Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Farinha do mesmo saco

Sair das ditaduras é quase tão difícil quanto entrar nelas – e traumáti-co. Principalmente para a imprensa, a primeira a ser amordaçada pelos tiranos que chegam ao poder, alérgicos à liberdade. O interregno entre o fim do Estado Novo, em 1945 (a mais duradoura ditadura personalizada – em Getúlio Vargas – do país, por 15 anos), e o início da mais longa das muitas ditaduras que assolaram a frágil e sempre noviça república brasileira, em 1964, o Brasil viu surgir a mais brilhante geração de jornalistas de todos os tempos. Não por acaso: foi o período de mais extensa democracia até então, que sobreviveu ao longo de quase 19 anos.

Nunca houve tantos jornalistas brilhantes nas redações. O que não faltavam eram redações. Eram muitos os jornais, revistas e outras formas de publicações, diárias ou de qualquer outra periodicidade. Tantos abrigos atraíam não só os profissionais da notícia; sem qualquer restrição, escritores e outros intelectuais afluíam para a imprensa periódica, o que explica a qualidade dos textos e a popularidade de um gênero mais refinado, como a crônica.

Com a repressão à liberdade de expressão a partir de 1964, com ênfase muito mais selvagem depois da edição do nefando AI-5, em 1968, os jornalistas tiveram que buscar alternativas para se comunicar com o público, sem se transformar em porta-vozes – voluntários ou não – de um regime policial, que cultivava a censura como razão de Estado.

O uso de táticas e ardis para escapar ao Big Brother, que era muito outro antes da televisão massiva, levou Millôr Fernandes a desenhar uma pessoa amarrada ao trilho enquanto avança um trem, com uma legenda significativa: é proibido ler nas entrelinhas.

Para não transformar o texto jornalístico em carta enigmática, os profissionais foram atrás das informações oficiais, sancionadas, nos diários oficiais, balanços empresariais, editais e outras formas de comunicação do próprio governo com o público, voluntariamente ou por imposição legal (mesmo aviltada e manipulada, a ordem legal subsistiu).

Imprensa marrom

A censura hesitava diante de uma matéria que se referia a fontes oficiais ou se fundamentava em números e outras grandezas quantitativas. Era a prova da objetividade e rigor do jornalista. Menos forte, a mão da censura não apagou esse registro da história. Matérias publicadas em plena ditadura continuam a ser valiosas referências sobre a realidade nesse período.

Os jornalistas que sobreviveram com dignidade aos nefastos efeitos que uma ditadura causa à condição humana acrescentaram à herança das gerações anteriores uma contribuição original: aquilo que, com maior propriedade, pode-se dizer que é jornalismo científico. Costuma-se aplicar essa definição àqueles que se especializam na cobertura da atividade dos cientistas e sua contribuição para a ciência. Mas o conceito se aplica com mais propriedade aos jornalistas que eles próprios, usam métodos científicos de obtenção, produção e divulgação de notícias.

Esse tipo de jornalismo foi um avanço considerável. A necessidade de continuar a bem informar a sociedade, mesmo sob um regime político (e mesmo um sistema) contrário a essa meta, criou tanto os estratagemas de burla da censura como modos de proceder sistemáticos para dar consistência e couraça à produção jornalística. Só vendeu a alma nessa triste fase da história brasileira quem quis – ou era fraco demais.

Pensei que essa evidente vitória tivesse obrigado tanto os jornalistas quanto as empresas jornalísticas a nunca mais retroceder ao jornalismo de antes, panfletário, passional, inconsistente, desligado da evidência dos fatos, completamente despreocupado de provar o que divulga, movido por campanhas sem a demarcação do interesse público. Um jornalismo partidário, faccioso, irresponsável.

