Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Vera Guimarães Martins

Erros são cometidos com frequência, mas esta semana registrou um episódio incomum de correção.

Na edição de terça (18), o atual diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza, irrompeu em todos os noticiários, acusado de receber comissão de empreiteiras que mantêm contratos com a estatal. Na quarta, os repórteres já relatavam conversas anônimas com ministros que davam sua queda como inevitável. Na quinta, a acusação virou pó –mas esse pó não foi disfarçado embaixo do tapete.

A revelação era uma bomba com alto potencial de estrago, tanto que ganhou manchete no “Estado” e no “Globo”. Se confirmada, a participação de Cosenza levaria o esquema de corrupção para dentro do Planalto, uma vez que ele assumiu o cargo em 2012, na gestão de Dilma Rousseff e de sua escolhida para a Petrobras, Graça Foster. A Folha destacou outro assunto, mas deu a segunda chamada da capa para o caso, com título em uma coluna.

O material interno, porém, trazia erros da Redação. A linha que complementava o título dizia que, segundo o delegado, três dirigentes de empreiteiras haviam incriminado o diretor, quando foi justo o contrário, o inocentaram. Além disso, a “afirmação” do policial era, na verdade, uma pergunta feita aos depoentes, na qual ele atribuía a acusação aos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. O jornal publicou errata na quarta-feira.

Nesse mesmo dia, o delegado federal responsável pelo interrogatório soltou nota afirmando que a divulgação fora um “erro material” e que não existia qualquer elemento que indicasse ação do atual diretor no esquema. A negativa foi provocada pelo juiz do caso, Sérgio Moro, que intimou a PF a esclarecer se havia alguma prova concreta que ele desconhecia. Moro não tinha tomado atitude semelhante com nenhum dos nomes vazados antes.

Se tem lado bom nesse episódio, foi o fato de polícia e jornais corrigirem o erro com destaque poucas vezes visto. O “Estado” registrou o desmentido novamente na manchete. No “Globo”, foi a segunda chamada, menor portanto, mas em quatro colunas. A Folha manteve o formato anterior de uma coluna, com título e espaço pouco menores.

É lícito crer que as correções não seriam tão generosas se o erro fosse dos jornais, mas a imprensa (ou parte dela) ainda se corrige mais do que órgãos como a PF. Não está claro por que o nome de Cosenza apareceu. Pode ser que integre depoimentos ainda sigilosos, aos quais o interrogatório deu publicidade indevida. Podem surgir provas que o impliquem. Cada coisa a seu tempo: as correções deflagradas pelo juiz têm o mérito de não permitir que se ponha o carro à frente dos bois.

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo