O Mercado de Notícias, a peça, tem 389 anos, escrita por um contemporâneo de Shakespeare, Ben Johnson, três anos depois do nascimento do primeiro jornal em Londres.
O Mercado de Notícias, o filme, acaba de estrear com trechos da peça montada pelo diretor gaúcho
A profissão mais antiga do mundo, tirando aquela, é representada e relatada no documentário com as mesmas qualidades e defeitos de quase quatro séculos atrás. A manipulação da informação, a relação promíscua do jornalista com a fonte, as fofocas,
É o primeiro documentário do cineasta que não terminou nenhuma das faculdades que cursou, incluindo as de Jornalismo e de Medicina, que entre direção e roteiro acumula cerca de 50 títulos na filmografia de curtas, longas e séries de TV, além de nove livros. Ilha das Flores, de 1989, uma obra-prima sobre um lixão frequentado por porcos e humanos, ganhou o Urso de Prata
Mas por que logo agora que a profissão como a conhecemos quase despenca, e muda os contornos para alguma coisa desconhecida,
O documentário ouviu Janio de Freitas, Mino Carta,
E cita, por exemplo, Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”; Jorge Luis Borges: “Jornalismo é um museu de miudezas efêmeras”; o historiador britânico Arnold Toynbee, sobre a cobertura política: “Quem não gosta de política está condenado a ser governado por quem gosta”; o editor-chefe da revista People Richard Stolley, sobre matérias que atraem o público: “Jovem é melhor do que velho, rico é melhor do que pobre, bonito é melhor do que feio, música é melhor do que cinema, qualquer coisa é melhor do que política e nada é melhor do que uma celebridade morta”.
Furtado mantém atualizado o site www.omercadodenoticias.com.br, onde estão as entrevistas, a peça completa em inglês e português e a pesquisa de oito anos ao custo de R$ 660 mil bancados pelo
Aqui, a entrevista que Furtado concedeu ao Observatório:
Qual a sua impressão sobre o futuro do jornalismo hoje?
Jorge Furtado – Sou bem otimista.
Por quê?
J.F. – Depois de passado esse vendaval da internet, essa confusão que é
A peça fala nos barbeiros…
J.F. – É, e os nobres, eles paravam na praça, subiam no banquinho e contavam “está acontecendo isso e isso”, as pessoas se juntavam e iam para os barbeiros, contavam tudo o que ouviram e os barbeiros passavam adiante a história. Normalmente aumentando… o que os jornalistas também fazem (risos). Jornalismo sempre existiu, mas
É impressionante a contemporaneidade da peça.
J.F. – Quando critica “são noticias saídas todos os sábados escritas por gente que não sai de casa…”, parece que estão falando das revistas de hoje!
O Paulo Moreira Leite comenta sobre repórter que não vai mais para a rua, cita Euclydes de Cunha na guerra de Canudos, “ele não foi para a rua, foi para o sertão”.
J.F. – Mas depois desse oba-oba vai haver depuração. Quando a internet começou a crescer em 1990 parecia que
Foi o Leandro Fortes quem falou no filme: “Jornalismo é uma coisa muito nobre para acabar”. E o Raimundo Pereira: “Com essa confusão toda, o melhor para se acreditar ainda é o jornalão burguês porque tem 100 repórteres, 10 editores, departamento comercial…”
J.F. – Ele disse, mas acrescentou: “Eu não sou um dos maiores admiradores da burguesia”. E atrás dele tinha uma parede de Lênin que ia do teto ao chão. Imagine, ele é o último esquerdista; depois que morreu o [Oscar] Niemeyer ficou o Raimundo (risos).
O que você acha disso?
J.F. – Papel não tem sentido. Estão cortando uma árvore, pegando tinta, imprimindo
A não ser o jornal dê ao leitor um plus.
J.F. – É o que o Janio de Freitas acha, ele diz que “o jornal tem que pensar o que tem de fazer para ser interessante. Já enfrentou a rádio, a televisão, e continuou. O jornal tem que pensar em si mesmo”. Pode ser que o jornal se reinvente, como aconteceu com a história em quadrinhos, [que] estão crescendo em papel, na internet não é legal de ver.
Para isso vai ser necessário algo fundamental…
J.F. – …
Logo agora que Gilmar Mendes acabou com a necessidade do diploma?
J.F. – Só que as faculdades voltaram mais fortes, mais equipadas com TV e rádio, melhores do que quando entrei em 1981 na [Universidade] Federal [do Rio Grande do Sul, em] Porto Alegre. Sabe por quê? Os jornais descobriram: onde é que eu vou achar vocês?
Ou seja, as faculdades implantaram a tecnologia e estão mais fortes. Mas não ficou uma defasagem em relação à produção teórica?
J.F. – É do que eu sinto falta, não só no jornalismo, mas no cinema. A gente não tem roteiristas porque falta leitura. O Geneton
A Lygia Fagundes Telles disse outro dia que “quem está em processo de extinção não é o livro, é o leitor”.
J.F. – O Geneton fala: “O jornalista tem que investir em si mesmo, ler”. Jornalista não pode ser só um copiador de internet, copia-cola, tem de relacionar, filtrar.
Quem é o bom roteirista de cinema hoje no Brasil?
J.F. – O [Fernando] Bonassi, o Marçal [Aquino], o João Falcão, o George Moura, Guel Arraes e o Claudio Paiva, por exemplo. E poucas mulheres, a Adriana Falcão… Mas
Não é só dramaturgia que falta, é teatro, é interpretação, que o naturalismo da televisão está matando.
J.F. – O realismo predomina na televisão. Eu até tento quebrar. Fiz uma série na Globo com a
Ainda bem que temos bons documentaristas…
J.F. – O [Eduardo] Coutinho, mestre de todo mundo, inclusive do João Moreira Salles, que é
Eles são de uma geração que ainda lia.
J.F. – Como eu, 55 anos. Sou a última geração de leitores, devo ter uns 8 mil volumes, tive de comprar um apartamento só para os livros que não param de crescer. Eu me identifico muito com o Borges: ele chegava numa livraria, pegava um livro e dizia: “Ai, gostaria tanto de levar para casa esse livro… mas é um livro que eu já tenho!” (risos). Sou leitor compulsivo. E como Borges também não sou inimigo de gêneros. Só tenho umas obsessões. Shakespeare em primeiro lugar, Borges, claro, Montaigne, Fernando Pessoa… Gosto de poesia,
Oito mil volumes… então você lê no papel!
J.F. – Claro, gosto de anotar à caneta; na internet, só noticia, coisa rápida.
Entrando na Pecúnia, personagem que financia o jornal na peça O Mercado de Notícias, não é
J.F. – De jeito nenhum. Eu vivo da televisão.
E de publicidade?
J.F. – Fiz publicidade por quatro anos, nos anos 1980. Eu fazia a TV Educativa do Rio Grande de Sul, TVE hoje. Programas especiais, um curta, quando fiz o segundo, O dia em que Dorival encarou a guarda, o filme foi para Gramado e pedi autorização ao meu chefe para ir ao festival. Ele negou. Eu disse que iria de qualquer jeito. Voltei de Gramado com oito Kikitos e uma justa causa: fui demitido porque faltei uma semana. O filme ganhou
Só por curiosidade, quem era o diretor?
J.F. – Era um jornalista (risos), Cândido Norberto. Eu tinha um filho de dois anos, minha primeira mulher Eliana estava grávida de seis meses de nossa segunda filha, Júlia. [Jorge Furtado é casado há 25 anos com Nora Goulart com quem teve Alice.] Fui fazer publicidade. Nos primeiros seis meses ganhei mais do que no resto da minha vida até então.
Não tinha, digamos, conflitos internos?
J.F. – Claro, fazia comercial de banco, filmando de madrugada porque o banco tinha de estar fechado, 50 pessoas lá dentro, e acontece aquela cena clássica do casal chegando e cumprimentando
Ganhou todos os prêmios
JC – Foi um convite de um professor da universidade para fazer um documentário sobre separação de lixo. Fui conhecer os lugares de lixo da cidade, e ele me mostrou um lugar onde as pessoas utilizam produto orgânico para alimentar os porcos e depois abrem para os humanos. Com a repercussão, o [diretor Walter] Avancini me chamou para a Globo; depois que ele saiu o Guel Arraes me convidou e era o que faltava para largar a publicidade.
Você largou a Pecúnia. O Janio de Freitas falou no seu filme sobre o negócio da publicidade os repórteres, os jornalistas…
J.F. – … acham estão ali para fazer jornalismo, não é…
…você está é fazendo dinheiro, aumentando a tiragem, e depois tem que atrair publicidade. Aí alguém lembrou: mas como o jornal sobrevive sem publicidade?
J.F. – Não sobrevive. Vai ter publicidade, com ou sem papel.
E o jornalista, como sobrevive? ONGs? O Geneton clama pela Nossa Senhora do Perpétuo Espanto (risos), já que os jornalistas perderam a capacidade de se espantar…
J.F. – O cara tem que achar o espaço para
Não é muito fácil você ser
J.F. – Segundo o Geneton, nesse momento existem vários economistas pensando em como sustentar
Mas é mais fácil para os anunciantes quando o blog ou site é dirigido, para as farmácias, vestuário, economia…
J.F. – O Nassif tem anúncio da Caixa Econômica, de banco, carro… Você pode não saber quem entra num site como UOL ou Terra, grandes portais, tem desde menino querendo ver futebol, mulher pelada, tem de tudo. Agora, num site dirigido como o do Nassif, são pessoas adultas, interessadas em política, um grupo formador de opinião. Por isso, no lançamento do meu documentário fizemos a mídia dirigida. Quem são as pessoas que se interessam por jornalismo? Escolas de jornalismo, faculdades de jornalismo, professores de jornalismo. Foi publicidade direta para um público mais quente.
O jornalismo não vai morrer?
J.F. – Não. Imagina.
O que vai morrer são os jornais?
J.F. – Como a gente vai viver
Na banca onde antigamente a gente ficava em dúvida sobre que jornal comprar, agora
JC – Pois é, tinha o Movimento, o Pasquim, o Opinião… o que não era nada perto dos anos 1940 e 50, quando
Aqui você tem de ser um leitor muito bom para saber.
J.F. – Eu espero que o filme sirva para educar os leitores. Coloquei uma frase, um dos lemas do Pasquim: “Se você não está em dúvida é porque foi mal informado”.
E, como o Janio de Freitas disse, “tomara que os jornais não dispensem os jornalistas”.
J.F. – E ele diz uma frase que encerra o filme: “O jornalismo depende do jornalista”.
******
Norma Couri é jornalista