Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘O impresso sobreviverá’

Marcelo Kieling é consultor de marketing e gestão de jornais impressos. Trabalhou em O Dia, do Rio de Janeiro, nos anos 1990 e em 2010. Orgulha-se da tiragem de mais de 1 milhão de exemplares em uma única edição, obtida sob sua gestão, na primeira passagem pela empresa. O recorde se deveu a uma atração extrajornalística – um brinde, a capa dura de um atlas geográfico que seria posteriormente vendido em fascículos. Entre outros veículos, o consultor passou ainda pelos jornais Meia Hora, Marca, Brasil Econômico, Lance!, Povo do Rio e Folha da Manhã, de Campos (RJ). Hoje, dá assessoria ao Jornal Corporativo.

Na entrevista abaixo, Kieling defende a qualidade do jornalismo como atributo decisivo da sobrevivência dos impressos, de cuja viabilidade está convencido, entre outras razões porque a internet não tem a mesma credibilidade e por entender que a qualidade da leitura em telas ainda deixa a desejar.

Eis a entrevista, concedida por correio eletrônico.

Credibilidade

Qual é seu prognóstico para o impresso?

Marcelo Kieling – A mídia impressa sobreviverá por muito tempo, pois entendo que o modelo de negócio vai ser complementado pelo digital. Sobreviverá porque é conveniente. A mídia impressa reúne as pessoas em torno de assuntos e temas com uma credibilidade que a internet não consegue passar. Falta confiança! A mídia impressa traz sempre um relato do cotidiano para todos com os fatos e análises. É um valor para o indivíduo.

Vejo ainda também o fato de que ao longo da história tem sido muito raro que uma mídia realmente importante desapareça. Apesar dos vários anúncios das suas mortes, o rádio sobreviveu à televisão; o cinema sobreviveu à televisão e ao DVD; o CD e o DVD vêm sobrevivendo, pelo menos por enquanto, à internet.

Assim, por que a mídia impressa, que é prática, barata, acessível, e está incorporada na nossa cultura, desapareceria sufocada pelas novas tecnologias? Não. Basta ver o número de livros que vêm sendo lançados e que a Amazon passou a vender livros físicos também no Brasil. Por quê? Porque eles nunca deixarão de existir.

Adaptar-se e renovar-se

Vejo que o mercado jornalístico precisa passar por um processo de adaptação e renovação, mas creio que os principais veículos devem continuar existindo. Acredito que o modelo impressão-distribuição será reduzido. Os custos de papel, gráfica e logística representam parte importante na planilha de custos dessas empresas. A digitalização vai baratear a cadeia toda e permitir às empresas dedicar mais energia à sua atividade principal, que é fazer jornalismo.

Não acredito no fim do impresso.

Quais são as condições para que os impressos sobrevivam?

M.K. – Continuarão vivos os veículos que compreenderem que seu negócio é fazer jornalismo para públicos segmentados e específicos. E também aqueles que deixarem de colocar “curiosos” ou “aventureiros” na gestão de atividades essenciais para as empresas e produtos.

A mídia impressa deve concentrar sua atenção mais na produção de reportagens aprofundadas sobre os fatos e em análises mais sistemáticas das notícias. Além disso, creio que é importante que jornais e revistas invistam em colunistas fixos e convidados, capazes de darem opiniões mais qualificadas e bem elaboradas sobre os diferentes fatos noticiados.

Politização

Os jornais tomam posição, aberta ou veladamente, não apenas na página de editoriais, que existe para isso mesmo, mas também na maneira de selecionar os assuntos, construir as pautas e editar as matérias. Nota-se também que a seleção dos colunistas é enviesada. Nem poderia ser de outra maneira. Como vê essa politização?

M.K. – Não há fórmulas para fugir da publicidade estatal, mas não vejo como necessária a relação do conteúdo com vínculos partidários. Veja que falo de vínculo partidário e não vínculo político, pois entendo que todas as redações devam estabelecer a ordem da política para toda aquela sociedade para quem escrevemos todos os dias. Pois se tivéssemos uma visão de vínculos, as religiões também determinariam os processos de compra e leitura. E, mesmo tendo alguns líderes religiosos tentado fazer isto, a mídia vive livre destes rótulos. Quanto aos articulistas e colunistas, a posição sempre será muito personalizada. Para que as redações possam estar livres de estigmas de lados ou funis de pensamento, é necessário que se tenham diferentes correntes sendo abordadas e debatidas por diferentes profissionais. O risco sempre existirá e o mais aconselhável é que se tenha algum equilíbrio de posições e opiniões, para que este risco não seja até mesmo explorado pelos concorrentes no mercado.

Tiragens crescem

Que outra consideração o leva a acreditar na sobrevivência dos impressos?

M.K. – Apesar das ameaças que a internet apresenta para os veículos impressos, em várias localidades as tiragens não param de crescer. Como explicar isso? Nas economias emergentes, milhões de pessoas ainda não consomem nenhum produto editorial. Há um imenso mercado para o crescimento da indústria de comunicação – eletrônica e impressa. Penso que, na medida em que essas populações alcancem níveis mais elevados de educação e de poder aquisitivo, vai haver crescimento de todas as mídias, inclusive da “tradicional” mídia impressa. Não há verdadeiramente razão para deixar de existir algo que se mostra eficaz. É sensato que as sigam coexistindo e interagindo. Campanhas publicitárias que utilizam múltiplos canais de comunicação têm, comprovadamente, melhores resultados.

Promoções

Os jornais cuja tiragem aumenta, quase apenas em países não desenvolvidos, são jornais populares, que custam pouco e têm conteúdo fácil para pessoas de letramento deficiente. Os jornais mais importantes do mundo perdem leitores.

M.K. – Com a ascensão de uma nova classe social, milhões de pessoas viraram consumidores. A questão é que, daqui a alguns anos, o país terá a segunda geração desta nova classe social como consumidores. Isso significa mais jovens, negros e mulheres com maior formação escolar e poder de decisão sobre o consumo de bens e serviços. Nesse novo contexto, o jornal tem de ser pensado, cada vez mais, como um produto. Por isso, é preciso deixar de lado o preconceito e estimular a sua venda por meio de promoções.

Além disso, terá de haver um redesenho da circulação, pois a nova classe C também está se familiarizando com as novas tecnologias de acesso online e isso passa a contar como audiência para o mercado publicitário.

O senhor poderia argumentar a favor do oferecimento de brindes? A posição predominante no Observatório da Imprensaé contrária a isso. No meu caso pessoal, não por uma questão de princípios, abstrata, mas porque não consigo enxergar sua eficácia. Por exemplo, o senhor fala em aumentar a base de assinantes, mas brindes têm a ver com assinaturas? Que porcentagem do público faz assinatura para ganhar brinde?

M.K. – Uma campanha de promoção é capaz de aumentar as vendas, ajuda a fidelizar clientes, além de manter os antigos. É fato que ninguém resiste a uma boa promoção. Esta é, pois, uma estratégia válida para atrair e fidelizar leitores. Isso se alia à importância de novos caminhos para obtenção de receita, além de funcionar como elemento de degustação e deixar um resíduo significativo.

Brindes: relógios

Mas, para conquistar e satisfazer o leitor, é preciso criar um vínculo de confiança que não pode ser rompido. O jornal deve cumprir o que promete e entregar o produto no prazo combinado. Para isso, é crucial que as parcerias sejam feitas com fornecedores que garantam a entrega como estipulado. E nestes casos sempre procurei ter parcerias de grande renome, como foi no aniversário de 60 anos de O Dia, quando tivemos como parceiros uma importante fabricante de relógios e trocamos mais de 50 mil relógios. O atlas geográfico vinha de fora país, com prazo e quantidades necessárias estimadas para a demanda.

Outro fator determinante é a necessidade de uma prestação de serviço diferenciada, pois isto vai definir qual fatia do mercado será ocupada pelo seu veículo.

A promoção permite o rastreamento e a recompensa de comportamento individual; tangibiliza a promessa da marca; cria valor além do custo real; e estabelece um relacionamento de continuidade.

E para encerrar esta resposta, no momento em que os jornais experimentam o avanço das plataformas digitais e passam a produzir conteúdo também para a mídia eletrônica, é fundamental procurar caminhos para reinventar a edição impressa, na medida em que a maior parte da receita das empresas jornalísticas ainda vem do impresso. A colocação de promoções ameniza algumas quedas de receita, pois o produto com algum elemento promocional tende a ter uma venda crescente e uma redução do encalhe.

Leitura mais atenta

O senhor apresenta como diferencial a qualidade da leitura, melhor em papel do que no meio digital. Mas essa distância tende a diminuir.

M.K. – A mídia impressa pode propiciar melhor leitura e esse é um forte argumento a favor dela. Até agora a qualidade de textos e imagens impressas continua insuperável em comparação com a das mídias eletrônicas. As desvantagens da informação impressa parecem ser a demora na sua atualização, a impossibilidade de navegar para informações complementares e ausência de animação. No entanto, tudo isso pode ser mais adequado para uma leitura atenta e concentrada. Recursos de hipertexto e animação podem distrair a atenção e desviar o foco do leitor.

Por uma questão de preço e de portabilidade, as telas dos tablets e e-readers são relativamente pequenas. A mídia impressa pode aproveitar a abundância de espaço para oferecer imagens mais impactantes e textos mais bem diagramados, tornando a leitura muito mais agradável e confortável. Nas telas das mídias eletrônicas a falta de espaço torna difícil estabelecer hierarquias visuais que ajudem o leitor a decodificar a informação.

Há conteúdos profundos e superficiais na internet, assim como há conteúdos bons e ruins em veículos impressos.

E já se fala em mídia programática, com alguns anunciantes virando produtores de conteúdo, retendo parte da verba que seria destinada aos veículos tradicionais e que financia tradicionalmente o jornalismo de qualidade. Os veículos têm pela frente a missão de reforçar, junto ao público, a relevância do seu conteúdo e a sua importância para a sociedade.

Novos assinantes

Acha possível conquistar novos assinantes? Os jornais que tradicionalmente os têm veem seu número cair. E os jornais de maior tiragem não costumam ter assinantes.

M.K. – Estamos lidando com uma sociedade que, como consumidora de informações, é cada vez mais qualificada. O alerta já foi ligado na educação, por exemplo, que busca outros modelos, em função desse novo contexto e suas amplas implicações, não apenas tecnológicas.

Um dos caminhos importantes é buscar novos assinantes para os jornais. Contudo, isso implica um esforço maior dos jornais no sentido de aprofundar seus mecanismos de transparência e credibilidade, bem como ampliar suas formas de contato e parceria com seus assinantes. O importante é que o leitor não apenas confie na fonte que lê, se informando das notícias, mas que seja capaz de pensar criticamente sobre as mesmas.

Sempre defendi que existia um tripé para o sucesso da mídia impressa: Conteúdo, Abrangência e Disponibilidade.

>> Conteúdo = a melhor informação com a melhor análise;

>> Abrangência = a mais variada forma de cobertura jornalística com uma maior área de distribuição do veículo;

>> Disponibilidade = o veículo deve estar disponível no maior número possível de locais para a venda.

Só que agora é necessária outra ferramenta, a Atratividade, pois a mídia impressa tem que explorar o fetiche do objeto e dar motivo para as pessoas comprarem objetos, com produtos agregados e promoções, e não só conteúdo.

Galpões Logísticos

Em que consistiu a experiência dos Galpões Logísticos de O Dia?

M.K. – Criei em O Dia projetos de grande importância para o desenvolvimento dos negócios de venda física do jornal: Galpões Logísticos e Mercados Alternativos. Quando cheguei ao jornal, em 1994, o processo de distribuição era realizado em plena Av. Presidente Vargas, com as entregas sendo feitas na rua, sem qualquer segurança e com uma enorme insatisfação de alguns donos de bancas, pois os maiores tinham alguns privilégios e isso em alguns momentos tornava o ambiente tenso. Nada mais fiz do que sugerir que os donos de bancas se organizassem em cooperativas e passassem a receber os seus repartes em galpões localizados próximos de onde ficavam as suas bancas, o que facilitaria a vida de todos. Isso dá maior agilidade ao processo de distribuição, reduz custos da operação e incrementa novas formas de controle.

O que são mercados alternativos?

M.K. – Mercados Alternativos foi a fórmula para ampliar a rede de distribuição e vendas dos jornais, colocando o jornal com mais abrangência e disponibilidade para o consumidor. Postos de combustível, padarias, lojas de conveniência e outros estabelecimentos passaram a vender também jornais e revistas.

O senhor poderia dizer algo a respeito dos jornais gratuitos?

M.K. – Tenho a impressão de que não vão ficar. Têm uma informação curta, sem a profundidade de que a notícia precisa. Souberam aproveitar os espaços públicos para a distribuição, têm uma ótima relação custo x benefício para anunciantes, mas se fossem mais inovadores e ousados poderiam fazer maiores estragos na circulação de jornais populares.

Como preservar redações

Como garantir a preservação de equipes jornalísticas de alto padrão se o produto, seja via assinaturas, seja via publicidade, não remunera suficientemente as empresas?

M.K. – No caso dos impressos, isso fica ainda mais difícil, pois é preciso vender conceitos invisíveis, como confiança e credibilidade. Também entendo que é muito importante para o mercado mostrar o quanto sua empresa ou seus negócios caminham e a mídia impressa ainda é o caminho do poder, para os dois lados.

Um quer mostrar que é o poder e outro quer mostrar que tem o poder em suas mãos.

Um sempre de olho no outro, e assim vejo que os jornais irão conseguir as verbas e receitas necessárias para a manutenção básica de qualidade de suas redações. Pois quem não tem qualidade e credibilidade está fadado a desaparecer.