Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As sete caras de Suzane

Suzane Richthofen não para de nos surpreender. Agora vai virar filme dirigido por Fernando Grostein, que gosta de colecionar histórias sobre parricídios e já comprou os direitos do livro O Assassinato dos Pais de Suzane(Planeta), de Roger Franchini, ex-investigador da Polícia Civil. O foco vai ser a noite do crime para o qual Grostein ainda não tem nenhuma hipótese sobre o motivo do assassinato, mas no roteiro que escreve com Franchini será “sanguinário” e nada condescendente. Ao contrário livro de Franchini que capitulou, humanizou e recebeu críticas de não ter tratado Suzane com a devida monstruosidade. Na Folha de S. Paulo (4/11) ele justifica: “Não tenho interesse no psicologismo de um psicopata”. Ao contrário de Grostein, que gosta do suspense psicológico e de explorar o limite das pessoas.

Suzane é um prato cheio para ser engolida das duas maneiras e, dependendo de como a Justiça encara a moça, o filme ainda corre o risco de ser proibido pela justiça paulista como aconteceu com a peça Edifício London,de Lucas Arantes, sobre o assassinato da menina Isabela Nardoni.

A curiosidade para saber que Suzane sairá daí é imensa. Por que aimprensa precisa decidir se Suzane Richthofené deusa ou diaba, se encarna as duas, se uma estimula a outra, e em quem devemos acreditar. A primeira é a Suzane de 19 anos que abriu a porta do belo casarão do bairro paulistano do Campo Belo, em 2002, para o namorado e o irmão dele espancarem com barras de ferro seus pais na cama, sufocar sua mãe com uma toalha úmida e um saco plástico de lixo enquanto ela simulava um roubo antes de ir ao motel com Daniel Cravinhos, assassino de Manfred e Marisia. Doze anos depois surge a Suzane no presídio de Tremembé (SP) casada com “Sandrão” ou “Galega”, que sequestrou e matou o vizinho de 14 anos por R$ 3 mil, ex-mulher de Elise Matsunaga, que esquartejou o marido.

Tentativa de assassinato

No enterro dos pais conhecemos uma Suzane de umbigo de fora e chorosa, para em seguida alegremente comemorar o aniversário com um churrasco no sítio da família, em São Roque (SP), pago com parte dos R$ 8 mil roubados dos pais. Ela teria tentado a cidadania alemã e trazia no carro um documento em que solicitava ser a inventariante do espólio dos pais. Apanhada na mentira, passou a dividir com o ex-namorado e o irmão dele, Cristian, um jogo de empurra-empurra, cada um acusando o outro de ser o mandante do crime. Pegou 38 anos e seis meses de prisão.

Na entrevista que concedeu ao Fantástico aparecia doce, chorosa e com um pássaro pousado na cabeça, vestida e falando como criança. Na entrevista que concedeu à Veja(12/4/2006), vestindo camiseta com a estampa de Minnie e pantufas de coelhinho, dizia que o pai e a mãe eram lindos – “Olha, eu amo muito meus pais, dói muito falar neles” – e a desculpa era estar muito drogada naquele dia. Quem fornecia a droga? Os irmãos Cravinhos.

“Ela quer nos fazer de idiotas”, disse o promotor Roberto Tardelli. Na reconstituição do crime, outro promotor, Marcelo Milani, também percebeu: Suzane não demonstra remorso; quando chora, chora como uma atriz. O irmão Andreas, de 16 anos, tentou ficar ao lado dela levando, nas visitas à carceragem da 89ª DP, um ursinho de pelúcia que ela pedia. Até ser proibido pelos avós e o tio, Suzane reivindicava parte da herança e Andreas acabou indo para o lado contrário, movendo uma ação de exclusão da irmã e testemunhando no julgamento.

Uma hora Suzane era a filha abusada pelo pai que resolveu se vingar. Outra, era a filha revoltada com os relacionamentos extraconjugais dos pais, o engenheiro Manfred e a psiquiatra Marisia. 

De repente ela deixava escapar que o pai de Daniel e Cristian sabia de tudo, estimulava o crime. No quarto de Daniel os pais dos Cravinhos mantinham um travesseiro com a foto de Suzane e o casal de tartarugas, presente de Suzanne, que eles chamam de Dan e Su. As múltiplas imagens não param por aí. Ao perceber entre uma prisão e outra que voltaria para a cela, ela tentava convencer as pessoas de que é uma menina perturbada.

Toda vez que botou a cabeça para fora nas ruas era atacada com gritos de “assassina”, e os moradores do prédio do Morumbi onde ficou a convite do tutor, Denivaldo Barni, alegavam danos morais e materiais, queriam a garota fora. As paredes do prédio foram pichadas. No Centro de Ressocialização de Rio Claro venceu a deusa e a diretora de segurança lhe concedeu regalias: ela podia utilizar a internet. Descoberta a bondade, foi transferida para a Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo, onde sofreu tentativa de assassinato durante uma rebelião; as presas queriam fazer dela refém, mas ela se escondeu debaixo do tanque e uma colega acabou refém em seu lugar, morta em seguida. Ali dividia a cela com duas advogadas do PCC. Antes, havia sofrido processo de triagem para ser aceita pelas outras presas.

Filhos, talvez

Linda, loura, rica num país moreno onde a pobreza predomina, a novela de Suzane não demorou a virar best-seller. O livro O Quinto Mandamento – Bastidor do Crime,de Ilana Casoy, brilhou na lista dos mais vendidos. O caso tinha todos os ingredientes de novela negra. O crime aconteceu no Dia das Bruxas, 31 de outubro de 2002, data em que Suzanne e Daniel comemoravam o início do namoro.

Advogados, juízes, promotores e leitores ficam em dúvida. O delegado Domingos Paulo Neto, que dirigia ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo na época do crime, não tinha dúvida: “Ela é fria, calculista, impetuosa”. Hoje, as muitas Suzanes aparecem como persona vitimizada, carente, digna da pena da sociedade.

Na Marie Clairede novembro, recheada de mulheres fatais, lânguidas, bem vestidas, surge Suzanne sem maquiagem e cabelo escorrido, olhar desassistido, de camiseta branca e calça marrom, uniforme do presídio de Tremembé onde ficam mulheres que correm risco de morte em cadeias comuns. Alegre, até. A entrevista foi marcada durante o concurso anual para Miss Primavera, Suzane representava as presidiárias. Elas dançavam ao som de “Show das Poderosas”, de Anitta, e cantavam “Beijinho no Ombro”, de Valéria Popozuda. Entre as presas, Anna Carolina Jatobá, acusada de matar a enteada Isabella Nardoni.

Suzane não permitiu que a entrevista fosse gravada, nem que se falasse na noite do crime ou no seu casamento com Sandra Regina Ruiz Gomez, de 31 anos. Como disse Rogério Pagnan na Folha de S. Paulo(26/10/2014), Suzane é conhecida como a “Marcola de saias” – alusão ao chefe do PCC, Willians Herbas Camacho, tamanho seu poder de persuasão entre as detentas.

Agora diz ter rompido com o ex-tutor e advogado Denivaldo Barni, segundo ela porque ele não abria mão de lutar pela herança dos pais assassinados. Suzanne declarou que reconhece não ter direito aos bens dos pais, “aquilo não me pertence”. Mas disse à repórter Maria Laura Neves que quer se reconciliar com irmão Andreas – “Dele quero apenas amor e perdão”. Andreas hoje é professor universitário e não vê a irmã há 11 anos.

Esta Suzane é evangélica e trocou a ala das convertidas para outra melhor. Nas prisões por onde passou cuidava da horta, do jardim, fazia trabalhos menores. Em Tremembé desde 2008, ela começou varrendo o pátio sem remuneração, visando redução da pena. Depois serviu comida, logo se tornou monitora de educação ensinando inglês e hoje recebe R$ 705 mensais do setor de oficina de costura da Funap – Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel, que emprega presos dentro das cadeias paulistas. Guarda a maior parte do salário, o resto gasta no supermercado, compra hidratantes, shampoos, esmaltes vermelhos para unhas.

A nova Suzane diz que não consegue se perdoar pelo que fez, nem ser totalmente feliz – “não tem como olhar no espelho e não lembrar”, diz. Outro dia a mãe de uma ex-colega da escola alemã Humboldt foi parar em Tremembé e contou sobre os alunos do colégio: um morava em Dubai, outro na Alemanha, como seus pais pretendiam para ela. “Acho que [se não tivesse cometido o crime] estaria morando fora, talvez tivesse filhos.” Na época do crime Suzane cursava o primeiro ano de Direito na PUC-SP.

Para a repórter, disse que se emocionou quando soube que a diretora do presídio seria avó. “Imaginei como minha mãe receberia essa notícia.”

Romeu e Julieta

Suzane, a da Marie Claire, sonha com a mãe e diz que ela a protege. “Estou pagando pelo meu erro e quero recomeçar.”

Na ala das casadas, que é bem mais espaçosa do que a das evangélicas, ela desbancou Elise Matsunaga e ficou com “Sandrão”. Suzane não será mais fotografada ao lado de um Cristian de peito nu e tatuado, de um Daniel que fabricou em casa a barra de ferro preenchida com madeira usada para espancar os Richthofenenquanto dormiam. Suzane sempre atraiu as mulheres nos presídios – em Rio Claro, duas funcionárias brigaram pelo seu amor. Se até o soldado Bradley Edward Manning, aliás Chelsea Elizabeth, ex-analista de inteligência do Exército americano que vazou informações ao Wikileaks, diz ser mulher, por que Suzane não sairia do armário nessa nova fase?

Aos 31 anos, novamente nas páginas da imprensa, Suzane não quer liberdade. Agora quer curtir o casamento. Como escreveu Elio Gaspari (O Globo, 2/11), “Sandrão e Suzane custam à Viúva investimentos semelhantes ao de seis alunos de universidades públicas”.

Desde que foi anunciada a reportagem da revista Marie Claire Suzane já ganhou manchetes na coluna de Mônica Bergamo (Folha de S.Paulo, 28/10), “Amor e Perdão”, e também na Folha, no mesmo dia e no seguinte, “A companheira de Suzane” e “A nova vida de Suzane”. Na Marie Claireela declarou ser leitora de livros de autoajuda, das histórias de amores trágicos do romancista americano Nicolas Sparks, mas o livro de cabeceira é Quem me Roubou de Mim?, do padre Fábio de Melo.

Na apresentação da matéria, a editora Marina Caruso fala no “furo incontestável” que foi a conversa com uma Suzane “assustada e visivelmente nervosa com a entrevista”. Talvez a leitora de Marie Clareengula tudo, mas quem será que plantou o furo, Suzane ou a repórter Maria Laura? Quem usou quem para forjar qual Suzane? E de que Suzane estamos falando? Talvez o filme de Grostein e Franchini revele uma nova cara.

E para complicar mais o quebra-cabeça, o psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha (6/11) sobre “Os Amores de Suzane”,onde afirma: “Suzane a Daniel são primos de Romeu e Julieta… eu sei que é difícil de ouvir, mas é provável que Suzane tenha assassinado seus pais… por amor”. Mas, em tempo, conclui com um conselho: “Na hora das grandes decisões de sua vida, tente não se orientar pelo amor”. 

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Norma Couri é jornalista