Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Em defesa de uma festa literária inclusiva

A programação da Flip de 2014 – a 13ª edição da Festa – reúne 44 autores, em 23 mesas. Há gente de todo o tipo: fotógrafos, pesquisadores, acadêmicos, ficcionistas, poetas… E, principalmente, há homens. O curador é homem (sempre foi). O diretor-geral é homem. O homenageado é homem (também sempre foi, com apenas uma, notável, exceção, em um já longínquo 2005). Os convidados, bem, são em sua grandessíssima maioria homens: as mulheres são apenas sete, ou 15%. Trata-se de peculiaridade interessante, já que, entre os leitores, no mundo todo, as mulheres são maioria, respondendo a 57% dos brasileiros que leem ao menos um livro a cada três meses, segundo pesquisa de 2012.

Vale lembrar que a FlipSide, feira “descendente” da de Paraty, realizada na Inglaterra (organizada pela criadora da Flip, Liz Calder), vai contra essa lógica: em sua programação de 2014, as mulheres são metade (entre as brasileiras, Socorro Acioly, Ana Maria Machado e Tatiana Salem Levy).

A problemática da presença feminina nas artes e na literatura não é nova. Haverá quem diga que as mulheres são menos representadas porque escrevem menos. Não é verdade: mas é verdade, sim, que elas têm mais dificuldade em ser publicadas – no Brasil, 72,7% dos escritores são homens (o que é mais impressionante: desses, 93,9% são brancos). O problema da representação se estende até para dentro das obras: no Brasil, em 258 livros estudados durante pesquisa de Regina Dalcastagné, divulgada em 2013, apenas três protagonistas eram mulheres.

Novas soluções nos velhos espaços

Não esqueçamos, também, do argumento que diz que as mulheres não estão presentes, pois sua literatura não é tão boa quanto a escrita pelos homens. Dirão, ainda, que a questão de gênero é secundária à literatura e que não tem lugar quando se está discutindo, meramente, a qualidade. Mas como descartar, dizendo serem ruins, obras e autoras que simplesmente não chegam ao público?

Como representante de um coletivo feminino – a Casa de Lua –, como editora da Kayá, como tradutora, escritora e mais um montão de coisas, defendo sem restrições uma programação mais inclusiva, em todos os sentidos. Se você se interessa pelo debate, pode ajudar a pensar novas soluções nos velhos espaços – e a criar novos, como este: http://kdmulheres.tumblr.com/.

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Laura Folgueira é tradutora e editora, especialista em literatura brasileira. Cofundadora da Kayá Editora