Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Conjunção rica, adversativa pobre

Nunca na história da imprensa deste país li tanto “mas” nos textos como nos últimos meses. Se o caro leitor reparar bem, a toda afirmação segue uma negação precedida da adversativa citada. A mais recente que me vem à cabeça estava no subtítulo da manchete de primeira página de O Globo de sexta-feira (13/6), que informava a vitória do Brasil sobre a Croácia: “Uma vitória sofrida / Brasil vence Croácia por 3 a 1, com atuação elogiada de Neymar e Oscar, mas polêmica sobre pênalti inexistente”.

E assim tem sido. O que pode parecer apenas um contraditório imparcial, tão desejável e esperado na prática jornalística, pode, contudo, também parecer uma tremenda má vontade com tudo o que vem do governo do PT, sobretudo em ano de eleição presidencial. Sabemos que as coisas são se assim nos parecem. Por isso mesmo me inclino a ficar com a pulga atrás da orelha quando não paro de tropeçar na conjunção adversativa “mas” sem, entretanto, ler ou ouvir em nenhuma mídia da chamada grande imprensa a informação, mesmo que para ser questionada pelo jornalismo investigativo, do balanço feito pela Central Única dos Trabalhadores dos ganhos da Copa do Mundo no país e as perspectivas de impacto no Produto Interno Bruto.

De acordo com a CUT, o “gasto com o evento é de R$ 25,6 bilhões, enquanto o investimento federal em Educação e Saúde, desde 2010, soma R$ 825 bilhões”. No ano passado, de acordo com a central sindical, foram investidos R$ 101,9 bi em Educação e R$ 83 bi em Saúde. Em 2014, a previsão é de, respectivamente, R$ 107 bi e R$ 91,5 bi. Sobre o valor e a origem do dinheiro investidona construção e reforma de estádios, foram consumidos R$ 8 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões financiados pelo BNDES – que retornarão ao caixa do banco com pagamento de juros –, R$ 1,4 bilhão do governo do Distrito Federal e o restante oriundo de recursos privados, sem dinheiro federal para a área. Em relação a emprego, a Copa do Mundo gera 50 mil postos de trabalho na construção e 47 mil no setor turístico das cidades-sede.

A matéria informa, ainda, que 165 mil jovens e trabalhadores fizeram ou foram matriculados em cursos na área turística, e 840 catadores foramcontratados e capacitados para coletar resíduos sólidos nos estádios da Copa para reciclagem. Quanto ao acréscimo no PIB, a projeção é que o evento trará um incremento de R$ 30 bilhões. Concordo com a professora Maria da Conceição Tavares que “ninguém come PIB”. Porém, é sempre bom um dinheirinho a mais na soma dos nossos bens produzidos em comum.

Pobreza monocórdica

Não é somente no assunto Esporte que o “mas” vem sendo artilheiro, para tristeza do plantel da conjunção adversativa formado ainda por porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não obstante.Nas editorias de Economia, só tem dado “mas”. Não obstante a inflação estar dentro dos índices previstos, os articulistas e analistas mandam ver no prognóstico da perda de controle por parte do governo utilizando o “mas” até no aumento de preço sazonal, como foi o caso do tomate. No entanto, para contrariar o “mas”, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), entidade de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 1973 para apoiar o Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com destacada atuação nas áreas de pesquisa e ensino, informa que a inflação mantém trajetória de queda em abril. “O Índice de Preços ao Consumidor-Fipe registrou alta de 0,57%, abaixo dos 0,76% registrados no mesmo período do mês anterior e dos 0,63% registrados na quadrissemana passada. A queda, mais uma vez, foi impulsionada pelos grupos ‘alimentação’ (de 1,86% para 1,56% nesta semana) e ‘transportes’ (de 0,44% para 0,28%).”

Por outro lado, as expectativas dos consumidores também apresentaram queda, passando de 107,2 para 106,3 pontos (onde qualquer valor acima de 100 representa otimismo), puxados pela piora da percepção sobre a situação atual. No campo empresarial, as expectativas dos industriais se mantêm pessimistas, “mas apresentaram pequeno incremento de 0,3% em abril”. Para refresco da pobreza monocórdica implementada pela mediação jornalística, o comentário do economista Guilherme Mello, da Fundação Perseu Abramo, dispensa a adversativa reduzida ao “mas” que, além de tudo, ocupa menos espaço e tempo na escrita e na fala, e aplica uma polissemia da conjunção lembrando “o que quer, o que pode esta língua?”

Diz o economista:

“A queda na inflação ao consumidor será contínua e gradual até a metade do ano, como ocorre ciclicamente quase todo ano no Brasil. O problema, na realidade, é que ela parte de um patamar mais alto dado o choque nos preços dos alimentos, que elevaram sobremaneira os índices de março e atingirão, em menor grau, as medições de preços em abril. Sendo assim, a inflação acumulada em 12 meses deve manter seu ritmo de alta, até provavelmente ultrapassar o teto da meta estabelecida para o ano calendário de 2014 na metade do ano. A expectativa, no entanto, é que o acumulado de 12 meses volte a recuar no final de 2014, fechando o ano calendário dentro da meta estabelecida pelo governo. Já no campo das expectativas, o pessimismo que tomou conta do debate econômico continua influenciando negativamente a visão de futuro de empresários e consumidores, mas deve-se fazer uma ressalva: enquanto os empresários permanecem pessimistas, os consumidores se mantêm no campo do otimismo, mesmo que mais moderado. Isso indica que o comércio varejista continuará crescendo no futuro próximo, legando aos empresários boas oportunidades de ampliação dos investimentos. Resta saber se parte dos investidores nacionais abandonará sua campanha política/eleitoral e voltará a investir, ou se optarão por perder terreno para as empresas estrangeiras que mantêm importantes e grandiosos projetos de investimento no país.”

Adversidade é parte do jogo. Que role a bola, principalmente em tempo de Copa do Mundo. Mas algo me chama atenção na notícia “Programa humorístico crítico a Maduro é tirado do ar”, publicada na página 34 da edição de O Globo da mesma sexta-feira (13). A matéria fala de mais um ato de cerceamento à liberdade de expressão do governo bolivariano da Venezuela e informa que “pelo Twitter, o líder oposicionista Leopoldo López, preso há quatro meses, atacou o governo: ‘É mais uma mostra de que pensar diferente se tornou um crime’”. Realmente diferente essa conjunção de um preso se comunicar livremente por Twitter e o fato passar despercebido. Nesse caso, a meu ver, faltou o “mas”.

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Maria Luiza Franco Busse é jornalista e doutora em Semiologia pela UFRJ