Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mazelas, corrupção e história do esporte

Reproduzido da Folha de S.Paulo, 5/7/2014; título original “Obras sobre futebol expõem mazelas das Copas, corrupção e história do esporte”, intertítulo do OI

O futebol é uma forma especial de arte, dança e poesia a um só tempo, batalha de músculos e mentes que seduz as massas e provoca paixões avassaladoras. Também é um antro de corrupção, covil de empresários gananciosos e políticos mal-intencionados.

Talvez uma evidência disso seja a trajetória do ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, cuja vida e obra são esquadrinhadas em O Lado Sujo do Futebol, um dos bons livros que chegam às livrarias na esteira da Copa.

Baseados em documentos obtidos em investigações parlamentares, entrevistas e farta literatura, os jornalistas Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet escancaram o que chamam de “trama de propinas, negociatas e traições que abalou o esporte mais popular do mundo”.

A obra aborda a “privataria dos estádios” (o termo não é usado à toa: Ribeiro Jr. é autor do best-seller A Privataria Tucana). E afirma: “O Mundial encheu os cofres das maiores empreiteiras do país: Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS”. Também dá bases para a frase do ex-artilheiro Romário, que escreve, no prefácio: “A CBF é mesmo o câncer do futebol.”

O futebol, por sua vez, é instrumento usado pelos poderosos para impor medidas antipopulares. Os megaeventos esportivos são “modernos cavalos de Troia neoliberais para forçar a aplicação de políticas que chocariam o mais empedernido dos cínicos”.

Essa é a tese de O Brasil Dança com o Diabo, do jornalista americano Dave Zirin, veterano de coberturas de Olimpíadas e Mundiais. O autor acompanha, no Brasil, militantes de comunidades atingidas pelos despejos realizados para obras da Copa. Mostra roubalheira, corrupção, gastança, militarização e violência ocorridas em eventos anteriores, dos Jogos de Inverno de Sochi-2014 à Copa da África do Sul.

No Brasil, chega até as manifestações do ano passado. E alerta: “Nosso destino coletivo está vinculado a cada remoção, a cada câmera de vigilância e a cada crânio rachado na estrada para a Copa e para a Olimpíada.”

Títulos provocativos e linguagem mordaz

Se a frase é correta, o futuro vai dizer. O certo é que o futebol está entranhado na trajetória do país, como demonstra Futebol Nation: A Footballing History of Brazil, do britânico David Goldblatt. Na seleção de livros que chegam com a Copa, essa história futebolística do Brasil, a nação futebol, é uma das melhores – pena que ainda não tenha versão em português.

Para demonstrar o imbricamento do esporte no tecido social, vai buscar referências ao jogo na produção cultural do país. Brinda o leitor com poesias e crônicas, assim como registros jornalísticos que hoje soam como peças de humor.

As curiosidades, porém, não se sobrepõem ao olhar crítico de Goldblatt, autor de monumental história do futebol (The Ball is Round: A Global History of Football, de quase mil páginas). Registra a discriminação sexual no jogo e o racismo que ainda perdura. O relato sobre a construção do Maracanã mostra que os processos de remoção de comunidades não são de hoje.

Completando o time de obras produzidas por jornalistas, entra em campo o bem-humorado Guia Politicamente Incorreto do Futebol, de Jones Rossi e Leonardo Mendes Júnior. Não se trata de um guia nem é politicamente incorreto: essa série de pequenos ensaios, com títulos provocativos e linguagem às vezes mordaz, é baseada em entrevistas feitas pelos autores, livros e reportagens. Mostra que Friedenreich não marcou tantos gols assim, defende a tese de que a seleção brasileira de 1994 inspirou a incensada Espanha de 2010 e ainda garante: “Ricardo Teixeira salvou o futebol de clubes no Brasil.” Vale a leitura.

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Rodolfo Lucena, da Folha de S.Paulo