Tuesday, 05 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Conspirações infinitas

“A Mídia Ninja, tal como as Jornadas de Junho, é um fenômeno – e os fenômenos precisam ser observados, comparados, referenciados, discutidos. Sobretudo aproveitados.” (Alberto Dines, jornalista e escritor, fundador do Observatório da Imprensa)

“No futuro, os manuais de Teoria da Comunicação e de Ciências Sociais vão se referir a junho de 2013 como o importante momento em que as grandes empresas de mídia deixaram de pautar a agenda do debate público do País. E quando a mídia de massa e sua lógica centralizadora foram superadas pelas redes digitais, pela cultura colaborativa e sua lógica descentralizada.” (Massimo di Felice, professor da USP, especialista em mídias digitais)

“Jornalistas têm de ter lado, e o lado dos jornalistas têm de ser o lado dos que mais sofrem. Se me mandassem cobrir o tráfico de escravos no século 18, eu jamais daria destaque, no que escrevesse, à opinião do capitão do navio mercador de escravos. Se me mandassem cobrir a libertação num campo de concentração nazista, eu não entrevistaria o porta-voz da SS”. (Robert Fisk, jornalista, The Independent)

“A transparência é a nova objetividade.” (Pierre Lévy, filósofo francês, pesquisador da cultura virtual)

Este livro se refere a fatos ocorridos entre 18 de junho e 7 de setembro de 2013: oitenta e dois dias que sacudiram o País. Foi em junho que explodiram as jornadas de protesto, inicialmente contra os preços das passagens do transporte público nas principais capitais, convocadas pelo Movimento Passe Livre, tomando de surpresa o establishment.

A repressão violenta promovida pelas polícias militares estaduais levou grande parte da população- e inicialmente a mídia, que de um dia para o outro, literalmente, mudou de posição – a apoiar as manifestações, e ganhou repercussão internacional. Novos atos revelavam uma polissemia, uma multiplicidade de temas, como gastos do governo em grandes eventos esportivos, má qualidade dos serviços públicos, indignação com tantas coisas.

Tratou-se de uma propagação viral, e a exemplo do ocorrido no mundo árabe, no Occupy Wall Street, entre outros, as manifestações foram chamadas pelas redes sociais.

Naquele início de junho entrei no Twitter e li esta frase: “Não precisamos de mídia partidarista, temos celulares!”. Algo diferente acontecia e não demorei muito a entender. As coisas acontecem muito rapidamente no século XXI, e caminharam mais ainda naqueles dias de junho. A tuitada daquele garoto, descobri em seguida, foi uma síntese perfeita dos novos tempos na comunicação, para os quais a compreensão de muitos, por enquanto, ainda é difícil.

Alguns dias depois, entendi perfeitamente, assistindo à Globo News: “Estamos aqui, do alto deste edifício”, diziam os repórteres sitiados em razão da fúria dos manifestantes, que expulsavam jornalistas da mídia tradicional das ruas e agrediam viaturas de emissoras de TV.

Mas quem quer ver manifestação do alto de edifícios? Eu me perguntei. E fui à internet onde encontrei, por meio de chamadas no Facebook, a página N.I.N.J.A. (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) https://www.facebook.com/midiaNINJA?fref=ts.

E vi, em www.postv.org, na noite/madrugada de terça-feira, 18 de junho, uma cobertura documentando ao vivo, em São Paulo, durante horas e sem edição, os embates entre manifestantes e a tropa de choque da Polícia Militar, desde a prefeitura, onde houve incidentes, à Praça da Sé, da Rua Augusta à Avenida Paulista.

Fenômeno parecido

A Mídia Ninja não nasceu agora, mas há um ano e meio, e está ancorada no movimento nacional Fora do Eixo (http://foradoeixo.org.br). Nas manifestações que tomaram as ruas de várias capitais, ganhou maior visibilidade e chegou a picos de audiência de mais de 120 mil espectadores. O que significa uma marca de 1,2 dos ibopes oficiais – e não é pouco, pois muitos programas da TV aberta não o atingem.

E desde junho, em seis meses, chegaram a 5 milhões de visualizações no ranking dos principais canais do Twitcasting, um aplicativo/ plataforma gratuita de transmissões ao vivo para celular usado pela Mídia Ninja. Eles também utilizam outras plataformas como Google Hangout, Twitcam, Livestream, Ustream, adptando-se sempre às condições que cada uma oferece e fazendo uso da que mais se encaixa a realidade de cada transmissão

Nesses tempos fora do eixo e de paradigmas, enxerguei este fato como o embrião da nova mídia do futuro que já é hoje – uma pós-TV feita por pós-jornalistas, para pós-telespectadores.

