Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Adorno e a decadência dos programas de TV e rádio

No ensaio denominado A indústria cultural – O Iluminismo como mistificação das massas, o filósofo alemão Theodor Adorno, membro da lendária Escola de Frankfurt, desenvolve uma interessante reflexão sobre a atuação dos meios de comunicação de massa. Para ele, o termo “cultura de massa” é inadequado para definir determinadas produções difundidas nos grandes veículos de comunicação, pois não se tratam de formas espontâneas da criatividade humana, mas apenas “produtos” para serem vendidos no mercado, “fabricados” exclusivamente para gerarem lucros para os empresários da mídia. Ademais, também é importante ressaltar que esses “produtos” não são realizações culturais da massa, mas “cultura para a massa”.

Feitas as devidas ressalvas, é importante fazermos um diálogo entre as ideias de Adorno e a degradação dos conteúdos das programações televisivas e radiofônicas no Brasil pós-ditadura militar. De acordo com Adorno, as produções da “indústria cultural”, introduzidas como mercadorias, condicionam atitudes passivas de seus consumidores e buscam a formação de “cidadãs conformistas”. Em outros termos, são poderosos mecanismos de dominação simbólica. Assim, enquanto no período ditatorial havia em nosso país uma censura direta às produções que questionavam o status quo, atualmente há uma “censura branca” nos grandes veículos da mídia contra determinadas obras que poderiam levar a população a uma maior reflexão. É fato que na atual conjuntura midiática brasileira imperam produções de questionável qualidade artística e intelectual.

Diante desse quadro, não é por acaso que, desde pelo menos a década de 1990, as paradas de sucesso predominantes nas emissoras de rádio e televisão são ditadas por “ciclos musicais”: “ciclo sertanejo”, “ciclo do pagode”, “ciclo do axé”, “ciclo do funk carioca”, “ciclo do sertanejo universitário”. Músicas descartáveis, feitas sob medida para alienar as massas. A receita é demasiadamente simples: a população é bombardeada incessantemente por um determinado “estilo” musical, grupos surgem por atacado, ouve-se um único tipo de música até a sua exaustão, e depois, quando todos estão saturados, parte-se para outro estilo musical (o anterior é peremptoriamente esquecido) e seguem-se as mesmas etapas desse processo.

Comportamento dócil

Para Adorno, distinções enfáticas, como músicas ou programas destinados a uma determinada classe social não são fundadas na realidade, mas são mecanismos para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los. Sendo assim, cada indivíduo deve se comportar “espontaneamente” segundo o seu nível e dirigir-se à categoria de massa que foi preparada para o seu tipo. Isso explica os motivos que fazem com que o sertanejo universitário e o funk ostentação (que ressaltam em suas letras o “carrão”, a roupa de grife e a balada da moda) sejam a trilha sonora dos membros da “nova classe média”, pois este é o estilo de vida que se espera desses indivíduos: muito consumo e pouca capacidade intelectual.

Ainda segundo Adorno, o efeito colateral da vertiginosa expansão dos meios de comunicação de massa é o nivelamento cultural por baixo. A maior parte da população do Brasil não tem boa instrução; assim surge um grave problema: os meios de comunicação de massa se expandiram em nosso país antes que a educação de qualidade se universalizasse nas classes menos abastadas. Por isso, os ídolos fabricados pela indústria cultural acabam sendo bem aceitas pela população em geral.

Lembrando o supracitado pensador alemão, o lazer não é mais simples diversão ou entretenimento. Há um imenso maquinismo denominado “indústria cultural” visando obter um comportamento dócil e uma multidão domesticada, através da exploração sistemática de bens culturais. Em suma, esta é a anódina realidade de um país onde as autoridades politicas nunca se preocuparam em fomentar um sistema educacional público de qualidade, as elites econômicas se limitam a mimetizar padrões de consumo das nações desenvolvidas e os indivíduos que ascendem socialmente não pretendem melhorar sua formação intelectual.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena