Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Daniela Nogueira

Uma charge publicada nessa semana que passou incomodou alguns leitores. Neste período pós-eleição, os nordestinos viraram alvo novamente de preconceito por parte de brasileiros de outras regiões do País. A razão, alegam, seria a votação expressiva do Nordeste na presidente reeleita Dilma Rousseff, e essa votação teria ocorrido, principalmente, devido a bolsas assistencialistas dadas a nordestinos.

Não vou comentar aqui essa discriminação descabida, porque acredito que não existe justificativa para isso. Números e fatos derrubam qualquer razão que se busque para a falta de bom senso. Mas é importante que entendamos esse contexto. E foi essa discriminação que estamos tentando combater o que alguns leitores enxergaram na charge de terça-feira, 28/10.

A imagem, que pode ser vista abaixo, foi criada pelo experiente chargista Clayton Rebouças. Mostra dois homens conversando, em um banco, debaixo de uma árvore seca. Com roupas rasgadas e sujas, dão a impressão de estarem em uma cidade da zona rural que ainda vive aquela cena do chão seco e da terra rachada. Um deles segura o jornal com a manchete “Dilma é reeleita”, o outro comenta: “Agora a coisa vai!”.

Como os leitores viram

Parte dos leitores viu a charge como uma crítica à reeleição da presidente Dilma, reproduzindo o preconceito de que a reeleição do PT ao poder nacional ocorreu graças a um povo pobre, maltrapilho e ignorante do Nordeste. A administradora Vólia Barreira se disse “indignada” após ler a imagem: “A charge está ativando o preconceito contra o nordestino. Quem desenhou deve ter votado no Aécio. Até azul a charge é”. O leitor Marcus Vinicius Oliveira classificou de “péssima”. “Reforça os preconceitos contra o Nordeste e estimula o estereótipo do nordestino pobre, sujo e que não faz nada”, avaliou. Houve até quem questionasse a nordestinidade do Clayton. Ele é cearense.

Américo Souza, membro do Conselho de Leitores do O POVO, opinou: “Nada contra o uso de estereótipos por um chargista (sobre o camponês nordestino); o recurso a eles é uma metodologia clássica desta arte. Todavia, penso que é preciso avaliar bem o contexto, sob pena de, sem intenção, ir além do pretendido. Em tempos em que nordestinos estão sendo vítimas de ataques preconceituosos nas redes sociais, por conta do resultado das eleições, compreendo que a escolha do

Clayton foi bastante infeliz. Tanto que já circula nas redes sociais com o seguinte título ‘Esse é o perfil do eleitor da Dilma: o esfarrapado ignorante’”.

Houve quem aprovasse a ideia. “O Clayton foi muito feliz com esta charge, sintetizando o momento do País, que é de incerteza, sem ser partidário de A ou B. Parabéns, Clayton, nota 10!”, escreveu o leitor Ademir Oliveira Silva, no portal.

O que diz a Redação

Clayton comentou a repercussão da imagem: “Toda charge está impregnada de subjetividade e marcada por pontos de vista distintos. É característica da charge a possibilidade de várias leituras; ou seja, o leitor pode percebê-la de várias maneiras de acordo com sua própria visão. Exemplo disto são os vários comentários postados no O POVO online. Na charge em questão, em nenhum momento retrato o preconceito aos nordestinos. Faço apenas uma crítica ao primeiro mandato da presidente Dilma, representado (volto a frisar, não por nordestinos) por uma classe que existe em todo o País, a dos menos favorecidos, demonstrando a incerteza ou, quem sabe, a esperança de um segundo mandato mais promissor.”

Sensatez e sensibilidade

Por conhecer o trabalho crítico que o Clayton faz, creio que a intenção desta charge não deva ter sido o preconceito. Seria um tiro no pé de um jornal cearense reforçar essa discriminação. Não faz sentido. Mas não se pode negar a repercussão negativa da interpretação da charge. Nesses momentos, precisamos ser mais sensatos. A crítica nem sempre precisa ser tomada apenas pela razão. Faltou sensibilidade.

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Daniela Nogueiraé ombudsman do jornalO Povo