Pode-se lançar dúvidas e suspeitas sobre a grande imprensa em geral, no Brasil apelidada (e mal apelidada) de PIG (Partido da Imprensa Golpista). As maiores empresas são acusadas de parcialidade para favorecer os tucanos e equivalentes. Não há dúvida que elas buscam parceiros que se lhes assemelhem ou se tornem aliados, parceiros. Ainda assim, seu noticiário é plenamente aproveitável e se aproxima da realidade constantemente. Quem lê os veículos do PIG está mais bem informado do que o frequentador exclusivo do que circula pela internet.

Já o Pará é cenário do maior retrocesso da imprensa no Brasil. O do Diário do Pará é o mais evidente e visível, não por acaso. Afinal, seu dono, o senador Jader Barbalho, ainda é a maior liderança política no Estado e se empenha em manter sua família e agregados no centro do poder. Mas o caso mais lamentável é o de O Liberal. Nem seu principal dono e nem seus sócios, todos da mesma família, são – ou conseguiram ser – políticos. Podiam manter certa independência e objetividade, mesmo apoiando um dos candidatos à eleição de outubro (o que quase toda imprensa faz e é positivo que o faça, porém às claras, alertando o leitor para essa opção).

Envolvido até o pescoço na campanha pela reeleição do governador Simão Jatene e, mais ainda, na derrota dos adversários e concorrentes liderados por Jader Barbalho, o grupo Liberal desencadeou o que considera uma guerra santa, uma justa: bater sem consideração e comiseração nos inimigos. Qualquer meio ou modo está sancionado se vem enquadrado nessa diretriz: Jader é o maior corrupto do planeta e tudo que ele toca, por efeito alquímico inverso, vira sujeira, não presta, deve ser condenado ao fogo do inferno.

É também a regra do outro lado, mas deve ter havido alguma resistência. Ou as matérias de encomenda, ao gosto do dono, não sairiam sob o título anônimo de “Da Redação”. Ninguém assina esse tipo de matéria no Diário, exceto aqueles que já faziam parte da confraria ou dela agora querem se beneficiar.

Nesse aspecto, o caso de O Liberal é mais nocivo para a imprensa e a sociedade. Um jornalista que era de respeito, que dirigiu em Belém um órgão de imprensa, como a revista Veja, e acumula prêmios nacionais, decidiu associar o seu nome e a sua pena a esse antijornalismo, a essa imprensa que já foi amarela e agora é marrom.

Condição desfavorável

Sou – ou era, embora ainda me considere como tal – amigo de Ronaldo Brasiliense, que se tornou o principal instrumento da campanha dos Maiorana por Simão Jatene e contra Jader Barbalho. E só tenho a lamentar que ele se permita desempenhar esse triste papel, que até não seria tão triste (ainda que com o mesmo efeito prático) se ele, como alguns dos seus colegas do outro jornal, não assinasse as matérias de encomenda.

Mas lá está o seu nome, mesmo quando se trata de uma notícia, não de um artigo, crônica ou nota de coluna. Mesmo ao relatar fato concreto, que exige reprodução fiel, ele adiciona o tempero da parcialidade, do facciosismo, da encomenda. O Ronaldo Brasiliense que fez excelentes matérias e prometia ser um grande jornalista jamais escreveria o que seu sósia assinou. Nunca abriria o texto de cobertura de um acontecimento com este lide:

“O que era apenas conjectura virou realidade na noite de segunda-feira, 30, no apagar das luzes do prazo fatal definido pela legislação eleitoral para a apresentação de candidaturas ao governo do Estado, o filho do chefe da quadrilha que saqueou os cofres da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Hélder Barbalho (PMDB), confirmou que terá o palanque de campanha com mais fichas-sujas da história do Pará”.

O primeiro parágrafo de uma notícia escrito dessa forma já demonstra a falta de isenção do autor do texto para desempenhar a sua tarefa. Além de demasiados, os qualificativos são usados de forma editorializada, com um excesso de subjetividade incompatível com a natureza da matéria. É o pior momento do autor. Mas há outros, que talvez tenham mais gravidade porque disfarçada pela aparência de verdade, pelo uso do que existe de pior na argumentação: a meia verdade.

Diz Brasiliense que Hélder Barbalho, candidato ao governo por uma coligação liderada pelo PMDB e o PT, sonha em levar o seu partido de volta ao comando do poder executivo, “de onde foi escorraçado vinte anos atrás, quando Jader se elegeu governador em 1990, derrotando Sahid Xerfan por pouco mais de sete mil votos”.

Só essa informação não permite a quem leu o texto entender o que o acontecimento relatado significou. De fato, Jader derrotou Xerfan – e por uma margem mínima de votos, das menores já registradas numa eleição para o governo do Pará. Mas Xerfan era o candidato do governador que exercia o cargo, Hélio Gueiros, colocado ali por Jader Barbalho, que ficou até o fim do seu primeiro mandato (1983/87) para garantir a vitória do seu correligionário, que (como diria Almir Gabriel do seu pupilo, Simão Jatene) não era fanático pelo trabalho.

Além de ter contra si a máquina estadual, usada desbragadamente, como só Almir Gabriel faria na sua reeleição e para a eleição do seu sucessor, Jatene, Jader não tinha a escora federal a seu favor para contrabalançar, como aconteceu com Ana Júlia Carepa e pode suceder agora com Hélder. Sua vitória foi a última grande manifestação da sua liderança popular no Pará. De lá para cá ela tem diminuído – e deve continuar assim, eclipsando se o filho não se eleger.

Apesar do notável desempenho que Jader teve na eleição de 1990, exibindo o poder da sua condição de político profissional, Hélio Gueiros podia tê-lo derrotado, repondo Sahid Xerfan na vida pública, na qual fora introduzido, sete anos antes, pelo mesmo Jader Barbalho. Bastaria que assinasse o abono do funcionalismo público, que estava pronto e acabado à espera do seu endosso. Mas Hélio deixou isso para depois da eleição.

Se quatro mil dos 120 mil servidores públicos de então manifestassem sua gratidão pelo gesto do governador, Xerfan teria sido o vencedor e talvez Jader não estivesse agora, um quarto de século depois, batalhando pela continuidade da sua família no poder.

Este é um dos mistérios da política paraense recente. Na época, conversei longamente, em “off”, com o advogado (já falecido) Frederico Coelho de Souza, que era o assessor no qual Gueiros mais confiava, chefe da sua procuradoria. Fred me confessou perplexidade diante da recusa do governador de não conceder aquele decisivo abono antes da eleição, fazendo-o quando já não podia faturar os dividendos políticos da decisão. Eu lhe apresentei minha hipótese: prevaleceu o espírito de corpo do antigo PSD, o partido de Magalhães Barata, origem política tanto de Hélio quanto de Jader.

Minha interpretação se fortaleceu logo em seguida, quando Jader assumiu de novo o governo e prometeu fazer uma devassa na administração do seu antecessor, ex-correligionário e ex-amigo. Contratou uma empresa de auditoria paulista e deu início aos trabalhos. Tive acesso aos primeiros relatórios sobre as fartas irregularidades constatadas (algumas das quais serviram de arma para Jader mandar prender e processar o futuro senador e agora candidato a deputado estadual pelo PMDB, sob sua liderança, Luiz Otávio Campos). Quando parecia que Jader ia investir diretamente contra Hélio Gueiros, ele mandou sustar tudo, para espanto dos experientes Gileno Chaves e João Roberto Cavaleiro de Macedo, que lidavam com a questão.

Não posso provar, mas, com base na experiência e no conhecimento, deduzi da situação a cena que a ela se seguiu: Jader mandou o dossiê de presente a Hélio, que, passado o momento de raiva e de divergência, voltou ao “seu” PMDB e à condição de amigo de infância de Jader, plenamente reconciliados segundo o figurino traçado pelo baratismo: se somos amigos e aliados, não mexe com os meus podres que não mexerei com os teus. Aos amigos, os favores da lei. Aos inimigos, os rigores. Sem esquecer que lei é potoca.

Baratista é a origem dos dois grupos de comunicação antagônicos. A mãe dos irmãos Maiorana e a principal acionista da corporação (já não mais com os 51% que o marido lhe transmitiu, por ter antecipado os 7% que cabiam da sua parte ao filho mais velho, Romulo Maiorana Jr.) é sobrinha de Magalhães Barata, detalhe que ainda fazia diferença quando o casal se formou.

Talvez jamais duas derivações do baratismo tenham se fustigado tanto quanto os Maiorana e os Barbalho. Significa que são inconciliáveis? Não. A principal arma de Hélio na campanha por Xerfan junto à opinião pública em 1990 foi justamente o grupo Liberal. No apogeu da apoplexia anti-Jader, O Liberal praticou um jornalismo tão panfletário quanto os do segundo império ou na “era Barata” (1930/59), mas quando o ringue era entre baratistas e anti-baratistas. Quase diariamente aparecia alguém, incluindo com grande frequência o governador, dizendo que Jader era ladrão. No entanto, quando ele, já no governo, decidiu voltar a programar publicidade oficial nos veículos da família, virou estadista.

Talvez tivesse continuado a receber esse tratamento se suas empresas de comunicação tivessem se mantido à sombra do grupo Liberal. Contra todas as expectativas e projeções, porém, o grupo RBA, em especial o jornal, cresceu bastante, competindo até em melhores condições, como no impresso e na rádio, assumindo a liderança nesses segmentos.

A disputa se agravou porque não está em causa apenas a eleição de um parceiro político fundamental: é pela sobrevivência que as empresas lutam. É cada vez mais difícil acomodar e conciliar seus interesses. Uma quer destruir a outra. Além do governo, que lhe tem sido pródigo há muitos anos, o grupo Liberal tem como ponto de sustentação a afiliação à Rede Globo de Televisão. Sem a participação nesse conjunto, que domina o mercado aberto de TV, o grupo Liberal estaria numa condição extremamente desfavorável.

Daí o ressurgimento de boatos em torno da venda do conglomerado. O mais recente garante que Romulo Maiorana Jr. negocia a venda do controle acionário ou da integralidade da corporação a Philipe Daou, afiliado da Globo no Amazonas, que tem a maior rede de comunicação na região e só é menor do que a TV dos Marinho, Record e SBT. Apesar dos cochichos, não há nenhuma indicação concreta a respeito, podendo tudo não passar de especulação, estimulada pelos concorrentes.

Cheque em branco

A virulência entre os dois grupos chegou a um extremo de desdobramento imprevisível por causa da consciência de que não há mais lugar para dois impérios siameses – nem se espera que seu controle sobre os instrumentos do poder institucional se perpetuem, ou se mantenham à custa do saque indecoroso ao erário. A sociedade está cansada dessa guerra suja de Barbalho e Maiorana. Daí que o grupo Liberal tente se apresentar como jornalismo profissional e não apenas uma folha partidária. Para criar e manter essa aparência contribuem jornalistas como Ronaldo Brasiliense.

Na mesma matéria, como se estivesse fazendo uma narrativa imparcial, ele diz que, desde a última vitória, em 1990, o PMDB vem amargando só derrotas: “em 1994 Jader Barbalho apoiou Jarbas Passarinho, que perdeu para Almir Gabriel (PSDB). Em 1998, foi a vez do próprio Jader ser surrado nas urnas pelo tucano Almir Gabriel. Em 2002, Simão Jatene se elegeu e o PMDB nem lançou candidato. Quatro anos depois, a petista Ana Júlia Carepa elegeu-se vencendo Almir Gabriel e o candidato do PMDB, José Priante, sequer foi para o segundo turno”.

Acrescenta Brasiliense: “Finalmente, em 2010, o deputado estadual Domingos Juvenil (PMDB) teve pouco mais de 10% dos votos para o governo, nem chegou ao segundo turno, em eleição vencida pelo atual governador Simão Jatene por uma diferença de 380 mil votos sobre a então governadora Ana Júlia Carepa”.

Conclusão inquestionável dessa narrativa: o poder político de Jader Barbalho tem sido declinante. Mas ele ainda é, individualmente, a mais importante liderança política no Estado. Funciona como fator decisivo conforme sua posição no pêndulo eleitoral, o que a matéria de Brasiliense omite – porque não interessa ao seu jornal fazer tal ressalva, em homenagem à verdade.

Em 1994 Jarbas Passarinho perdeu para Almir Gabriel porque fez uma campanha apática, medíocre. Passou toda a campanha deprimido. Tinha consciência do que representava para sua biografia estar nas mãos de Jader Barbalho. Na eleição de 1982 Jader destacou sarcasticamente a idade do ex-ministro, que nessa ocasião era seu adversário. Jarbas respondeu mandando Jader olhar para a casa do seu pai, Laércio Barbalho, também um velho. E por aí foi. Além disso, Almir foi tão beneficiado quanto o tucano-mor, Fernando Henrique Cardoso, pelo o sucesso estrondoso do Plano Real, do qual o PT desdenhou. Até Brasiliense se elegeria prefeito de Óbidos se concorresse naquele ano pelo PSDB.

Almir estava no governo quando se reelegeu, em 1998. O PSDB também reelegeu FHC. Mas enquanto o presidente se reelegeu no 1º turno, a vitória só sorriu para o governador no 2º turno. Depois de 773 mil votos a 631 mil para Jader, ele ganhou com 981 mil votos contra 819 mil do seu adversário. Considerando todas as circunstâncias, não foi exatamente uma apoteose. Ele estava com a faca e o queijo na mão e a oposição era realmente oposição (ainda que de qualidade para lá de duvidosa).

Ronaldo diz que na eleição de 2002 o PMDB “nem lançou candidato”. Esqueceu (e não sem motivo) do insólito e simpático Rubens Nazeazeno Ferreira Britto, que teve quase 42 mil surpreendentes votos numa seara em que só o Wandenkolk Pasteur Gonçalves teve sucesso. Mas novamente o PSDB não conseguiu ganhar no 1º turno, mesmo com plenos poderes. Almir Gabriel começou a romper com a sua criatura quando achou que Jatene não viria a ser suficientemente grato, como devia, ao seu temerário (e ilegal) esforço com a máquina para sagrá-lo governador, no 2º turno, por magérrima diferença sobre a petista Maria do Carmo, apoiada então por Jader (1.291.865 votos contra 1.205.229 da política santarena).

Nessa eleição, Jader foi o mais votado deputado federal, com o dobro de votos sobre o segundo lugar, do radialista Vladimir Costa (344 mil a 162 mil). Ajudou a eleger o primo, José Priante, para a Câmara. E fez do filho, agora seu candidato ao governo, o deputado estadual mais votado, com 68 mil votos, à frente do (ainda?) tucano Mário Couto, atual senador dissidente do PSDB.

Em 2006, é verdade, Priante, candidato do PMDB ao governo, nem foi para o 2º turno. Mas se ele não se tivesse apresentado, abrindo mão de uma reeleição certa para a Câmara Federal, não haveria 2º turno. Almir teria vencido de primeira, apesar dos seus reclamos (improcedentes) de falta de apoio da máquina regida por Jatene. Na nova votação, Jader descarregou seus votos na candidata do PT e ela venceu. Quatro anos, disputando a reeleição, ela dispensou esse apoio – e perdeu fragorosamente para Jatene, que voltou ao governo.

Tantos erros, omissões e vícios numa notícia se multiplicam e agravam quando Ronaldo Brasiliense faz comentários ou publica notas na sua página dominical em O Liberal ou na reedição desnaturada de O Paraense. Não surpreende que Jader Barbalho o tenha acionado na justiça com uma ação por publicar reportagem em jornal impresso e nas redes sociais, “acusando-o de fatos pendentes de julgamento, com intuito difamatório”.

Na ação, o senador do PMDB pediu a antecipação dos efeitos da tutela para obrigar Ronaldo a se abster “de condutas que possam vir a ofender a imagem e a honra do autor, sob pena de multa”. Requereu ainda que fosse determinado ao jornalista “que publique nota de esclarecimento “com a mesma visibilidade e localização das reportagens que publicou em ofensa ao autor”, conforme o texto que ele juntou, “sob pena de multa por edição que não atender a determinação judicial para a mídia expressa, e por dia para as publicações em mídias digitais”.

Indo além, Jader solicitou ao juiz para mandar retirar “todas as publicações de seu site e de seu perfil no Facebook nos quais constem ofensas diretas ao autor e acusações infundadas, em especial, as publicações com título Radiografia de Um Corrupto, De Valentão a Cordeiro, Helder Debocha do Judiciário e do Ministério Público e Helder Zomba da Justiça”. Além disso, teria que fazer “a administração e moderação de suas páginas e perfis on-line, a fim de excluir comentários ofensivos e/ou ilícitos em relação ao autor, sob pena de multa”.

O juiz Roberto Cezar de Oliveira Monteiro, da 7ª vara cível do fórum de Belém, deferiu, em parte, o pedido de tutela antecipada. Determinou que Brasiliense “se abstenha de condutas que possam vir a ofender direta ou indiretamente a imagem e a honra do autor, extrapolando os limites da liberdade de expressão”, sob pena de multa de cinco mil reais para cada veículo de comunicação e/ou divulgação que utilizar.

Determinou a publicação de nota de esclarecimento “com a mesma visibilidade e localização das reportagens que publicou em ofensa ao autor”, sob pena de multa diária de mil reais por edição que não atender a determinação judicial para a mídia expressa, e por dia para as publicações em mídias digitais.

Também o mandou retirar as publicações apontadas por Jader, com multa diária de 500 reais em caso de descumprimento, mais a obrigação de moderar suas páginas na internet, “a fim de excluir comentários ofensivos e/ou ilícitos em relação ao autor”, sob pena de multa diária de 500 reais. Por serem liminares, essas decisões podem ser revogadas ou modificadas no decorrer do processo, se necessário, ressaltou o juiz.

É evidente que Ronaldo Brasiliense abusa do direito de imprensa. É evidente a sua tendenciosidade. Mas é a opinião dele, comprometida ou não. Melhor tê-la assim do que cercear opiniões. Está também no pleno e correto exercício do seu direito o senador Jader Barbalho, embora, no fundo, afastadas as dissimulações, sofismas e formalidades, se trate de ofensa e retorsão. Ambas as partes ofendem e são tendenciosas. Logo, um crime é anulado por outro crime. Nenhuma das partes está interessada na verdade ou no público.

Mas Brasiliense, fazendo o jogo dos Maiorana, se expôs à ação de indenização por danos morais, combinada com pedido de obrigações de fazer e não fazer com pedido liminar, proposta por Jader contra a empresa do jornalista, a Agência Amazônica de Notícias, que edita O Paraense e se mantém através da publicidade veiculada pelo governo Jatene, para atacar os adversários do tucano.

Sou contra esse tipo de antecipação de tutela que o juiz deferiu. Ela presume a repetição do crime quando a presunção deve favorecer o réu, não o autor. Dá ao autor um cheque em branco. Avança, através de uma violência real, embora com amparo jurídico, para impedir eventual violência fática. Eu não daria nenhuma liminar e mandaria o réu falar, assim iniciando a instrução processual através do contraditório e da ampla defesa. Demonstrado o ânimo ofensivo do jornalista, que ele pague pelos excessos conscientes. Pagamento que faria bem à sociedade, desrespeitada e ultrajada por esse bate-boca de baixo nível tratado por alguns dos que se acham os melhores, a elite. Que elite!

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)