Novembro foi marcado por uma surpresa no âmbito das disputas por direitos de transmissão de eventos esportivos. O Esporte Interativo ganhou a licitação, com exclusividade em TV fechada, da Liga dos Campeões da Europa, principal torneio entre clubes do mundo, de 2015/2016 a 2017/2018, em meio a uma concorrência com grupos do nível da Globo (SporTV), Fox (Fox Sports) e Disney (ESPN) no Brasil.
Na verdade, a concorrência foi contra a proposta conjunta da Globosat e da ESPN, superada por supostos 20% a mais do Esporte Interativo – a Fox não apresentou proposta. O canal vencedor, originado da Top Sports (1999) em 2007 em UHF, com essa aquisição passa a se reforçar na TV fechada e na internet, onde detém o serviço sob demanda EI Plus.
Os direitos de transmissão são alvo de disputas intensas em todas as partes do mundo – como comentamos neste Observatório em diferentes momentos e sobre outros países. Isso começa nos anos 1990, primeira década após a abertura dos mercados de TV com o fim do monopólio público-estatal e a modificação do produto futebol televisionado nos países europeus.
O Brasil só viu esse processo concorrencial nos anos 2000, com a consolidação da TV fechada e a necessária abertura de mercado por parte do Grupo Globo, após a crise do mesmo – aumentado com a posterior aprovação da Lei 12.495/2010, que unificou as regulamentações sobre a TV segmentada e forçou a saída do grupo de conselhos executivos das distribuidoras. Ainda assim, são alguns os momentos em que o grupo usou de suas barreiras político-institucionais para dificultar a entrada de outros atores.
A estratégia do canal
Em 2006, foi necessário que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinasse, via Termo de Cessação de Conduta, que os canais Globosat, especialmente os relacionados a eventos esportivos (SporTV 1 e 2 e Premiere), não fossem de exclusiva entrega de programação, até então apenas para a Sky. Noutro momento, em 2012, a entrada da Fox Sports na TV fechada brasileira foi dificultada pela participação da Globo como sócia de Net e Sky. Foram meses até chegar a um acordo, inclusive de conteúdo, com a Fox repassando a transmissão da Libertadores e recebendo os jogos dos torneios Fifa.
O Esporte Interativo sofre desde o início com essas barreiras. Fora das duas principais distribuidoras, Net e Sky, o canal tem sua atuação restrita na TV fechada. Por isso que manter a exclusividade dos jogos da Liga dos Campeões, com a promessa de transmitir todos eles e em HD, é essencial para a abertura de novos espaços a partir de 2015. Imagina-se que nenhuma programadora irá querer ficar sem o principal torneio de futebol entre clubes do mundo – apesar de terem optado por perder público após a aposta na regionalização do EI, com transmissão da Copa do Nordeste e dos estaduais da região desde o ano passado.
Mas para chegar a este nível, o EI também realizou parcerias com grandes grupos transnacionais. Por dois anos, manteve uma parceria de produção de conteúdo para a internet com o Yahoo! Houve a união das ofertas para plataformas móveis e produtos online (redes sociais, sites e aplicativos). O contrato não foi renovado em 2014.
A grande parceria veio da ida ao mercado. Com o auxílio do Goldman Sachs – que colaborou com o Grupo Globo e foi sócio minoritário do argentino Grupo Clarín –, passou a ter como sócia a Turner Broadcasting (Time Warner), com uma entrada de capital de R$ 80 milhões e detendo 20% de suas ações. O investimento pesado junto à proprietária de canais como TNT e Space, respectivamente 6º e 10º mais assistidos na TV segmentada, mostra que a estratégia de atuar no que sobrava do mercado – como foi a histórica transmissão da campanha do inédito título mundial da seleção brasileira de handebol feminino em 2013 – passa a ser a de ocupar um espaço importante neste setor de mercado, abrindo ainda a possibilidade de ganho de recursos com a multiplataforma, através do EI Plus, também dentro do acordo com a Uefa.
Fuga para outras plataformas
Globo e Bandeirantes seguem transmitindo na TV aberta, setor que a emissora da família Marinho continua tendo controle quase que absoluto quando se trata da prioridade em acesso aos principais torneios de futebol e até da maioria dos outros esportes no mundo – adquirindo o pacote para todas as mídias.
De todas, a ESPN é que vai perdendo cada vez mais espaço. Agora, ao perder os direitos da Liga, além de outros já perdidos com a entrada da Fox Sports no mercado brasileiro – caso das ligas alemã e italiana –, ou entra mais forte nas próximas disputas ou confirma a tendência de apostar nos esportes estadunidenses, destacadamente a NFL, para o Brasil, área em crescimento nos últimos anos e que recebe mais cuidado na programação de seus canais.
Importante produto por se tratar de um bem cultural com grande receptividade, o futebol seguirá sendo motivo para novas formas de atuação de importantes grupos transnacionais de comunicação. As ligas e os clubes sabem disso e cabe a eles ver o faturamento aumentar a cada renegociação, independente das dificuldades de mercado provinda de crises econômicas, e saber escolher uma proposta que seja melhor no pacote como um todo, para além do lado financeiro. A proposta do Esporte Interativo, por exemplo, teve que considerar a possibilidade de transmissão nos outros canais da Turner, caso o EI e o possível novo canal da Champions não consigam ser oferecidos na Net e na Sky. Não adianta receber muito para esconder o produto; seria prejuízo para a marca, que perderia adeptos nos mais diferentes nichos de mercado ligados à indústria do futebol.
Acompanhar esses processos de disputa é verificar os movimentos de derrubada e construção de novas barreiras de mercado, o que na TV aberta é praticamente impossível de se realizar, dado a firmeza da velha legislação do setor. Mas os reflexos destas lutas podem influenciar a estruturação de mercado também por lá. A fuga dos telespectadores para outras plataformas é visível, assim como o grande aumento que vive o número de assinantes da TV fechada no país nos últimos anos.
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Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação