Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Relatório do ‘NYT’ expõe falhas na transição para o digital

Um relatório interno de 96 páginas do New York Times, enviado aos principais executivos do jornal em abril por uma comissão liderada pelo editor Arthur Gregg Sulzberger, chegou ao conhecimento do público na semana passada. O relatório pinta um retrato sombrio de uma redação que vem lutando mais dramaticamente do que o perceptível para se adequar ao mundo digital, fato dificultado principalmente pela própria cultura estratificada do diário.

A comissão – que levou seis meses para formar as conclusões do memorando – é formada por Adam Bryant, Charles Duhigg, Adam Ellick, Elena Gianni, Amy O’Leary, Andrew Phelps, Louise Story, Ben Peskoe e Jonathan Galinsky – além do próprio Arthur Gregg Sulzberger, que é filho do publisher do Times, Arthur Ochs Sulzberger Jr.

Segundo Eileen Murphy, porta-voz do jornal, o relatório se destina à gestão da redação, com uma avaliação sincera da transformação digital do Times. É, de acordo com ela, um trabalho que reflete as conclusões e recomendações da comissão criadora com precisão, e a intenção é abraçar e seguir à risca todas as recomendações nele relatadas.

Alguns tópicos abordados

O relatório ignora largamente o legado da concorrência impressa e concentra-se na nova onda de empresas digitais, incluindo First Look Mídia, Vox, Huffington Post, Business Insider e BuzzFeed. “Eles estão à nossa frente, construindo sistemas de apoio impressionantes para jornalistas digitais, e essa lacuna vai crescer, a menos que melhoremos nossas capacidades rapidamente”, adverte o texto.

O documento diz que o foco obsessivo na primeira página do jornal impresso (a chamada “Page One”) é um problema: “Os jornalistas chegam a ser avaliados pela quantidade de vezes em que conseguiram colocar suas reportagens na primeira página”.

O relatório também detalha deficiências técnicas na estrutura digital: a ausência de um sistema organizado de tags para organizar os metadados das reportagens, bem como o fato de seus repórteres precisarem realizar buscar de e-mails da base de leitores manualmente.

É solicitada também uma profunda reformulação da independência da redação em relação ao restante da empresa, a fim de envolver os líderes editoriais mais profundamente nas decisões tecnológicas. Outra discrepância citada: a conta no Twitter do Times é gerida pela redação. Já a conta no Facebook é dirigida pelo departamento administrativo.

Ainda em relação a redes sociais, foi pedida a necessidade de criar planos mais extensos de promoção das grandes reportagens (e citou-se especificamente o caso bem-sucedido no qual o ator Ashton Kutcher tuitou sobre uma coluna de Nicholas Kristof, que falava sobre o tráfico sexual).

Em geral, o relatório completo carrega certo tom de alarme – há inclusive queixas abertas de que o Times tem perdido funcionários talentosos e se mostrado incapaz de recrutar novos –, com muitas críticas e sugestões; no entanto nenhuma inovação listada soa exclusiva ou inédita. Tudo já parece ter sido adotado por outros veículos. Os poucos elogios presentes se voltaram ao aplicativo NYT Nowe ao novo subsite Cooking, ambos considerados ações bem-sucedidas.

Jogada política

O jornal parece ter começado a compreender que não pode mais proteger a parte impressa em detrimento do crescimento digital. Há o reconhecimento de que os custos de manutenção de prensas, caminhões de entrega, tinta e todo o necessário para se produzir um jornal diário impresso em algum momento vão superar a receita que a empresa gera para circular suas edições, por isso a necessidade de investir em iniciativas digitais.

Além disso, parece haver um interesse político por trás de documento tão extenso, alerta o jornalista Peter Lauria em artigo no BuzzFeed. Não seria apenas uma tentativa de salvar os negócios do Times, mas uma jogada para que Sulzberger – o filho – possa ascender na redação e, possivelmente, ocupar o lugar de Baquet no futuro. “É mais que coincidência que um relatório destinado a acelerar a transição digital da instituição tenha autoria, em parte, de um Sulzberger da quinta geração, claramente ávido por impulsionar sua própria escalada na redação”, alfineta Lauria. “Tipicamente, relatórios internos como este são exercícios de futilidade, comissionados com intuito cosmético e rapidamente postos de lado antes que suas descobertas colem. Este, entretanto, aparece como o contrário disso, dando a clara impressão que irá fornecer o DNA digital que Sulzberger tentará estampar na organização quando estiver pronto para ocupar o posto que Baquet está aquecendo para ele”.

Independentemente das motivações, a pergunta que fica, diante do relatório, é: por quanto tempo a edição impressa do New York Times vai resistir no mercado?