Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A herança maldita

Um esplêndido conto de ficção científica mostrava como seria travada uma guerra no futuro. Um foguete era disparado contra o inimigo; no instante seguinte, as fábricas totalmente automáticas produziam um foguete de reposição. Os fornecedores de matérias-primas, automaticamente, também enviavam o material necessário para a continuidade da produção. Equipamentos computadorizados, sozinhos, extraíam os minérios, faziam a purificação, completavam os estoques das fábricas. E outros foguetes eram lançados, sempre sem intervenção humana – que, aliás, seria impossível: há muitos anos a Humanidade tinha sido extinta nessa guerra, que continuava por não necessitar de ninguém para acionar as armas.

Qual é o conto, quem é seu autor? Este colunista não se recorda; mas tem certeza de que alguém saberá qual é o livro em que consta, qual é seu autor – muito provavelmente, mas sem poder afirmá-lo com certeza, o grande Isaac Asimov.

E, seja quem for o vencedor das eleições no Brasil, terá de enfrentar uma situação parecida com a do conto. As hostilidades ultrapassaram o âmbito do debate político e chegaram muito perto do rompimento pessoal. Não é mais, apenas, a rivalidade futebolística contaminando o jogo político: já há tentativas de jogar Estados contra Estados, etnias contra etnias, religiões contra religiões. Há esforço para criminalizar divergência de opiniões. Usam-se, como se usavam na guerra, apelidos insultuosos para designar adversários políticos.

Na Segunda Guerra Mundial, alemão não era alemão, era huno, era boche. Aqui, quem não é petista é reaça, coxinha, fascistoide, traíra; o petista é petralha (um mix de petista com Irmãos Metralha), petelho, comunistinha, melancia – verde-amarelo por fora, vermelho por dentro.

E vale tudo – até a ridícula tentativa de bloquear o acesso do ministro aposentado Joaquim Barbosa ao exercício da advocacia, negando-lhe a carteira da OAB. Barbosa cometeu um crime horrendo: como ministro, votou no caso do mensalão conforme suas convicções, e condenou ícones petistas como José Dirceu e Delúbio Soares.

A imprensa, como de hábito, é o demônio de todos os lados. Perguntava-se, outro dia, por que só Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e Globo contratavam pesquisas eleitorais (o subtexto insinuava manipulação). A resposta é óbvia: primeiro, não é verdade que isso aconteça, tanto que a Confederação Nacional dos Transportes e revistas como Carta Capital contratam pesquisas com regularidade; segundo, quem é que deveria contratar pesquisas eleitorais – o GUAC, Grupo Unido de Adeptos do Chicabon? Nada mais claro do que isso: contrata as pesquisas quem tem como divulgá-las.

Um cavalheiro insistia em saber por que uma determinada pesquisa não tinha sido divulgada na terça-feira, dia que, segundo ele, estava originalmente marcado. E insinuava que, como os resultados da pesquisa não tinham sido os que o cliente queria, o atraso na divulgação era necessário para acochambrar tudo. Beleza – só que, desde que a realização da pesquisa tinha sido anunciada, informou-se que seria divulgada na quarta-feira, não na terça.

Erro de informação causado por afoiteza? Talvez; ou vontade de insinuar que os veículos, os institutos, o mundo em geral conspirava contra seus candidatos magníficos, maravilhosos, tão bons que só gente de má-fé poderia rejeitá-los. Candidatos que, aliás, podiam ser de qualquer partido: várias vezes os principais institutos, os maiores jornais, as grandes redes de TV, foram acusados simultaneamente, por diversos grupos políticos rivais, de “estar dominados” por um partido. O partido variava: conforme o acusador, o mesmo veículo de comunicação estava dominado pelos adversários, fossem quem fossem.

Reduzir esse belicismo fundamentalista é essencial para que qualquer governante possa exercer seu mandato com alguma eficiência. Juscelino Kubitschek conseguiu essa façanha, no final da década de 1950. Itamar Franco, num clima não tão áspero, também conseguiu governar com relativa calma. Mas fazer com que o exercício da política se torne novamente civilizado é coisa que vai levar muitos anos e exigir, o que não é fácil, o talento conciliatório de múltiplos Juscelinos.

 

Bamboleio

Há muitas coisas na prática política que sempre dão maus resultados. Acreditar na propaganda adversária, por exemplo. Pior ainda é acreditar na própria propaganda. Junte-se a isso a radicalização ideológica e temos o desabafo de Lobãozinho, o filho do ministro das Minas e Energia, Édison Lobão, candidato do governo federal, do senador José Sarney e da governadora Roseana Sarney ao governo do Maranhão: ele acredita (o que é terrível) ou finge que acredita (o que é tão terrível quanto) que, se for derrotado por Flávio Dino, do PCdoB, o Maranhão vai virar comunista.

Fantástico! Primeiro porque Flávio Dino, embora pertença ao PCdoB, é ideologicamente tão consistente quanto Sarney, Roseana e Dilma em seu apoio a Lobãozinho. Segundo, porque o Maranhão já é um Estado comunista: os bens, está certo, não pertencem exatamente ao Estado, mas quem comanda o Estado é que deles usufrui. E até uma das demonstrações de prestígio do regime comunista, a posse de uma dacha, uma magnífica casa de campo para passar férias e fins de semana, é há anos exercida no Maranhão. A dacha de Sarney, de dar inveja aos maiores figurões comunistas, fica na maravilhosa Ilha de Curupu.

 

Esquentai vossos pandeiros

O título que se segue é notável – não por ser ruim (o que também é), mas por demonstrar claramente que os meios de comunicação não têm ideia do que seja a organização político-constitucional do país em que circulam.

“USP decide adotar teto salarial previsto em lei”, diz o jornal importante, um dos mais respeitados do país. Mas que história é essa de “USP decide”? A decisão já foi tomada, está na lei. E um cidadão, uma instituição, não pode “decidir” se aceita ou não aquilo que a lei determina.

Segundo, o teto salarial não é “previsto em lei”. É “determinado por lei”. Quem prevê é bola de cristal e partidário ferrenho de alguma candidatura. Lei determina, os cidadãos cumprem.

Erro só do meio de comunicação? Não: erro geral, do governo do Estado, que aceitava pagar salários superiores ao teto legal, a notáveis professores, que o recebiam e mantinham a boca fechada. E quando é que foi fixado esse teto? Em 2003 – faz quase 12 anos, tempo suficiente para resolver quaisquer eventuais problemas. Alguém acha que o salário do governador do Estado não deve ser o teto salarial dos funcionários? Perfeito: é só mudar a Constituição e as leis. Até lá, é cumpri-las.

Aliás, apesar de tudo, a imprensa tem sido a principal arma da população para exigir o cumprimento da legislação. Com base na Lei de Acesso à Informação, os meios de comunicação têm entrado na Justiça e obrigado as instituições a informar quanto pagam. A propósito, será este um dos motivos que levam tantas pessoas, das mais variadas tendências políticas, a odiar a imprensa?

 

Compartilhando

Da coluna de James Akel na internet (http://jamesakel.zip.net/), uma nota que vale a pena transcrever:

“(…) no Jornal da Manhã de César Filho, no SBT, numa reportagem que mostra um casal homossexual adotando quatro crianças de uma mesma família que estavam abandonadas, César Filho disse uma frase que pode ser o grande exemplo de atitude do casal gay contra os que têm preconceito por sua homossexualidade.

“A frase de César foi que dois iguais não fazem filho, mas adotam o filho que dois diferentes jogaram fora.”

 

Como…

Título de um grande jornal online, pertencente a um dos maiores grupos de comunicação do país, traçando os rumos políticos da presidente Dilma Rousseff:

** “Tragetória”.

O texto mostra o trageto e os progetos da jenitora do PAC.

 

…é…

De um grande jornal regional impresso:

** “Requião construiu ser dono de atitudes autoritárias, impositivas, imperiais”

 

…mesmo?

Título de um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Com a (nome da empresa), 85 ligação”

Pois é: quem diria que aquele livro que considera correta a frase “nós pega os peixe” estava na verdade prevendo o futuro?

