Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Povo brasileiro perde João Ubaldo aos 73

Nas férias que passou, no início do ano, na ilha de Itaparica, na Bahia, onde nasceu, João Ubaldo Ribeiro teve uma conversa séria com um de seus melhores amigos, José Carlos Rafuche, 77.

“Ele estava meio esquisito. Disse que se passasse dos 73 anos chegaria aos 100, mas estava desconfiado, falava o tempo todo que o pai e o avô tinham morrido aos 73.”

Amigo de Ubaldo desde a adolescência, Rafuche inspirou um de seus personagens, “Zecamunista”, o comunista que, da mesa de um bar em Itaparica, sempre tinha uma teoria conspiratória para explicar o que ia pelo mundo.

Rafuche foi acordado às 7h15 desta sexta (18) por um telefonema de Emília, uma dos quatro filhos de Ubaldo, e que mora em Salvador. Na ligação, ela contou que o pai tinha morrido na madrugada em seu apartamento no Leblon, zona sul do Rio.

O escritor, membro da Academia Brasileira de Letras desde 1993, sofreu embolia pulmonar por volta das 3h30. Paramédicos de uma ambulância chamada por sua mulher, Berenice, tentaram reanimá-lo, sem sucesso.

“Quando ouvi a voz da Emília, tive certeza que a premonição tinha se concretizado”, disse Rafuche à Folha, sentado ao lado do caixão.

Há dois meses o autor de “Viva o Povo Brasileiro” passara cinco dias internado em um hospital com problemas pulmonares. De um de seus médicos, Jorge Spitz, recebera o alerta de que deveria parar de fumar imediatamente. Não conseguiu, apesar de ter se esforçado e reduzido o total de cigarros consumidos por dia. De quase dois maços, passou a menos de um.

Também não se livrara totalmente do álcool. Apesar de proibido, mantinha o hábito de tomar um chope e uma dose de uísque nos fins de semana em seu bar favorito, o Tio Sam, perto de sua casa.

Os bares cariocas, dos quais tanto gostava, eram o tema do novo romance no qual João Ubaldo vinha trabalhando. “Em nossa última conversa ele contou que o livro teria um narrador meio baiano, meio carioca. O romance estava na metade e é assim que vai ficar”, disse o ator e músico Bento Ribeiro, filho do escritor.

O projeto ocupava as manhãs do escritor. Todos os dias, segundo Valéria dos Santos, sua secretária havia dez anos, acordava por volta das 5h e escrevia até as 10h. “Aí lia emails, conversava no Skype. Por telefone, não, ele dizia que tinha que ver a cara da pessoa.”

Irmão do escritor, Manoel Ribeiro Filho, 62, recordou as brigas entre o pai e o irmão que testemunhou. “Papai queria que ele fosse advogado e ele dizia que ia viver da pena [da escrita]”, contou.

Ubaldo formou-se em direito, fez mestrado em administração pública, tornou-se professor universitário, mas um dia largou tudo. “Teve uma briga na universidade e, ao sair, tirou as alpargatas, bateu uma na outra e disse: Dessa universidade, não levo nem a poeira para casa’”.

Sétimo ocupante da cadeira número 34 da ABL, que tem como patrono o poeta e sacerdote Souza Caldas, Ubaldo sucedeu o colunista Carlos Castello Branco.

Colunista dos jornais “O Globo” e “Estado de S. Paulo”, Ubaldo ganhou em 2008 o prêmio Camões, um dos principais da literatura de língua portuguesa.

Ele preparava-se para celebrar os 30 anos de “Viva o Povo Brasileiro”, em outubro. Amigos organizavam uma festa e a editora Objetiva, uma edição especial da obra.

“A indesejável’ tem muito bom gosto. Há poucos dias nos levou um poeta espetacular [o acadêmico Ivan Junqueira, morto há 15 dias] e, agora, nos leva um de nossos melhores cronistas”, disse o filólogo e imortal Evanildo Bechara.

O corpo foi velado na sede da Academia Brasileira de Letras, no centro do Rio, e será enterrado neste sábado (19), às 10h, no mausoléu da entidade, no cemitério São João Batista, em Botafogo.