Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Torcedores de emissoras

Escrevendo de forma regular sobre televisão já há seis anos (aqui na Folha há dois), aprendi que elogiar pode causar tantos problemas quanto falar mal.

De forma semelhante ao que ocorre no futebol, há hoje, no universo de espectadores de televisão, “torcedores” de emissoras. Gente que, em vez de ver programas em diferentes canais, é fiel a um deles.

Encontro esses torcedores, com frequência, no blog que mantenho no UOL. Os mais barulhentos são os que deixam os seus aparelhos de TV sintonizados exclusivamente na Record.

Atrás deles, não menos ruidosos, vêm os “SBTistas”, devotos, como o nome já diz, de Silvio Santos. Por fim, uma terceira torcida que se manifesta com entusiasmo é formada pelos fãs da Globo.

Como torcedores de clubes, muitos desses fãs avaliam os críticos como se estivessem em um estádio: ou você é amigo ou inimigo.

Um comentário típico, não importa o programa da emissora sobre o qual escrevo, é: “Você não gosta da Record.” Ou: “Silvio Santos é mito, quem é você?” Ou ainda: “O seu sonho é trabalhar na Globo.”

Sempre vigilantes, essas três torcidas não apenas defendem seus “clubes”, como acompanham com atenção o que escrevo sobre os rivais. Por isso, se julgam habilitados para fazer comparações do tipo: “Você critica a apelação do Silvio Santos, mas a Globo já fez coisa pior e não deu essa polêmica toda”.

Se eventualmente falo bem de um determinado programa, logo aparece alguém para lembrar: “Se fosse na Record, você ia falar mal, mas como é na Globo…” Não sei bem como e quando isso aconteceu, mas ainda estranho esse fenômeno das “torcidas”. Sempre fui um consumidor de programas de televisão, não de emissoras.

Para quem assina pacote de TV paga, imagino que essa forma de encarar a televisão soe ainda mais surreal. Mas, de alguma forma, ela expressa a importância que o modelo de televisão aberta ainda tem no Brasil.

Quanto vale um elogio

Diante de um meio que oferece conteúdo de graça e se mantém com dinheiro de publicidade, o pragmatismo recomenda não levar a sério gente, como eu, que reclama do baixo nível de boa parte da programação.

Na realidade, falar em qualidade na TV aberta pode soar como elitismo ou delírio de alienígena. Daniel Furlan e Juliano Enrico, criadores de O Último Programa do Mundo, parecem ter esta compreensão.

Exibido pela finada MTV Brasil nos derradeiros meses de sua existência, em 2013, o anárquico programa fez piada da própria situação da emissora e, com sarcasmo, sugeriu que o caminho da sobrevivência passa pelo sensacionalismo, pela vulgaridade e pela pobreza de recursos.

Agora em 2014, tentando reviver o programa no YouTube, eles discutem em um vídeo a dificuldade de emplacar a atração em um canal de televisão. O personagem vivido por Daniel Furlan está em um motel, sem dinheiro para pagar a conta. “Você aceita elogios do Mauricio Stycer?”, ele pergunta, tirando um pedaço de papel do bolso. “Não. Só dinheiro ou cartão”, responde a mulher do caixa.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo