Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

É Aranha, e não macaco

E lá vamos nós para mais uma polêmica que tomou proporções absurdas nas últimas semanas. No calor do jogo, na tristeza e na raiva pela derrota de seu time, Patrícia Moreira xingou de “macaco” o goleiro Aranha, do Santos. Bem que podia ser mais um dos milhares de casos de xingamento nos campos de futebol. Mas não foi. A ofensora não representa a camada menos abastada da população, não representa aqueles aos quais a cultura e a educação nem perto passa. A acusada pelo ato abjeto é uma auxiliar de odontologia na clínica da Brigada Militar gaúcha. Aqui cabe a pergunta: podemos culpar a ignorância e a falta de cultura e educação pelos atos desprezíveis que presenciamos hoje, não somente no Brasil, mas no mundo todo?

Seria correto dizer que tal comportamento é típico dos ignorantes e daqueles que quase não têm vida social, dos que moram em becos e vielas e lugares pútridos esquecidos pelas autoridades, onde o crime e a pobreza grassam. Seria. Hoje vivemos em uma sociedade tão caótica e tacanha de bons exemplos que aquilo que deveria ser regra – a educação e a grandeza de espírito para se reconhecer a diversidade, depois de milênios de sabedoria e nomes como Platão, Sócrates, Descartes, Kant, Kierkegaard como orientadores – é relegado a planos inalcançáveis.

Tem-se, nesta situação, dois lados que sofrem. Mesmo porque não se pode negar que a vida da agressora mudou para pior, para muito pior. Perdeu emprego, teve casa apedrejada e parcialmente incendiada talvez não consiga recuperar a idoneidade que durante anos lutou para construir. Tudo isso por causa daquilo que disse o grande Armando Nogueira: “O futebol exaspera a paixão e a paixão é meio selvagem”. É bem provável que os advogados de Patrícia nem saibam bem quem foi Nogueira. Mas deveriam, assim poderiam fazer toda a defesa, justa e de direito, da mulher mais odiada hoje no país.

Macacos brancos

Do outro lado Aranha, que aguentou toda a humilhação, durante bastante tempo, presente em todas as torcidas, de todos os times do Brasil. Agora, quando escutou ser chamado de “macaco”, não teve sangue frio de jogador profissional e acostumado com as zombarias que suportasse, veio-lhe à mente todo o histórico de falta de respeito e menosprezo dedicado aos negros por séculos na caminhada da humanidade neste planeta.

Aranha representa, neste momento, todas as minorias que sofrem algum tipo de constrangimento, para dizer o mínimo. Aranha personifica um ser achincalhado e que muitas vezes não tem direito à defesa, não tem voz para se erguer contra o ódio que impera na sociedade.

Vivemos em uma época de total transformação, tal qual o Renascimento do final da Idade Média. Porém, nem toda a sabedoria e cultura acumulada parecem fazer frente ao sentimento de superioridade que uns poucos ignorantes ainda nutrem e expõem nos mais diferentes locais, desde uma sala de aula, com uma professora esfaqueada dezesseis vezes por um aluno, passando por uma maracutaia gigantesca na Petrobras, e chegando finalmente a Patrícia Moreira, que pode ter medo de aranha, mas infelizmente parece não saber que no mundo há várias espécies de macacos brancos.

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Jorge Luiz dos Santos Junior é professor