Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A relação do jornalismo com o poder

Os caminhos do jornalismo, a busca pela imparcialidade ou o ativismo assumido, a relação com o poder e as diferenças entre a realidade da imprensa nos Estados Unidos e na América Latina foram temas debatidos pelo jornalista americano David Carr, colunista de mídia e cultura do “The New York Times”, e pela sua colega argentina Graciela Mochkofsky, que acaba de lançar no Brasil, em e-book, o livro-reportagem “Estação Terminal” (e-Galáxia), na mesa “Narradores do poder” [da Festa Literária Internacional de Paraty 2014]. A mediação foi do também jornalista João Gabriel de Lima.

Carr – que teve publicado no Brasil em 2012 o livro “A noite da arma” (Record), em que entrevistou amigos, parentes e colegas para reconstruir a história de sua vida de viciado em drogas e álcool –, comentou a defesa feita pelo jornalista Glenn Greenwald, pela manhã durante a mesa “Liberdade, liberdade”, do duplo papel de ativista e jornalista.

– O que eu acredito é que a mistura entre jornalismo e ativismo nem sempre vai funcionar. Funcionou neste caso e o fato de que Edward Snowden decidiu entregar todo o material para Glenn é bastante significativo. No entanto, em outras oportunidades, você pode achar que está usando (uma causa ou um partido), mas na verdade está sendo usado. Mas nada disso tira o mérito dele – afirmou o colunista.

Graciela argumentou que essa divisão entre imparcialidade e ativismo não é adequada para os países latino-americanos. Ela investigou as relações entre imprensa e poder na Argentina em dois livros: um sobre o Jacobo Timerman, homem de imprensa que apoiou dois golpes militares e depois foi sequestrado e torturado pelo regime, e a conflituosa relação entre o grupo “Clarín” e o governos Kirchner. Para a jornalista, no seu país os jornais sempre foram vistos como braços de grupos políticos. O conceito de um jornalismo independente só chegou ao país na década de 1990 e hoje sofre com uma forte polarização.

– A noção de um jornalismo vigilante do poder chegou tarde na Argentina. Agora, a polarização é imensa: de um lado um jornalismo militante, que não critica o governo, e do outro o jornalismo independente que o combate. Nenhum dos dois lados tenta se aproximar da verdade – criticou Graciela.

“Ventinho no mundo”

Para encerrar, o mediador pediu a Carr e Graciela que fizessem perguntas um ao outro. O americano questionou se a argentina acredita que o jornalismo diário havia acabado.

– Para a minha vida, sim. Quando comecei no jornalismo, em 1991, minha vida já estava planejada: eu achava que acabaria sendo a principal colunista política do país. Mas, 15 anos depois, eu resolvi que não era possível fazer jornalismo com os meios de comunicação que temos na Argentina. Mas não sou tão pessimista, acho que existem possibilidades incríveis para quem tem 20 anos que eu não tive naquela época. Hoje você pode criar sua própria redação apenas entrando numa rede social – respondeu Graciela.

Na hora de fazer sua pergunta, Graciela relembrou uma conversa que teve com Carr na hora do almoço: ele disse então que apesar do bom trabalho feito pela imprensa americana e de tudo de importante que ela conseguiu revelar recentemente, nada mudou no país. Diante disso, por que ele ainda seguia sendo jornalista?, ela questionou.

– Isso tem sido uma fonte de tristeza e decepção para mim. Este presidente prometeu ser mais aberto, mas parece que está tudo parado, todo o processo político americano. Apesar de termos uma imprensa livre e democrática, não estamos conseguindo provocar nem um ventinho no mundo. Mas não sou um pessimista, sou definitivamente um daqueles que acredita no copo meio cheio. Creio que estamos num momento de impasse mas as coisas vão melhorar em breve. O jornalismo segue sendo uma força positiva para o mundo – defendeu o americano.

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Leonardo Cazes e Thais Britto, do Globo