Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A presença feminina no jornalismo esportivo

Costumo dizer que o futebol é um ambiente bastante retrógrado quando comparado ao avanço da sociedade. Outro dia foi a questão da tecnologia que adentrou nele após alguns anos de presença em torneios importantes de outros esportes. Entretanto, o ponto mais preocupante é na mentalidade arcaica de cartolas e uma série de ofensas preconceituosas que ocorrem nos estádios que acabaram sendo neutralizados com o tempo. E dentro desta mentalidade está a participação feminina.

Até aqui, neste ano, tivemos: a contratação de uma técnica para um time de futebol da segunda divisão da França, o primeiro caso nas principais ligas europeias; uma assistente de arbitragem (bandeirinha) a subir também para a League 2, enquanto que no Brasil já tivemos até árbitras apitando em torneios nacionais e temos assistentes padrões FIFA, passando pelos mesmos testes dos homens; mas também dois casos de elogiar a beleza de uma assistente para contrapor a seu trabalho em campo aqui no Brasil, com interpretações distintas para estes, com certa culpabilização simplesmente por ser mulher.

Mas trago neste texto dois marcos para o jornalismo esportivo brasileiro em Copas do Mundo Fifa, o principal torneio esportivo para o telespectador deste país. Esta é a primeira Copa em que um jogo foi transmitido no Brasil por uma narradora de futebol. Além disso, é o primeiro mundial comentado por mulheres na TV.

Ex-jogadora é comentarista

A Rádio Globo do Rio de Janeiro criou o concurso “Garota da Voz”, que elegeria dentre as suas ouvintes uma mulher que pudesse narrar uma partida da Copa do Mundo. A escolhida, Renata Silveira, chegou até a participar do programa da Fátima Bernardes, na Rede Globo. Ela transmitiu Uruguai 1 x 3 Costa Rica pela web, partida realizada no dia 14 de junho, cujos gols estão disponíveis no site da rádio.

Até onde eu sei, Renata ficará apenas nesta partida. Vejam só o “cuidado”, que representa como é vista a participação da mulher no futebol. Ela só pode narrar este jogo e ainda assim pela web, por se tratar do principal evento esportivo do mundo e evitando possível repúdio do público…

Um fato a recordar deste processo é que outras mulheres já narraram partidas de futebol, inclusive na televisão. Nos anos 1980, Claudete Troiano narrava partidas e era repórter da Rádio Mulher e foi a primeira a narrar uma partida em TV. Nos anos 1990, sob comando de Luciano do Valle, a Band criou um concurso para escolher uma narradora para os torneios de futebol feminino estimulados pela emissora, que ficou alguns anos no canal, mas sem espaço para jogos de homens.

Depois disso, até vemos apresentadoras em programas esportivos, repórteres acompanhando partidas – especialmente no último caso a se contar nos dedos, ainda mais no rádio. Como comentaristas, o espaço é mínimo, com destaque para a ex-zagueira da Seleção Juliana Cabral, que comentava partidas da equipe nacional na Band desde que estivesse lesionada e quando se aposentou e hoje é comentarista da Rádio Globo São Paulo, independente de que jogo seja.

Barreira antiga

A Copa do Mundo Fifa Brasil 2014 marca também a estreia de Renata Fan nos comentários. A apresentadora, que começou como auxiliar de Milton Neves na Record, foi conquistando espaço próprio, especialmente por mostrar que era preparada (formada em Jornalismo e é apaixonada por futebol), independente de beleza (foi Miss Brasil em 1999), sendo a primeira mulher a comandar um programa de debate esportivo no país. Ainda assim, ela teve espaço apenas no Band Sports, começando seus trabalhos em México 1 x 0 Camarões, no dia 13 de junho – e o apenas para o canal da TV fechada do Grupo Bandeirantes também é por conta da audiência ser a menor dentre os quatro detentores dos direitos de transmissão do torneio na TV fechada.

Seguindo na TV fechada, só que num caso menos comentado, o Fox Sports 2 está apresentando equipes “alternativas” para os jogos da Copa do Mundo Fifa, apostando no tom informal. Mas, além disso, há uma inovação. Os comentários de Marília Ruiz, que chegou a fazer parte de mesas redondas em alguns programas de TV, e de Ana Paula Oliveira, ex-assistente de arbitragem que já fora comentarista de arbitragem da Record. Neste caso também podemos apontar certo cuidado, pois não se trata do canal principal dos grupos, ocorrendo justamente no canal “alternativo” da Fox aqui no Brasil.

Por fim, circulou a notícia na semana que passou que a repórter Fernanda Gentil poderia ser a aposta da Globo para as narrações em 2018. Dado o seu sucesso com o público, ela poderia passar pelo processo de Alex Escobar e ser a primeira narradora de uma partida de Copa do Mundo Fifa, justamente na líder de audiência da TV aberta no Brasil. Isso também poderia ser reflexo da audiência da Globo neste mundial, cuja maioria dos telespectadores é mulher (53%). O que seria algo surpreendente, vide os movimentos de concorrentes que teriam menos a perder com possível preconceito e optaram por fazer essa “aposta” aos poucos.

Resta agora torcer para que o processo siga, já que é uma barreira antiga e que exprime vários preconceitos com as mulheres, mas que demonstra o porquê, inclusive, das jogadoras da Seleção feminina sempre terem de reclamar da falta de apoio à modalidade no país. Por mais Martas, Claudetes, Renatas, Marílias e Anas Paulas com condições de mostrar seu trabalho neste país!

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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação