Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nos EUA, volta o debate sobre nova bolha

O grande volume de recursos investidos em startups de tecnologia reabre o debate sobre uma possível bolha da internet nos Estados Unidos, como a que estourou há 14 anos, no início do ano 2000. A valorização dessas empresas em bolsa, nem sempre justificada por seus fundamentos, e o crescente número de aberturas de capital e aquisições criam um clima de euforia. Especialistas não reconhecem um risco de catástrofe, mas avaliam que investidores, ansiosos por um bom negócio, não estão separando o joio do trigo.

Em busca da próxima ideia capaz de mudar a forma como nos relacionamos com a tecnologia, companhias de capital empreendedor (“venture capital”) investiram US$ 33 bilhões de janeiro a setembro nos EUA, mais do que os US$ 30 bilhões em todo o ano de 2013, segundo dados da PricewaterCoopers (PwC) e da Associação Nacional de Venture Capital (NVCA, na sigla em inglês). No terceiro trimestre, pela sexta vez consecutiva, o número de negócios foi superior a 1 mil.

“Nunca se investiu tanto em startups na história americana. Mas não se pode julgar se isso é uma bolha. Depois da crise de 2008, o mundo mudou”, diz Gustavo Demoner, conselheiro da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e diretor de inovação da consultoria beBOLD.

As altas taxas de desemprego de alguns anos atrás estimularam o empreendedorismo, ao mesmo tempo em que criar um projeto de startup passou a ser requisito para ser contratado por grandes empresas de tecnologia. “A tradição da economia americana é investir em boas ideias”, afirma Demoner.

Patrick Kann, diretor de novos empreendimentos na incubadora IdeaLab, com sede em Pasadena, Califórnia, diz que a baixa taxa de juros incentiva o aporte em novas empresas de tecnologia. Para ele, há um entusiasmo exagerado. “Há mais ‘venture capital’ disponível que em 1999. É uma fase perigosa”, diz. “Estamos vivendo uma bolha. Ninguém sabe se haverá uma ruptura ou um pouso suave.”

O Facebook, por exemplo, anunciou a compra do Whatsapp por US$ 19 bilhões, pagou US$ 1 bilhão pelo Instagram e ofereceu US$ 3 bilhões pelo Snapchat. São cifras astronômicas para companhias que, na época, tinham pouca ou nenhuma receita. “Mas as métricas de crescimento e engajamento eram incríveis”, diz Kann.

Escritórios virtuais

Os termos estão mais favoráveis ao empreendedor que ao investidor, afirma o diretor da IdeaLab. Os gestores estão mais flexíveis e dispostos a pequenos mimos por um bom acordo. “Mas isso tudo é cíclico. Daqui a sete anos, tudo pode mudar”, acrescenta Kann.

Enquanto isso não acontece, empresas de tecnologia aproveitam o bom momento para levantar capital na bolsa de valores. O valor captado por aberturas de capital globais no setor alcançou o recorde de US$ 24,8 bilhões durante o terceiro trimestre, fortalecido pela oferta do site de comércio eletrônico chinês Alibaba. Na comparação com um ano antes, o volume de negócios aumentou 50%. Em termos geográficos, a China dominou o mercado de IPOs, com dez estreias, seguida por Europa (4) e Estados Unidos (4).

Para Luke Brown, sócio da consultoria GrowThink, que auxilia desde 1999 pequenos empresários a iniciar, desenvolver e vender seus negócios nos Estados Unidos, a diferença é que abrir uma empresa ficou mais fácil que alguns anos atrás. “E se isso significa que o mercado está aquecido e as oportunidades são muito disputadas, ótimo. Espero que o número de startups continue a crescer.”

Os rendimentos podem ser grandiosos conforme a empresa amadurece. O Facebook foi fundado em 2004, por Mark Zuckerberg e outros estudantes da Universidade de Harvard. O site cresceu e, em maio de 2012, a ação da rede social estreou na Nasdaq, cotada a US$ 32. Passou mais de um ano abaixo do preço de venda na abertura de capital. Quem soube esperar, entretanto, viu a empresa dobrar seu valor de mercado em pouco mais de dois anos, para US$ 206,6 bilhões. Os papéis acumulam alta de 94% desde a oferta inicial.

A trajetória da rede social de contatos profissionais Linkedin vai na mesma direção. A empresa iniciou os negócios a US$ 45 na bolsa de tecnologia Nasdaq, em 2011. Na sexta-feira, o papel era cotado a US$ 219,44.

Há quem questione a durabilidade dos negócios. É difícil saber se o aplicativo de caronas Uber realmente vale US$ 18 bilhões ou se a King, fabricante do jogo Candycrush, terá sucesso em desenvolver novos produtos.

Os rumores de uma bolha são alimentados por apostas questionáveis, afirma Demoner. “Eu não acredito em uma bolha. Acredito que algumas empresas de venture capital estão fazendo péssimos investimentos, por estarem empolgadas demais”, diz o consultor.

Há alguns meses, o aplicativo “Yo”, que permite a amigos trocarem a saudação “Yo”, e nada mais, foi alvo de discussões ao receber US$ 1 milhão do presidente da plataforma Mobli, Moshe Hogeg.

A exuberância de recursos e o dinheiro barato são características das bolhas. Mas há circunstâncias mais específicas. Em 2000, grande parte do capital foi usado para comprar servidores, alugar escritórios e adquirir participações em mercados pequenos ou improváveis. Agora, as startups alugam espaços para armazenamento em nuvem, têm escritórios virtuais e quase não gastam com propaganda.

Um ponto interessante do estudo da PwC é que o investimento em empresas em estágio inicial e em fase de expansão diminuiu de julho a setembro, ante o trimestre anterior, mas os aportes em empresas com negócios em etapas avançadas aumentou. “Bons negócios encontrarão financiamento em qualquer época”, diz Brown, da GrowThink. [A repórter viajou a convite da Midstage Ventures]

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Tatiane Bortolozi, do Valor Econômico