É difícil que qualquer análise sobre os meios de comunicação entre oficialmente na campanha político-eleitoral no Brasil, no que tange, é claro, ao que é colocado para um maior público através da propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na TV. Isso acaba por refletir o quanto o debate público sobre o tema fica submerso na ilusão criada de que qualquer opinião mais crítica aos meios possa significar censura, ainda que um processo de regulação ocorra em todo mundo, até mesmo por se tratar de um negócio que movimenta muito dinheiro, para além do potencial de difundir informações.
Comentei em junho sobre a diferença entre as reclamações do Partido dos Trabalhadores sobre a cobertura dos grandes grupos midiáticos brasileiros e a dificuldade, enquanto governo, de propor o debate para mudanças na regulação da radiodifusão de distribuição gratuita no país, que segue sob as normas do Código Brasileiro de Telecomunicações, promulgado em 1962. Como imaginava e relatei, mais uma vez o tema saiu do projeto da candidatura comandada pelo PT, apesar da aprovação no Congresso do partido.
Mas as eleições majoritárias de 2014 trazem elementos diferentes quanto à temática. Já na primeira semana de horário eleitoral, o ex-presidente Lula apareceu na publicidade da presidenta Dilma Rousseff (PT) criticando a mídia, que parecia ser mais oposição que os partidos colocados como tal ao focar apenas nos possíveis problemas do país. Destaque-se ainda que o assunto, entre os militantes do partido, sempre aparece no período eleitoral – geralmente ligado a uma cobertura diferente quando comparada a de outros candidatos –, mas há certo receio de expor isso na campanha.
Nem monopólio, nem uso indevido
Pois bem, feito este prólogo, o primeiro debate eleitoral entre os candidatos a presidente da República, realizado pela Band no final de agosto, colocou este tema em pauta. Inicialmente comentado rapidamente como uma provocação pelo candidato Aécio Neves (PSDB) numa das intervenções com a candidata a reeleição Dilma Rousseff (PT), que neste caso não citou a acusação de ir contra a liberdade de imprensa. Depois, através de um dos jornalistas indicados a fazerem perguntas, o que diz muito sobre como os grupos midiáticos nacionais pensam o tema.
Boris Casoy alçou o controle social da mídia, tendo em vista a democratização da comunicação, ao patamar de “um assunto importante e grave, que envolve a liberdade do país”. Boris destacou também que a presidenta teria criado uma barreira sobre o tema, “apesar da insistência do seu partido”. Curiosamente, apesar de tratar do PT e da candidata a reeleição, a pergunta foi direcionada ao candidato Eduardo Jorge (PV), com comentários, e menos tempo, portanto, para que Dilma respondesse.
Destaque do debate nas mídias sociais – especialmente por iniciar com proposições sobre a liberalização da maconha –, Eduardo Jorge não deu bola para o tema, dizendo que concordaria naquele ponto com o posicionamento da presidenta usando muito pouco do seu tempo. O candidato do PV demonstrou também a falta de conhecimento e de debate sobre os meios de comunicação mesmo nos partidos que se apresentam como “alternativa” na campanha. Esta crítica vale também para partidos mais radicais, que falam sobre as consequências disso, caso de não participarem de debates, mas não das causas. Não à toa só o projeto da candidata do PSOL, Luciana Genro, faz uma crítica com melhor análise ao propor a regulação do setor – ainda que o assunto não tenha aparecido neste debate e nem na propaganda eleitoral.
Pela primeira vez desde que assumiu a indicação como candidata ainda no final do governo Lula, Dilma falou sobre o tema. Ainda que instada a fazer isso, deu uma resposta razoável, não fugindo de tratá-lo, mas sabendo como colocar os argumentos sem alimentar as provocações presentes em quem fez a pergunta. Disse a candidata que a liberdade integral aos meios de comunicação, junto às liberdades de expressão e de imprensa, eram valores básicos da democracia, mas que da mesma forma que em qualquer setor de mercado, seja telefonia ou portos, no setor midiático também não poderia “haver o monopólio e o uso indevido daquele meio”. A candidata defendeu a regulação econômica, entendendo-a como importante também “para a internet e para todos os setores ligados à manifestação do pensamento”.
Investigação e divulgação
Repetimos, foi a primeira vez que a opinião da presidenta foi ouvida, para além de relato de bastidores e de seu ministro da Comunicação, Paulo Bernardo. E se isso poderia ser visto como ponto positivo, também se pode vê-lo como tardia, já que nada foi feito para a renovação da regulação do setor, importante inclusive para adequar a área ao imenso avanço tecnológico em 50 anos após o CBT, mesmo com um pré-projeto deixado pelo secretário-geral de Comunicação do governo anterior Franklin Martins. Além disso, seguiu fora do projeto de governo entregue ao TSE em caso de reeleição. Foi necessário que um jornalista empurrasse o assunto como se tratasse de algo a não ser tocado – como as privatizações e questões sociais tais quais a legalização do aborto e a união civil LGBT.
Uma grande coisa desse processo foi o escancaramento da linha editorial da Band. Essa questão só foi um dos destaques das perguntas dos jornalistas do grupo Bandeirantes, José Paulo de Andrade, Fábio Pannunzio e Boris Casoy. Coisas como “bolivarização do Brasil” e “radicalismo ambiental” também foram ouvidos a partir de questões vindas deles, cujo direcionamento mais crítico foi para Marina Silva (PSB) e Dilma Rousseff (PT) – além de uma tentativa de interpretar os movimentos de junho de 2013 a partir do foco do combate à violência, negado pela candidata Luciana Genro (PSOL).
Nas entrevistas realizadas por William Bonner e Patrícia Poeta para o Jornal Nacional nos pareceu clara a intenção de impor o estímulo ao “apolítico”, pregado inclusive após a apropriação dos movimentos do ano passado por parte dos grupos midiáticos, que passaram a diferenciar manifestantes de vândalos. O JN gastou a maior parte do tempo para pressionar os candidatos sobre possíveis falhas na carreira política que para questioná-los sobre projetos – ou, quem sabe, tentar explicar o porquê todos os candidatos com representação parlamentar entrevistados com maior tempo tiveram problemas, que envolve questões estruturais e de relações de poder que não são tocadas pelos grupos tradicionais de comunicação. Os casos foram postos como se a difusão do tema à época do surgimento do fato tivesse sido amplamente divulgada, o que não ocorreu, provavelmente, para além do “mensalão do PT”. Investigação e relato sobre um acontecimento só ocorre se a figura pública for candidata a presidente?
Tentativa de não discutir regulação
O caso da Band é interessante porque há militantes de movimentos sociais que optam por mirar no agora Grupo Globo quando se trata de protestar contra os grupos midiáticos brasileiros. Já li e ouvi muitos dizerem, por exemplo, para assistirem um jogo na Band porque tiraria a audiência da líder do oligopólio nacional. Se visto de forma crítica, o discurso de seus jornalistas no debate – com provavelmente o mais crítico deles, Ricardo Boechat, ocupando o cargo de mediador, sem direito a questionar –, demonstra que ter opinião não é problema para a emissora, que tem um programa de entrevistas como o Canal Livre aos domingos desde os tempos da ditadura militar.
Ao mesmo tempo, demonstra que a luta por uma regulação da mídia que envolva os reais interesses sociais, com novas vozes sendo difundidas e novas formas de organização de mercado, significa uma análise geral sobre as poucas famílias que controlam os grupos comunicacionais brasileiros. Não só buscando a líder deste mercado.
A postura contrária a uma mudança de mercado que poderia criar, inclusive, melhores condições de concorrência poderia melhorar a posição do grupo dos Saad no setor, em que reclamações sobre a dificuldade em incluir seus canais nas distribuidoras de TV fechada já ocorreram em anos passados. Tal posicionamento contrário a qualquer mudança na regulação do setor indica algo.
Ainda que o tema tenha aparecido como uma tentativa de empurrar contra a parede uma das candidatas, a necessidade de renovação da regulação da mídia, com maior participação social do processo, existe e deveria ser mais debatida, inclusive para além do período eleitoral. Exemplo mais claro que o da Comissão Federal de Comunicações (FCC) nos Estados Unidos, um dos mercados mais liberais do mundo, não há para dizer que regulação não é censura.
A tentativa de não discutir o tema de jeito nenhum por supostamente “envolver a liberdade do país” só serve aos interesses de quem deseja deixar as coisas como estão, com uma líder de mercado com propriedade em várias instâncias midiáticas que utiliza suas barreiras para dificultar a entrada de novos agentes de mercado e evitar uma concorrência sob condições parecidas. Além de os acontecimentos a serem difundidos para um maior número de pessoas seguir restrito às ordens de um pequeno grupo de famílias.
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Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação