Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aberta a temporada de caça

Pelo menos para os dois grupos que dominam a comunicação no Pará, a campanha eleitoral deste ano promete ser nível tão de baixo quanto a de 1990, que reeditou alguns dos piores momentos da história política do Pará. Não está em causa um projeto para o Estado ou visões ideológicas distintas. Os dois agrupamentos têm a mesma origem, na escola de caudilhismo e violência do “baratismo”, criado em torno de Magalhães Barata, e adotam métodos muito semelhantes. O que leva o Liberal e a RBA ao extremo do antijornalismo é uma combinação de fatores.

Alguns são normais, como a rivalidade editorial e a disputa pelo mercado. Outros têm um peso quase sem paralelo na imprensa nacional: o desejo de continuar a saquear (ou pilhar ainda mais) os cofres públicos e de destruir o rival, não pelo medir de forças entre suas competências, mas por golpes baixos urdidos em suas entranhas e favorecidos pela cumplicidade dos segmentos do poder público que os apoiam e têm deles a reciprocidade vil. É um espetáculo indecente e péssimo exemplo para a sociedade paraense.

O Liberal apresentou mais uma das suas armas ao publicar, na edição dominical do dia 15/6 (aquela que mais vende durante a semana, embora vendendo cada vez menos), como se fossem da ocasião, declarações feitas mais de um ano atrás pelo senador Mário Couto.

O título da matéria não é de notícia, mas de editorial – e dos ruins: “‘Jader Filho é ladrão’, acusou Couto”. É uma reação (ou uma antecipação) ao movimento do senador tucano de rompimento com o governador Simão Jatene, do PSDB, e aproximação de Jader Barbalho, do PMDB.

Balas perdidas

É profilático reacender a memória do eleitor para o que diziam os dois senadores antes que a biruta da política caprichosa incentivasse neles o repentino cultivo de uma verborragia diversa e oposta da que usavam até a véspera. Mário Couto era então porta-voz do grupo Liberal, que o incensava e estimulava seus ímpetos violentos e desarrazoados. Esses pronunciamentos selvagens, feitos diretamente ao jornal ou através da tribuna do Senado, reforçavam a má impressão que o Pará provoca no resto do país e no exterior por sua violência, primitivismo e cinismo. Não que o Brasil seja isento desses maus hábitos. É simplesmente porque no Pará eles são virais e grassam como epidemia.

A imoralidade se generalizou. Como não há causas nobres envolvidas na disputa pelo poder local, os grupos que estão na arena permitem-se todos os tipos de recursos, mesmo os mais venais e irresponsáveis. O Liberal não quer saber do que o jornal publicou ontem sobre os personagens dessa trama. Se eles saem do lado de uma das hordas, bandos ou quadrilhas, deixam de ser louváveis heróis. Passam a ser bandidos. E como tal são tratados, sem que sobre essa mudança o distinto leitor receba qualquer explicação nem a metamorfose se embase no mínimo dos fundamentos.

O procedimento do grupo RBA não discrepa do que vai se tornando (ou vai voltando a ser) o padrão Maiorana de campanha eleitoral. Há mais matérias do tipo que é assinado como “Da redação”, fenômeno já aqui apontado. Elas se multiplicam porque agora a divisão está definida e cria um fosso cada vez maior entre os antagonistas. Daí o anonimato da assinatura coletiva, atrás da qual um repórter mais (ou menos?) consciencioso pode se esconder.

Principal executivo da corporação, Jader Filho se empenhou em profissionalizar a empresa, o que asseguraria sua importância como administrador, dotado de personalidade própria (e poder pessoal). Mas novamente, e talvez de forma irremediável, cedeu e se deixou levar pelos interesses políticos e eleitorais do pai e do irmão, Helder Barbalho, candidato ao governo. Os reflexos dessa volta atrás são mais perenes nas páginas do jornal e mais chocantes nas emissoras de rádio. Os radialistas passaram a se comportar como se sua tarefa fosse irradiar rinha de briga de galo. A mínima compostura na linguagem evaporou.

Não há mais a preocupação com ideias, teses, projetos ou biografias. Foi aberta a temporada de caça ao inimigo. Acautelem-se (e)leitores: o que não vai faltar é bala perdida ameaçando a moral, os bons costumes, a ética, a civilidade, a educação – a sociedade e o cidadão, enfim.

Insatisfação em rede

Como reagir? Alguns acham que a saída é parar de comprar os jornais ou não sintonizar mais as emissoras de rádio e televisão. Não partilho essa posição: o contato com os meios de comunicação é sempre útil e até proveitoso, mesmo quando eles se tornam tão ruins, como os nossos. Diante dessa constatação, o que o cidadão pode fazer é inundá-los com mensagens de protesto. Se elas não forem acolhidas, aproveitem a internet para difundir sua insatisfação, indignação ou revolta. Crie-se uma via alternativa à imprensa convencional para que a próxima eleição não se transforme numa lama na qual só um personagem se sente bem a chafurdar: o porco.

Como a imprensa partidária, na qual os dois grupos de comunicação se transformaram, antecipou a campanha eleitoral, então que tenham o voto dos eleitores conscientes. De protesto.

 

Quem pratica a corrupção? A lição que o editorial omitiu

Depois de muito tempo no tema cansativamente monocórdio, O Liberal conseguiu, finalmente, publicar um editorial sem associá-lo à litania satânica de Jader Barbalho. Foi na edição dominical do dia 15. Sem a linguagem cheia de firulas costumeira, leve como isopor não por seus arranjos estilísticos, mas por falta de conteúdo, o editorial fez uma abordagem correta do mal que a corrupção causa ao país, infiltrando-se pela máquina pública e colocando-a a serviço do enriquecimento privado ilícito, imoral, ofensivo ao interesse coletivo.

A análise só não foi completa porque viu o mundo da porta para fora. O que tira do jornal autoridade e legitimidade para falar em nome do povo é que, se dependesse apenas da sua própria vontade, a corrupção se expandiria – para alcançar o seu caixa. O grupo Liberal é tão falso Catão quanto os corruptos que ataca e tenta exorcizar. A empresa já foi flagrada com as mãos nas arcas do erário e aprontando golpes contra o patrimônio público.

Nenhum Maiorana é ficha suja ou pode ser apedrejado por acusações de malversação de recursos públicos que dependam dos seus atos. Seus inimigos, os Barbalho, não estão fora do alcance desses ataques, muito pelo contrário. Eles são políticos. Os Maiorana, não. Mas não por falta de vontade e percepção de quanta riqueza a política pode proporcionar aos que a praticam.

Ronaldo Maiorana e Romulo Maiorana Júnior tentaram engrenar na carreira política. Não conseguiram. Com a agravante, para o Júnior, de que teve sua primeira filiação, ao PMDB, abonada por ninguém menos do que Jader Barbalho, então governador, no seu primeiro mandato. Se seus interesses tivessem sido conciliados, o que resultaria dessa união? Algo talvez pior, para a coisa pública, do que a guerra que passaram a travar.

Os políticos constituem o alvo mais explícito e fácil, que qualquer disparo atinge. Mas a corrupção não é uma praga que só grassa no âmbito da política. Ela seria muito menor se seu enredo tivesse esse circuito fechado como âmbito. Mas ela começa, termina e se imbrica no mundo dos negócios, em especial na alta finança e nas atividades empresariais de maior rentabilidade.

Encontro de contas

O editorial de O Liberal cita o espantoso dado apurado pela Federação das Indústrias de São Paulo, uma das principais fontes de poder no Brasil, de que o custo da roubalheira é de 82 bilhões de reais ao ano, o equivalente a 2,3% do Produto Interno Bruto nacional há três anos, data dessa informação. Quanto desse roubo beneficiou associados da Fiesp? O dado não existe.

Ao longo da primeira década deste século, R$ 720 bilhões foram desviados dos cofres públicos, na contabilidade da plutocracia paulista. A Controladoria Geral da União partilha o entendimento: encontrou irregularidades em 80% dos 15 mil contratos assinados pela União com Estados, municípios e organizações da sociedade civil que examinou. O desvio foi estimado em R$ 7 bilhões. Apenas R$ 500 milhões foram recuperados, ou sete décimos de centavo por R$ 100 roubados.

Por que tanta corrupção? “Por causa da fragilidade das instituições, do gigantismo do estado, da burocracia e da impunidade. Basicamente por esses fatores”, apregoa o editorial. E também porque a sociedade fecha os olhos para “as realidades deletérias” que a corrupção provoca, “como a impunidade que mantém ladrões de alto coturno livres, leves e soltos”.

Desta vez o nome do boi não foi dado, mas, depois de dezenas de editoriais martelando-o, sabe-se a quem os Maiorana querem se referir. E os responsáveis de fato pelo grupo de comunicação, eles não são abrangidos por esses princípios saneadores? Romulo e Ronaldo não fraudaram movimentações bancárias para receber dinheiro dos incentivos fiscais da Sudam, a mesma Sudam que é a munição dos seus disparos de pólvora seca contra Jader Barbalho & Cia.?

Devolveram o dinheiro, é verdade, mas só depois de descobertos e alcançados por uma denúncia do Ministério Público Federal, apresentada oito anos depois de concluída a investigação pela Receita Federal. Os valores retornaram, mas o que eles proporcionaram aos fraudadores, não. E a punição legal não foi aplicada porque o processo prescreveu, graças a manobras protelatórias dos advogados, à lentidão na denúncia e no processamento judicial.

Mesmo sem serem ordenadores de despesas públicas, os Maiorana impuseram ao Estado o inacreditável “convênio” da sua emissora de televisão com a Funtelpa. Assim, além de usarem as torres de retransmissão da fundação estadual de telecomunicações, ainda eram pagos para se servir do patrimônio público, em valor suficiente para pagar a folha de pessoal da TV Liberal ao longo de uma década.

Não é corrupção também deixar de pagar a conta de energia, não só das empresas do grupo de comunicação, mas inclusive dos domicílios particulares dos seus donos? Quanta falta esses R$ 28 milhões fizeram na trajetória da Celpa, de estatal a empresa privada? Qual o ônus dessa dívida sobre os demais consumidores? Por que a empresa, obrigada a fazer encontro de contas com permuta de publicidade compulsória e cara, não consegue fazer a cobrança a partir de agora, esquecendo o passado lesivo?

Dinheiro farto

Como é que grupos de comunicação conseguem não pagar os impostos cobrados dos cidadãos comuns, inclusive o vital IPTU? Por que não são executados?

Onde estão as instituições financeiras, que se deixam embromar por balanços toscos e fraudulentos? Como é que aceitam fazer transações com uma empresa que está sempre atrasada no cumprimento de suas obrigações de sociedade anônima? Como é que funciona ao longo de uma década com prejuízos constantes, patrimônio líquido negativo, dívidas crescentes?

Por que instituições públicas e privadas cedem à chantagem que grupos de comunicação usam para obter publicidade?

Logo, a corrupção não está apenas dentro do organismo oficial. É dele que sai o dinheiro farto, amealhado junto a milhões de cidadãos que cumprem suas obrigações e deveres. Mas é tanto para bolsos de burocratas, serventuários públicos e penduricalhos como para cofres privados que essa grana imensa é drenada. O editorial de O Liberal quer que os seus leitores olhem só para um lado, o lado que o grupo de comunicação induz para não ser visto na prática dos crimes que denuncia nos outros.

 

Qual leitor?

Parabéns a O Liberal por abrir uma página inteira aos seus leitores, tanto os que se comunicam diretamente com a redação como os que participam de suas redes sociais. Como a página tem um editor, abriga também enquetes, como a de domingo, na qual todas as pessoas ouvidas apoiaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de devolver a bancada de deputados federais do Pará ao seu número original, de 17 vagas, derrubando a mudança, para 21, justificada como atualização demográfica.

Apesar da nova página, um fato continua negativo na seção: nela não aparece qualquer crítica ou restrição ao grupo Liberal, seus donos, parentes e parceiros diretos. Afinal, a página é do leitor ou do jornal? Há liberdade de expressão ou funciona a censura interna? Sem uma atitude verdadeiramente liberal da direção do jornal, o leitor vai minguar até desaparecer. Restará apenas o áulico, no popular tratado por puxa-saco.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)