Com seus smartphones, eles protagonizaram a grande novidade na cobertura das Jornadas de Junho e na alternativa à mídia tradicional.

A performance da Mídia Ninja rendeu, além do New York Times, matérias no Wall Street Journal, El Pais, Le Monde, The Guardian e até hoje, muitas outras.
Mas no dia 22 de julho, quando estavam em meio ao furacão, numa manifestação nos arredores do Palácio da Guanabara, dois ninjas foram presos por “incitar a violência” transmitindo ao vivo as manifestações”: Filipe Peçanha e Filipe Gonçalves.
Nunca vi tal solidariedade em relação a qualquer veículo de comunicação em que eu tenha ou não trabalhado (e foram muitos.). Em uma era de crise de representatividade, naqueles momentos e em outros, nas transmissões, ouvia-se: “Mídia Ninja me representa”. Na página deles no Facebook, escreveu um comentarista: “Eu sou eles”.

Há muito para ser escrito e debatido sobre a Mídia Ninja, sobre o midialivrismo, termo novo ainda não encontrado nos dicionários. Midialivrismo refere-se a cidadãos multimídia, que atuam em iniciativas inspiradas na dinâmica do compartilhamento e na construção da cultura do comum: internet, fanzines comunitários, rádios comunitárias e etc..

Os midialivristas costumam autodenominar-se comunicadores independentes. Do modelo analógico, ligado à lógica do líder de opinião, o mediador, emitindo do centro para a periferia –a mídia de massa– passa-se ao digital – a massa de mídias, a construção colaborativa de narrativas e conteúdos feitos por muitos atores que resulta em uma pluralidade de pontos de vista, como nos explica ao longo deste livro, entre outros, o professor da ECA-USP Massimo di Felice.

Jornalismo é, e sempre foi, a prática de produzir e divulgar notícias. O jornalismo é a síntese do espírito moderno. E entre todas as transformações pelas quais passou, esta – advinda da informatização, da cibernética, das redes – é a maior desde a revolucionária invenção de Gutenberg.

Jornalismo é história contada cotidianamente pelo jornal. Hierarquizado, reportando o fato de fora, pregando a improvável isenção, exigindo grandes investimentos, instalações dispendiosas, enfim, uma empresa nos moldes do século XX.

Alguns especialistas consideram redutor qualificar de jornalismo o que fazem os midialivristas. Outros julgam exatamente o contrário.

Em um dos capítulos deste livro, um internauta lembra que, assim como Chico Buarque falou (N. da A. repercutindo o sociólogo da cultura urbana José Ramos Tinhorão em 2004) sobre o fim da canção – que seria um fenômeno do século XX, como a ópera foi um fenômeno do século XIX –, talvez esteja acontecendo o mesmo com o que conhecemos como jornalismo.

Jeito novo

Este livro registra a trajetória inicial da Mídia Ninja, que está ligada à dos vários coletivos midialivristas espalhados pelo País e pelo mundo. Mesmo ainda incipiente , a experiência começou abalando o establishment da comunicação jornalística.

Por fim, este livro é a favor do jornalismo (e isto não significa pregar qualquer corporativismo, apenas levar em conta a trajetória de uma atividade, sua história e seus rumos ), seja a maneira como se realiza, seja qual venha a ser o seu nome no fim da modernidade, em mais uma etapa da aventura humana, em um momento de vastas perplexidades e revoluções nas estruturas de pensamento.

No momento em que escrevo – março de 2014- acredito que os midialivristas praticam algo muito próximo do que conhecemos por jornalismo, e fazem do seu jeito, de um novo jeito.

Eles, os midialivristas, são um dos signos do jornalismo do século 21.

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Jornalismo Século XXI – O modelo #mídiaNINJA, de Elizabeth Lorenzotti, acompanha as transmissões das Jornadas de Junho de 2013 e, durante 81 dias, a trajetória da Mídia Ninja, coletivo midialivrista que provocou polêmica no establishment da comunicação.

Na era da transição da Mídia de Massa para a Massa de Mídias, a Mídia Ninja foi a primeira com visibilidade a colocar seu novo modelo, que despertou interesse também nos mais importantes órgãos da mídia internacional.

O livro traz um apanhado dos debates, múltiplas opiniões e análises de especialistas.

Editado pela e-galaxia, estará a venda por R$ 5,90, a partir de 20 de agosto, nas livrarias AmazonAppleGoogle Play, Livraria Cultura e Saraiva.

Como comprar

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Elizabeth Lorenzotti é jornalista