Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O importante papel do comentário no jornalismo

O jornalismo é um importante instrumento de informação para uma sociedade. Ou, pelo menos, deveria ser. Conforme nos lembra Gradim (2000), cabe ao jornalista o sentido crítico e, sendo assim, se insere a importante contribuição que a sociedade pode receber através e a partir de opiniões consistentes, bem fundamentadas, as quais podem ajudar a formar e/ou [re]formar a opinião pública. Um exemplo dessa contribuição foi possível ser conferido na última sexta-feira (5/9) no programa Café com Jornal, da Band, pelo jornalista Ricardo Boechat, quando comentou a respeito de três assuntos, dos quais destaco dois: financiamentos das campanhas eleitorais por empresas e a relação da candidata Marina Silva com o agronegócio.

Há muito se percebe – quem reúne condições para tal – que o jornalismo vem, a cada dia, deixando de ser um importante instrumento capaz de proporcionar à sociedade brasileira condições para realizar reflexões cotidianas acerca de inúmeras questões sociais, políticas, culturais, históricas – as quais dizem respeito direta e indiretamente à vida das pessoas. Há uma tentativa desenfreada de reduzir a objetividade à falta de criticidade, o que, para mim, prejudica sobremaneira as contribuições que essa atividade da comunicação poderia proporcionar. É claro que nesse contexto não se pode deixar de lado a questão mercadológica – e também política – tão decisiva nas escolhas das narrativas das empresas jornalísticas. No entanto, há que se considerar que, em muitos momentos, certos profissionais gozam de razoável liberdade para proporcionar ao leitor, ao telespectador e ao ouvinte alguns discursos mais críticos – e não o fazem. Fica nítida, nesses casos, a falta de preparo, de formação e, mesmo, a total compatibilidade desses profissionais com o establishment.

Na sexta-feira, Ricardo Boechat, durante o espaço de comentarista que ocupa na revista eletrônica Café com Jornal, mostrou que é possível o jornalismo servir como importante suporte para a formação de uma opinião pública consistente. Ao comentar sobre os financiamentos de campanhas eleitorais por empresas, o referido jornalista deixou muito explícito para aqueles que não o tinham claro, de modo bastante didático e objetivo, que os capitalistas sabem que as estruturas de governo no Brasil são compráveis, pois, “não fosse assim, nenhum deles financiaria, simultaneamente, todo mundo”, referindo-se a candidaturas que se mostram diferentes, como os casos de Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva.

O sentido crítico da realidade

Boechat, em um comentário bem fundamentado, crítico e claro, disse para quem pôde ver e ouvir que qualquer das três candidaturas que vencer as eleições majoritárias no Brasil agora em 2014 terá que pagar a seus financiadores, leia-se empresas. Ao realizar dito comentário, o jornalista deixa claro ao telespectador – e principalmente a quem acumula a condição de eleitor – que, ao votar em candidaturas financiadas por grandes empresas não se pode esperar outra coisa senão o compromisso das referidas candidaturas com seus financiadores; e que, portanto, o compromisso de quem assume o cargo político nessas condições não será com o povo. Talvez para muitos eleitores isso seja óbvio – eu não creio, considerando as limitações que compõem o perfil do eleitorado brasileiro (conforme o TSE, do total do eleitorado, 5% é iletrado, 30% não possui ensino fundamental completo e 19% tem ensino médio incompleto). É claro que há as exceções, mas não se pode esperar um aguçado sentido crítico de uma população votante com esse perfil.

Do mesmo modo como se referiu ao financiamento das campanhas, o jornalista comentou aquilo que denominou de “risco Marina”. Conforme Boechat, da mesma maneira como se alardeou que se Lula vencesse as eleições o sistema financeiro bancário e os empresários de um modo geral seriam sacrificados, alguns setores afirmam que Marina Silva, se eleita, desestabilizaria o agronegócio. O jornalista foi taxativo em seu comentário afirmando que jamais o capitalismo fora tão bem sucedido no Brasil como nos governos do ex-presidente Lula, destacando, nesse cenário, a figura dos bancos [leia-se banqueiros]; e, nessa mesma linha, afirmou que, quanto ao agronegócio, continuará sendo o pilar da economia brasileira, visto que Marina Silva, se eleita, não será a de antes, quando ministra do Meio Ambiente, ressaltando que “ela vai se adaptar”, que “eles são iguais”.

É salutar ver comentários assim na televisão, meio de comunicação que ocupa a primeira colocação em termos de audiência no país conforme pesquisas [como, por exemplo, a Pesquisa Brasileira de mídia 2014, disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/PesquisaBrasileiradeMidia2014.pdf]. Mesmo considerando que a audiência do Café com Jornal não seja a mesma que a audiência do Jornal Nacional, por exemplo, é sempre positivo, para a sociedade brasileira, ou parte dela, ainda que seja mínima, deparar com um jornalismo desse quilate, capaz de despertar o sentido crítico da realidade. Porque, conforme adverte Rossi (1980, p. 9): “[…] é imperioso que a imprensa se debruce sobre os porquês”; ou, conforme afirma Lippmann (2010), cabe à imprensa fazer com que episódios saiam da escuridão e se tornem visíveis.

Referências

GRADIM, Anabela. Manual de Jornalismo. Covilhã, Portugal: Edições Universidade Beira Interior, 2000.

ROSSI, Clovis. O que é jornalismo? São Paulo: Brasiliense, 1980.

LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Tradução Jacques A. Wainberg. Petropolis: Vozes, 2010.

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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madri, Espanha, e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA