprirem ordem judicial específica para retirar conteúdo ofensivo da net, ou com responsabilidade civil subsidiária pela violação de intimidade com a divulgação – sem autorização – de imagens, vídeos e outros materiais com cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.
Na verdade, a lei protege os provedores inicialmente: afasta a responsabilidade civil sob o argumento de assegurar a liberdade de expressão, inclusive, no anonimato, algo vedado pela Constituição.
Por outro lado, a nova lei transfere para a Justiça a palavra final sobre a retirada da internet de material ofensivo produzido por terceiro, a “judicialização”, que pode limitar a liberdade de expressão, e pode suprir parte da lacuna aberta com a revogação da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 2009, por sua incompatibilidade com a Carta Magna.
O assunto não se esgota aqui, nem na palestra da OAB/PR sobre o tema. Assim, o melhor caminho é um upgrade (projeto para alterar a nova lei) do “Marco Civil da Internet”, antenado com a sociedade, com os anseios dos usuários e com os direitos fundamentais expressos na Constituição Federal.
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João Natal Wolff Bertotti é advogado, com especializações em Ciência Política e Direito e Processo Previdenciário, e jornalista