Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

Tal como um zumbi de filme B, a pergunta estampada no título desta coluna é daquelas que nunca morrem nem dão trégua. Há 25 anos, desde que foi instituído o cargo de ombudsman, ela tem sido repetida por leitores de matizes variados que enxergam no jornal a preferência por um ou outro candidato –principalmente “o outro”.

A pergunta é quase sempre retórica. Quem questiona já partilha da convicção de que, embora se declare apartidário, o jornal defende determinado candidato ou partido e faz uma cobertura parcial dos fatos, destinada a beneficiar seu escolhido. Por isso, “assumir” seria mais honesto ou menos hipócrita.

Acho que há um erro de fundo nesse raciocínio. A declaração de apoio a um candidato não significa que o noticiário vai se subordinar à escolha feita, e que os fatos serão modelados de acordo com ela. Nenhum jornal sério arrisca sua credibilidade de forma tão primária. O apoio se limita aos espaços destinados à opinião.

Maior e mais famoso jornal do mundo, o “New York Times” faz o chamado “endorsement” a um dos postulantes à Presidência dos EUA desde 1860, quando endossou a candidatura de Abraham Lincoln. Em 39 eleições, o “Times” apoiou 12 republicanos e 26 democratas. A exceção foi em 1896, quando o escolhido foi John M. Palmer, do Partido Nacional Democrático. O endosso é importante, mas não garante vitória. Os candidatos apoiados venceram 24 das 39 eleições.

No Brasil, o exemplo mais próximo é o do “Estado de S. Paulo”, que passou a avalizar candidaturas em 1985, com a volta do regime democrático. Na campanha estadual de 1986, o escolhido foi Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014), candidato pela coligação PTB-PL-PSC. Em 2000, para a Prefeitura de São Paulo, a petista Marta Suplicy. Nas últimas eleições presidenciais, o apoiado foi o tucano José Serra.

“A decisão se dá no âmbito das páginas de Opinião, cuja governança é autônoma e independente da direção de Conteúdo, responsável pela prática jornalística diária”, explica Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do Grupo Estado. A tomada de posição não é obrigatória, embora venha ocorrendo sistematicamente desde então.

A postura está em consonância com a política editorial do jornal. “A história de 140 anos do Estado’ é permeada pela clareza de ideias e propósitos. Esse tipo de manifestação está em linha com esses valores”, afirma Gandour.

Na Folha, o raciocínio é diferente. “O apartidarismo é um princípio editorial, uma característica doutrinária do jornal”, afirma o editor-executivo, Sérgio Dávila. Fosse uma religião, a neutralidade partidária seria o seu dogma.

Apoiar (ou não) é um cânone do veículo, não do jornalismo. Pessoalmente, acho que as duas escolhas são igualmente válidas, e não veria problema caso a Folha resolvesse “assumir” uma preferência, desde que as razões fossem explicitadas de forma transparente no espaço reservado para a opinião do jornal.

Quando a escolha é baseada na identificação com um programa defendido de forma clara e consistente pelo candidato, a declaração de apoio não afronta o apartidarismo.

Os princípios e posições da Folha são conhecidos e constantemente reafirmados em editoriais –neste ano, estão sendo também enfatizados em campanha publicitária. Seria perfeitamente legítimo o jornal declarar sua preferência circunstancial por uma candidatura que professasse o mesmo ideário.

O problema é que não acredito que a tomada de posição resolvesse a insatisfação de parte do leitorado. Nas mensagens que recebo, pouco se reclama da opinião manifestada em editorial. O que costuma incomodar é o conteúdo difundido para além da página A2.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo