Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Esclarecimento sobre o texto ‘O jogo dos erros’

Não temos como esconder: ficamos surpresos ao ler o texto “O jogo dos erros“, assinado por dois indigenistas e publicado no Observatório da Imprensa, sobre a reportagem “Terra contestada”, do Diário Catarinense. Não por se tratar de crítica, mas pelas falhas que foram apontadas. Na primeira delas eles afirmam que há um erro grotesco na ilustração da reportagem publicada no jornal. Disseram os autores que o cocar utilizado não é guarani, mas pataxó, usado por indígenas que vivem no extremo sul da Bahia e no norte de Minas Gerais.

Esclarecemos: o cocar que ilustra a reportagem é a reprodução de uma fotografia feita em Morro dos Cavalos, portanto dentro da área em questão. É do fotógrafo Alvarélio Kurossu, de outubro de 2013. O cocar estava, sim, sendo usado por um índio de Morro dos Cavalos. E a foto original está aí, disponível a todos, para quem quiser ver, rever e comparar.

Os autores do texto, Cristiano Mariotto e Nuno Nunes, não informam. No entanto, é necessário esclarecer que, além de filósofo e indigenista, Nunes é membro da ONG Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e também atua na Funai. Tanto a ONG quanto a fundação são retratadas na reportagem como partes envolvidas no processo de demarcação da terra indígena Morro dos Cavalos, alvo de questionamento judicial hoje na esfera do Supremo Tribunal Federal.

Infelizmente, o texto usa os índios como escudo – para desviar o foco do que realmente é abordado na reportagem, o envolvimento da ONG e da Funai no caso. O texto “O jogo dos erros” não trata de um dos pontos-chaves da questão: o destino dos mais de R$ 11 milhões recebidos pela Funai por compensação ambiental pelas obras de infraestrutura na área indígena. A reportagem procurou a Funai oficialmente – e também via Lei de Acesso à Informação – e não teve resposta. Trata-se de dinheiro público, do nosso e do seu bolso, e que deveria ser direcionado aos índios. Mas, além de não ter destino esclarecido, não há nenhuma garantia de que tenha chegado aos indígenas.

ONG e Funai tiveram espaço na reportagem

O Diário Catarinense ouviu e deu voz aos índios: ao que deu origem ao processo de demarcação (Milton Moreira), ao primeiro a migrar para o litoral de Santa Catarina nos anos 90 (Augusto Silva) e ao indígena que foi cacique em Morro dos Cavalos até 2009 (Arthur Benites). O que eles falam? Que o local é inadequado ao plantio, que viviam dependentes de programas sociais e mal sobrava dinheiro para a alimentação, que migraram em caminhões fretados pela Funai e que foram induzidos por antropólogos. Temos gravações em vídeo e áudio revelando isso, disponibilizadas aos leitores no site do jornal.

Ao contrário do que diz no texto “O jogo dos erros”, a reportagem se consolida em documentos oficiais usados no processo de demarcação da terra indígena, em que constam estudos elaborados pela própria Funai e análises da área técnica do Tribunal de Contas da União – além do depoimento de indígenas. Morro dos Cavalos é um caso de interesse público, que envolve direitos humanos, e deve, sim, estar nas páginas de um jornal.

Assim como o antropólogo Edward Luz teve espaço na reportagem – porque é autor de um laudo oficial apresentado pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina, que contesta os estudos elaborados pelo CTI –, a ONG citada e a Funai também tiveram. E tiveram um espaço maior. Quatro páginas inteiras foram destinadas à presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, e a antropólogos do CTI (foram publicadas duas páginas de uma entrevista sem cortes com Maria Inês Ladeira e Gilberto Azanha). A mesma reportagem não esconde dos leitores que Edward Luz é desafeto da Associação Brasileira de Antropologia. Está escrito na matéria.

Interesse em desqualificar

Os autores de “O jogo dos erros” desqualificam outros dois pesquisadores citados na reportagem porque eles não têm estudos sobre os índios de Morro dos Cavalos. Mas omitem que ambos se manifestaram sobre a relação ONG-Funai e sobre a atuação da Fundação do Índio no país (da qual têm, sim, pesquisas realizadas) e não sobre o caso específico.

Textos como o “O jogo dos erros” têm como interesse apenas difamar e desqualificar – em vez de promover o debate. Temos documentos, vídeos, áudio, fotografias de tudo o que foi publicado na reportagem. Leviano seria ouvir o depoimento de um indígena que diz com todas as letras “o índio não é o culpado, o índio está sendo usado” e se calar. Seja esse índio guarani ou pataxó.

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Edgar Gonçalves Jr. e Ivan Rodrigues são editores do Diário Catarinense