Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O dramalhão vira trunfo

A opinião predominante foi de que a seleção reencontrou seu jogo, ou seja, aquele estilo elogiado por todos na Copa das Confederações, o que, no entanto, acabou não sendo suficiente para evitar outra cavalar dose de sofrimento para bater os aguerridos colombianos. Tão aguerridos que deixaram uma sequela literalmente dolorosa, com a brutal joelhada de Zúñiga que tirou Neymar na Copa.

Um desfalque com nuances de drama, que ofuscou a própria classificação para as semifinais e monopolizou as manchetes na imprensa mundial, que desde a confirmação da gravidade da lesão do craque brasileiro, não faz outra coisa senão especular sobre o enorme desafio que representa enfrentar a ajustada Alemanha sem dois dos esteios do time, já que o capitão Thiago Silva também não joga, por ter levado – infantilmente, diga-se passagem – o segundo cartão amarelo.

Como em toda grande encenação que tradicionalmente acontece em Copas do Mundo, demorou, mas o componente melodramático acabou dando o ar da graça no melhor estilo shakespeariano ou rodrigueano, mestres de narrativas do gênero. Não simplesmente pelas alternâncias do jogo em si, que transcorreu sob forte tensão como os anteriores, mas pela comoção despertada pela forma como o Brasil foi alijado de seu maior talento. O golpe, digno da MMA, a fratura de uma das vértebras da coluna e a dor física e mental do xodó brasileiro passaram imediatamente a afetar todo mundo, numa reação ao mesmo tempo de repúdio e de lamentação, orquestrada pela mídia com a grandiloquência de sempre.

Soluções para evitar o sufoco

Concomitantemente, um trabalho insano de recuperação emocional e psicológica passou a ser encetado tanto por parte da comissão técnica, como pela mídia nativa, que de bom grado se aliou a esse esforço de recomposição de forças. Principalmente a televisão, como é de praxe, com sua desavexada mistura de profissionalismo, passionalismo e patriotismo piegas tão a gosto da patuleia. Tudo bem que o futebol é outro departamento, e jornalismo engajado não é exclusividade nossa, muito pelo contrário, nos países latinos é difícil apontar o mais escrachado. Mas tão intragável quanto o ufanismo delirante é a adesão incondicional ao dramalhão que se arma como recurso derradeiro para suprir carências e deficiências originadas muito mais por equívocos de planejamento do que por outra coisa.

A própria possibilidade de perder Neymar, por exemplo, deveria ter sido cogitada com mais seriedade lá atrás por nosso tarimbado e falastrão técnico, que ao invés de ficar chorando as pitangas e criticando as arbitragens, tinha a obrigação não só de buscar substitutos para as peças chaves, como treinar esquemas e variações de jogo alternativos. Mas não. Empolgado pela bela campanha na Copa das Confederações, deu-se ao luxo de praticamente fechar o grupo com um ano de antecedência, ignorando, entre outras coisas, feito um reles marinheiro de primeira viagem, que além de dar munição aos adversários, um ano é tempo pra burro no futebol.

Daí que, com as dificuldades aparecendo desde o primeiro jogo, ganho na bacia das almas graças a um pênalti inexistente que custou a não marcação de no mínimo outros três legítimos nos jogos posteriores, as necessárias modificações táticas e nominais tiveram que ser feitas de afogadilho. Depois de virtualmente salvo pelo gongo na batalha contra o Chile, viu-se o desespero do técnico para achar soluções que pudessem evitar outro sufoco contra a Colômbia. Não evitou, mas o simples resgate da disposição tática e física da Copa das Confederações bastou para que a equipe enfim demonstrasse o necessário e tão cobrado espírito competitivo.

O clima de velório

Aliás, depois de tanto cobrar e questionar até mesmo as reações, para muitos, exageradamente emotivas dos jogadores, a imprensa foi mais condescendente com a atuação da equipe contra a Colômbia, destacando, mesmo antes da lesão de Neymar, a evolução em relação às partidas anteriores. Maneirou mesmo em relação aos equívocos de Felipão nas alterações feitas no segundo tempo, quando o domínio e a pressão dos colombianos só não complicaram mais as coisas devido à excelente atuação da zaga, especialmente de David Luis, sem dúvida o grande destaque brasileiro na competição. Sinal dos tempos: famoso pela quantidade e qualidade de seus atacantes, de uns tempos para cá o Brasil está fazendo escola de zagueiros.

Sem falar que a imprevidência do técnico de certa forma também contribuiu para a perda de Neymar, pois deveria tê-lo sacado quando o placar estava 2 a 0 e carecia reforçar o setor de meio campo, para estacar a pressão colombiana, mas preferiu tirar Huck, que era o único que levava perigo ao adversário. Substituição que se impunha até mesmo pelo pouco tempo que Neymar teve para se recuperar das pancadas recebidas contra o Chile, o que segundo o treinador, estaria sendo tolerado pelas arbitragens por conta da fama de piscineiro do jogador.

Enfim, com o estrago feito, a imprensa em geral, aliado ao colossal rosário de lamentações e solidariedade que se alastrou pelas redes sociais – só a mensagem de agradecimento do craque alcançou mais de um milhão de visualizações em poucas horas –, se encarregou de disseminar o clima de verdadeiro velório que se instalou com a dramatização ad nauseam dos acontecimentos. Dramatização que, ao lado das tradicionais exortações motivacionais, tipo “vamos jogar pelo Neymar”, se constitui no derradeiro e mais forte trunfo para fazer frente ao inegável favoritismo alemão.

A contribuição do secretário da Fifa

Se é que se pode falar em favoritismo numa copa que entra para a história, entre outras coisas, como a mais disputada e equilibrada de todos os tempos. Daí a penca de goleiros e zagueiros que se destacaram, contrastando com a escassez de protagonistas na linha de frente, fator determinante, talvez, para o fracasso de seleções dependentes de individualidades.

O craque da Copa até aqui? Com Neymar fora e Messi abaixo das expectativas, o carequinha holandês Robben e nosso David Luis disputam a ponta cabeça a cabeça na reta de chegada. Mas num sentido mais amplo, não há exagero em dizer que ninguém contribuiu mais para o estrondoso sucesso da competição que o secretário executivo da Fifa, Jerome Walke, que mexeu com os brios do país com sua declaração de que o Brasil estava precisando de um pé na bunda para sair da inércia e fazer as coisas acontecerem. Psicologia aplicada pra ninguém botar defeito.

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Ivan Berger é jornalista