Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Facebook é o novo despotismo dos iguais

Não é de hoje que o fenômeno das massas me chama atenção. As jornadas de junho, chamada por alguns como primavera brasileira, o que só pode ser piada, incentivaram-me mais uma vez a me aproximar do tema. A questão da relação das massas e as redes sociais me provocam, dia a dia, ao ponto de pensar na possibilidade de um suicídio facebookiano. É o quantum de afeto que falava o doutor Freud.

A democracia moderna é assinalada particularmente pela paixão da igualdade, o seu motor principal. As recorrentes revoluções que se desencadearam nos séculos XVIII e XIX na Europa passavam pela emergência de grupos cada vez incendiados pelo fogo do reconhecimento frente ao mundo dos diferentes. A modernidade se mostra como uma grande arena de lutas colocadas em movimento pelos indignados, que desejam ser reconhecidos como iguais. Uma inflamação anímica, que incentivada a ferro e fogo pelos philosephes bastante crentes em si mesmos e suas teorias, só pensavam na derrota da verticalidade, que, começando por destronar Deus, desejavam a implantação de uma horizontalidade igualitária. A burguesia ascendente, aquela que se revirava a fim de derrubar o Antigo Regime, esbravejava contra a aristocracia, sinal claro da intolerável diferenciação. A partir do instante em que a revolução se implantasse, uma nova ordem emergeria, aquela dos iguais em direito, estampada na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A busca alucinada pela indiferenciação deu passos largos, levando-nos ao ponto, atualmente, de recusa, inclusive, de qualquer diferença antropológica, compreendida como irreal e inventada pelos dominantes. Tal obsessão moderna pela abolição das diferenças foi a chave de movimentos populares e é um dos pontos centrais para se compreender o fato democrático contemporâneo.

Mas não se iludam. Alguns viram nesse igualitarismo algo como um bacilo, que incubado nesses ideais de igualdade, poderiam trazer sérios riscos para o futuro da democracia, inclusive a dissolvendo em totalitarismo. Tocqueville vai argumentar em seu A democracia na América, de 1835, que uma igualização democratizante compreendida e levada a cabo em seus últimos termos, nos levaria a um horizonte aonde o indivíduo não é ninguém, diz Goyard-Fabre comentando a obra. A mediocridade é o fim da linha, já que o rolo compressor do nivelamento não deixa sobrar muito espaço para talentos e iniciativas. Há possibilidade de liberdade num mundo de indiferentes? Num mundo de recusa militante da diferenciação haveria lugar para o poeta, o artista, o santo? Tem gente que embarca nessa canoa sem nem sentir, e quando vê está vomitando autoritarismo e se achando ao mesmo tempo o último dos democratas. Aqui mesmo no Post Brasil, pediram algumas vezes que cortassem minha cabeça, já que – deixavam entender isso – em algum post afirmava coisas que para eles não poderiam ser ditas ali, já que não se encaixavam no que acreditavam. Não aprenderam a pluralidade. Querem acelerar o tempo e nos jogar a todos num mundo uniforme e plano de uma vez.

Vejam o Facebook, espécie de ‘novo despotismo’, que embrutece aqueles que ali se imiscuem. A igualdade pressuposta que marca os sujeitos na timeline compartilhada talvez não seja sinal de liberdade alguma, mas sim de uma novo tipo de canal por onde manifesta nossa predisposição em seguir hordas, que não deixam de secretar inverdades um dia sequer. Também temos os bandos de iguais, que se adulam em função de suas próprias crenças e de seus descomedimentos, reagindo violentamente a qualquer dissonância. Todos na vala comum. Por isso admiro os colegas que não se embrenham por essas bandas. Perdem alguma coisa, mas conseguem manter sua dignidade frente ao mar de ignomínias das massas em movimento.

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Rodrigo Coppe Caldeira é historiador e professor