 

Ainda bem!

Há matérias jornalísticas que fazem observações extremamente oportunas: ou seja, dão aos consumidores de informação a oportunidade de perceber que as coisas vão sendo escritas a bofetão, sem grande preocupação com a lógica.

** “Dois são presos por matar menino por engano”

Caso tivessem matado o menino deliberadamente, sem qualquer equívoco, estariam livres da prisão?

** “Ex-jogador do Fluminense quebra a perna de maneira horrível durante um jogo”

Existe alguma boa maneira de quebrar a perna?

** “Perto dos 74 anos, Pelé se distancia cada vez mais de sua ‘amiga’ bola”

É espantoso: este colunista tinha certeza de que Pelé iria disputar os Jogos Olímpicos do Rio, naquela cota de três jogadores acima de 23 anos.

 

Frases

>> Do jornalista Rogério Matarazzo, sobre a campanha eleitoral: “Tem greve nos bancos, naquilo ali e naquilo lá. Mas os Correios seguem firmes, trabalhando a todo vapor.”

>> Do escritor Marcelo Rubens Paiva: “Finalmente a política brasileira resolveu debater a função daquilo que gerou o tom dessa campanha, o aparelho excretor.”

>> Do escritor Alex Solomon: “Ao ler a declaração do deputado do PT mineiro Durval Angelo, creditando o crescimento de seus candidatos ao dedo forte dos petistas, não pude deixar de lembrar do meu urologista.”

 

E eu com isso?

Bem-vindo ao Mundo Encantado do Entretenimento! Aqui a superpotência jornalística é Caras, o rei do noticiário virtual é O Fuxico, os astros são os astros, mesmo (ou aqueles que nos dizem que são astros). E ninguém sai triste: na pior das hipóteses, esquece tudo depois de algum tempo. Mas mantém o sorriso.

** “Mary-Kate Olsen já estaria casada com Oliver Sarkozy”

** “Marina Ruy Barbosa ganha buquê de flores”

** “Selena Gomez é flagrada com o zíper da calça aberto”

** “Sexy, Grazi Massafera posa para campanha de relógios”

** “Filho de Shakira esbanja fofura em passeio por Paris”

** “Sabrina Sato escolhe vestido ousado para ir a festa de revista”

** “Jennifer Lawrence não está morando com Chris Martin”

** “Cintia Dicker caminha descontraída pelo Leblon”

** “Nívea Stelmann passeia por Nova York com a família”

** “Ex-Paquita e o esposo vão juntos ao Festival do Rio”

** “Miranda Kerr vai com vestido transparente em desfile na França”

** “Fiuk encontra Manu Gavassi e amiga num restaurante paulista”

** “Rainha Elizabeth II contrata removedor de goma de mascar por salário ‘considerável’”

** “Sophie Charlotte deixa o Rio de Janeiro com look casual-fashion”

** “Taylor Kinney e Lady Gaga teriam se casado em segredo”

 

O grande título

A safra é interessante: há títulos dos mais variados modelos, dos de texto complicado até os escatológicos, normalmente raros. Comecemos com o de texto retorcido (nessa época em que houve tantos debates de candidatos, devem estar na moda):

** “Nova foto da goleira musa Hope Solo nua vaza”

Temos uma manchete daquelas em que obviamente houve um erro de digitação, mas ficou interessantíssima:

** “Ex-condenado à morta vira orador de turma”

Condenado à morta – a pena terá sido casar com a falecida?

E os dois escatológicos. Um é sobre a goleada do Corinthians sobre o Atlético Mineiro, por 2×0, reduzindo a hostilidade da torcida contra o técnico Mano Menezes:

** “A noite de alívio de Mano”

O outro, certamente o melhor da semana, é sobre um parque de uso múltiplo, em Presidente Prudente, no qual foram instaladas três academias de ginástica para idosos (escolha a denominação que preferir: velhinhos, terceira idade, melhor idade, sêniors ou outro eufemismo qualquer). O problema é a sigla do parque:

** “PUM abriga 8 academias da 3ª idade desde junho”

Não lembra o famoso nome de uma flor?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação