Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livro mostra concessões de Hollywood ao nazismo

Como diz o bordão, a história narrada pelo australiano Ben Urwand parece coisa de cinema: na década de 1930, quando os judeus já eram marginalizados e perseguidos pelo governo de Hitler, os estúdios de Hollywood fizeram acordos com os nazistas em que concordavam em retirar de seus filmes qualquer referência negativa à Alemanha. A história piora quando se recorda que a maioria dos diretores dos estúdios eram, eles próprios, judeus. Piora ainda mais quando se descobre, lendo “A colaboração”, livro de Urwand lançado no Brasil pela Leya, que o motivo que levou ao acordo foi puramente econômico: o interesse dos magnatas da indústria do cinema no mercado alemão, levando a uma mancha na história de Hollywood difícil de apagar.

A repercussão de “A colaboração” em seu lançamento nos EUA, no ano passado, foi grande. O mais surpreendente é que durante décadas se acreditou no contrário, que Hollywood havia combatido com força e com filmes o nazismo. Mas o trabalho de Urwand, pesquisador da Universidade de Harvard, com formação em Cinema e História, mostrou o contrário.

O autor iniciou sua apuração lendo documentos de assessores de Hitler nos arquivos públicos de Berlim, onde descobriu que o líder nazista assistia a filmes todas as noites, era fã do Mickey e tinha suas opiniões acerca das produções americanas registradas em papel.

O livro relata que Hitler chegou a se influenciar depois de ver uma cena de “Garotas de isca” (1938): três dias depois, ele criou uma lei que punia com a morte qualquer pessoa que colocasse uma barreira em estradas com o intuito de cometer crimes, exatamente como acontecia no filme.

Até aí, nada de muito revelador. Só que, entre os documentos pesquisados, Urwand encontrou uma carta enviada pela filial alemã da Fox a um assistente de Hitler, perguntando se o líder nazista concordaria em dar sua opinião sobre o valor dos filmes de Hollywood lançados no país. A carta, datada de janeiro de 1938, vinha assinada com uma conhecida saudação: “Heil Hitler”.

– Percebi naquele momento que havia uma história que precisava ser contada sobre a relação de Hollywood com a Alemanha nazista – diz Urwand, por e-mail. – A partir dali, tentei contatar a Disney, a MGM e outros estúdios para pesquisar em seus arquivos, mas não obtive acesso. Então voltei a pesquisar em arquivos na Alemanha, e também nos EUA, e cheguei aos relatórios da década de 1930 de um cônsul alemão em Los Angeles que era membro do partido nazista. Ele se encontrava frequentemente com os chefes dos estúdios e informava quais cortes deveriam ser feitos nos filmes para que pudessem continuar fazendo negócios na Alemanha. Confrontei esses relatórios com os roteiros originais dos filmes, e então ficou comprovada a colaboração entre as duas partes.

A preocupação dos nazistas com o cinema americano, de acordo com Urwand, foi uma espécie de reação ao que se seguiu à Primeira Guerra. Os alemães, derrotados no conflito, passaram a ser retratados no cinema de forma negativa. “Sem novidade no front” (1930), vencedor do Oscar de melhor filme, por exemplo, foi motivo de revolta na Alemanha por cenas como a que um sargento alemão afundava garotos na lama. O filme chegou a Berlim pouco depois do setembro de 1930, quando os nazistas viram sua participação no Parlamento saltar de 12 cadeiras para 107, e foi motivo de protestos pelo país.

A situação de “Sem novidade no front”, dirigido por Lewis Milestone, levou seu estúdio, a Universal, a fazer um acordo com o governo alemão em que se dispunha a cortar as cenas incômodas, não só para exibição por lá, mas para todo o mundo. O caso levou à criação de uma lei na Alemanha, em 1932, com concordância dos estúdios de Hollywood, que permitia “recusar autorização de filmes de produtores que distribuem no mercado mundial filmes cuja tendência ou efeito seja pernicioso ao prestígio da Alemanha”.

– Alguns críticos ao meu livro disseram que “ninguém sabia” o que estava acontecendo na Alemanha no início dos anos 1930. Mas, se você olhar os jornais americanos do período, vai ver que não é verdade. Em março de 1933, por exemplo, o “New York Times” publicou 20 textos sobre a ascensão de Hitler ao poder e sua guinada antissemita. O mesmo aconteceu no “Washington Post” e no “Los Angeles Times”. Os nazistas eram muito claros quanto a suas intenções – conta Urwand.

O racismo alemão era tão óbvio que, em 1933, o partido nazista pediu que as filiais dos estúdios americanos na Alemanha demitissem todos os judeus contratados. Eles concordaram parcialmente, mas em janeiro de 1936 o pedido virou lei: nenhum judeu poderia trabalhar no negócio de distribuição de filmes.

Imagem de antinazistas

A História, porém, até a publicação do livro de Urwand, deixou a impressão de que Hollywood fez de tudo para diminuir a influência nazista no mundo.

– Apenas na década de 1940 os nazistas expulsaram completamente os estúdios de Hollywood da Alemanha, e esses enfim passaram a fazer filmes antinazistas. De 1942 a 1945, cerca de 60% da produção de Hollywood foi dedicada a combater o fascismo, e os nazistas se tornaram os grandes vilões do cinema. Filmes clássicos, como “Casablanca” (1942), foram celebrados pela maneira como mobilizavam o público contra o fascismo. Mas fizeram algo mais: nos fizeram acreditar que Hollywood sempre foi antinazista.

 “A colaboração” pegou de surpresa Hollywood. Houve, inclusive, uma campanha de parentes dos antigos chefes dos estúdios para tentar, em vão, tirá-lo de circulação. Por outro lado, a revelação do pesquisador australiano vem circulando por jornais e revistas ao redor do mundo. Tarantino chegou a dar uma entrevista em que falou sobre o livro e chamou seus relatos de “o pacto do capitalismo com Hitler”.

– O pior é que não vejo indícios de que Hollywood aprendeu alguma lição de seus negócios com os nazistas. Na verdade, até meu livro ser publicado, a história vinha sendo negada ou diminuída sob o argumento de que eram “apenas negócios” – lamenta Urwand.

Leia também

>> Trecho do livro

http://oglobo.globo.com/arquivos/trecho_do_livro_a_colaboracao.pdf

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André Miranda, do Globo