Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E o nosso racismo?

A fala de Silvio Santos, que fez “piada” com o cabelo black power da atriz mirim Julia Oliver, de Chiquititas (SBT) tem tudo a ver com o episódio protagonizado pela jornalista Neila Medeiros no Notícias da Manhã, da mesma emissora. Comentando o trânsito intenso da capital paulista no pós-feriado da Consciência Negra, Neila disparou: “Hoje é dia de branco, dia de trabalhar” (ver, neste Observatório, “Preconceito no jornalismo“). Silvio, ao descobrir que a jovem Julia – linda, com seus cachinhos encaracolados – queria ser atriz ou cantora, questionou: “Mas com esse cabelo?”

Alguns podem dizer que estavam “brincando”… Podem pensar que falaram “sem querer”… Podem chamar de preconceito, discriminação… Mas, para mim, isso tudo é racismo, puro racismo! “Jornalistas” que ferem os direitos humanos e incitam a sociedade a fazer justiça com as próprias mãos contra “suspeitos”, quase sempre negros…; novelas cujos papéis de destaque são destinados majoritariamente aos brancos…; programas que dizem dar espaço aos pretos pobres, mas os retratam sempre de maneira estereotipada… Não somos racistas?

Os episódios acima ocorreram, pasmem, no mês da Consciência Negra. E é a partir deles que precisamos refletir. O mito da democracia racial foi usado por muitos anos. Aquela história, sabe, de que o Brasil é um país hiper miscigenado; de que aqui todo mundo é “meio preto”; de que, vejam só, todos convivemos harmoniosamente na sociedade brasileira. Harmoniosamente, numa sociedade que tem espaços simbolicamente marcados para os pretos e os não pretos? Será mesmo? Ou você nunca percebeu que a maioria dos catadores de lixo são pretos? Nunca percebeu que seus professores universitários foram, e são, na maioria brancos? Será por quê?

Naturalizamos a omissão

As discussões raciais envolvem lutas por poder. E, inegável, quem tem o poder não quer perdê-lo. Lembremos as discussões lamentáveis travadas na última eleição, quando nossos amigos nordestinos (em maioria, negros e pobres) foram xingados e humilhados. E aqueles argumentos segundo os quais o sistema de cotas (para pobres e negros pobres!) reduziria a qualidade dos cursos?! Para os desavisados, uma rápida pesquisa no Google mostra que, em média, o rendimento do aluno cotista é similar – ou às vezes melhor – ao dos não cotistas.

Mas urgente mesmo é ver as estatísticas. Eles denunciam a situação de inferioridade em que se encontra o povo preto pobre deste país. Menor escolaridade, rendimento, acesso a equipamentos públicos; maior taxa de homicídios, de violência, de desemprego. Ou seja, continuamos ganhando nas estatísticas onde ninguém quer ganhar. Solução? Tenho algumas suposições. Mas a primeira é confessarmos: sim, queridos amigos, nós somos racistas! Somos racistas, pois deixamos perpetuar, passados mais de cem anos da abolição da escravatura, esta situação que retira a dignidade de milhares de pessoas pelo país afora. Naturalizamos a omissão, o descaso, a falta de amor e de respeito pelo povo preto. Isso não seria racismo?

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Rodrigo Galdino é jornalista