Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A nova elitização do futebol

Em seus primeiros anos no Brasil, o futebol, atualmente o esporte mais popular do país, esteve associado exclusivamente à elite econômica. Em campo, os atletas eram preferencialmente brancos (negros e mulatos que porventura se aventurassem a jogar deveriam escamotear suas características fenótipas). Já nas arquibancadas membros da high society desfilavam com seus trajes luxuosos. Em suma, o futebol era uma fonte de entretenimento de que os pobres definitivamente não poderiam participar.

Entretanto, ao contrário de outros esportes da elite, como o remo, o futebol é relativamente fácil de praticar, basta uma bola e um espaço físico. Assim, paulatinamente muitos homens de cor foram aprendendo a jogar, e, conforme salientou Gilberto Freyre, inspirados na capoeira, introduziram um novo gingado ao esporte bretão. Com o advento do profissionalismo, e a crescente necessidade de resultados positivos, os principais clubes brasileiros tiveram que aceitar futebolistas negros e mulatos. O futebol também caiu nas graças das classes populares e estes passaram a se fazer cada vez presentes nos estádios. Com a inevitável “invasão das massas”, a elite brasileira, que não suporta dividir o mesmo espaço com os pobres, aos poucos foi se afastando dos jogos.

Por outro lado, as classes dominantes observaram que a paixão dos brasileiros pelo futebol poderia ser um importante mecanismo de dominação das massas. Na ausência de um “mito fundacional” para a nação brasileira, o futebol tornou-se o principal elemento da unidade nacional. Em outros termos, o esporte bretão preencheu a lacuna que faltava para consolidar nossa identidade nacional. Ir ao estádio de futebol no final de semana talvez fosse a única alegria do sofrido trabalhador tupiniquim.

Todavia, principalmente nas últimas décadas, o futebol passou a ser um negócio altamente lucrativo. Consequentemente, era preciso afastar as classes populares dos estádios. Nessa lógica, a mídia foi responsável por uma intensa campanha de criminalização dos torcedores pobres que habitualmente frequentavam os estádios. Mantras como “torcidas organizadas são formadas apenas por marginais” ou “é preciso que as famílias voltem aos estádios” foram exaustivamente repetidos nos principais noticiários como se os indivíduos das classes populares fossem os únicos responsáveis pela violência que impera no Brasil.

Sociedade desigual

Também a construção de “arenas padrão Fifa” ensejou o aumento dos preços dos ingressos. A famosa “geral”, local destinado às pessoas com baixa renda nos estádios brasileiros, já não existe mais. Resultado: a elite econômica voltou a ser maioria nos estádios em detrimento do povo. Ganhou o sistema capitalista, perdeu o brilho do esporte.

Segundo os partidários do atual governo, essa “elite branca” foi a responsável pelas vaias dirigidas à presidenta Dilma Rousseff durante a cerimónia de abertura da 20ª edição da Copa do Mundo. Entretanto, os simpatizantes do executivo federal não souberam explicar por que somente pessoas das classes privilegiadas estavam presentes em um evento organizado durante uma gestão pública que supostamente está a serviço das causas populares. Paradoxos típicos de indivíduos que são movidos apenas por ideologias partidárias.

Em resumo, o futebol não é mais a fonte de lazer da população pobre. Transformou-se apenas em mais um palco para o desfile de celebridades. As vibrantes torcidas de outrora cederam espaço a públicos mais interessados em aparecer nas colunas e redes sociais. Se continuarmos assim, daqui a alguns anos o torcedor de futebol será similar ao público de esportes elitistas como o tênis. Diante dessa realidade, não é por acaso que vários veículos de comunicação estrangeiros estão se perguntando onde estão os negros no Brasil durante a Copa do Mundo. Infelizmente, a Casa Grande expulsou a Senzala dos estádios. Essa é a desigual e aristocrática sociedade brasileira.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG