Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Facebook e privacidade

O Facebook anunciou que mudaria sua política de privacidade. E, de presto, usuários brasileiros reagiram. Cada qual, um após o outro, replicou o mesmo texto em juridiquês explicando que os donos da rede social não podem utilizar aquilo que cada pessoa publica. O texto é inócuo. Até que se prove em contrário nos tribunais, o Facebook pode usar, sim. Todos que estamos lá assinamos virtualmente um contrato. Usamos os benefícios da rede, aquilo que por ali deixamos (ou que nossos amigos deixam sobre nós) é o preço que pagamos pelo serviço.

A nova política é a melhor que já houve. O texto encurtou em 70%. Está mais claro e objetivo. Quem tem dúvidas sobre como fechar uma foto para aquele grupo restrito de amigos aprenderá fácil. Ou, então, como apagar aquela identificação que outro sujeito postou naquela imagem em que você só apareceu por acidente. Mas é privacidade pela metade: defende suas informações perante os outros que frequentam a rede. Não a defende do Facebook ou de seus clientes anunciantes.

Nisto também há uma mudança: a ferramenta para controle de publicidade está mais clara. É possível dizer que publicidade queremos ou não ver. Fica um pouco mais fácil entender porque certos anúncios aparecem para nós. Tudo serve aos propósitos da companhia. Quanto mais influenciarmos na máquina de propaganda, mais eficiente ela será para nos vender.

Nada de errado: o Facebook é gratuito porque vive de propaganda. Busca a eficiência pois nela há mais dinheiro. O acordo implícito é este. Usamos, pagamos. Se não pagamos em dinheiro diretamente, o fazemos indiretamente. Publicar um textinho dizendo que o que escrevi é meu, somente meu, é ingênuo. O quadro de avisos eletrônico tem dono.

Problema menor

O Facebook é uma ferramenta tecnológica construída por pessoas extremamente capazes. Seu sucesso não é fruto de acidente: ele funciona. Por funcionar, alimenta o próprio sucesso. Segundo o Pew Research, instituto que pesquisa a relação das pessoas com informação, hoje 30% dos americanos recebem suas notícias principalmente pela rede social.

As notícias não foram escritas pelo Facebook. Vêm da imprensa tradicional, como o New York Times, ou de sites que nasceram com a web, caso do Huffington Post. Há um jornalista ali atrás. Mas o leitor não recebe, em sua página, todo o noticiário de jornais e sites. Recebe notícias pinçadas. Para estas pessoas, o Facebook escolhe o que leem e o que não. Em geral, não são pessoas que se sentem menos informadas do que outras. Sequer percebem a diferença.

Emily Bell, professora de jornalismo na Universidade de Columbia, escreveu recentemente sobre Greg Marra. Aos 26 anos, ele é gerente do produto Facebook News Feed. Marra garante que o esforço de seu time é o de não editar. Recolhe de cada usuário da rede informações: com que amigos conversa mais? Em que links clica mais? Em que posts costuma comentar? É da soma deste emaranhado que um programa seleciona que notícias vão aparecer.

Esta soma não surpreende. Confirma aquilo em que o cliente já acredita. Não desafia, dá mais do mesmo. Não provoca reflexões, alimenta os instintos mais básicos. O resultado, no final, tende a ser para todos os humanos o mesmo: um mix de confirmação ideológica e noticiário sensacionalista. Dar exatamente aquilo que queremos é uma decisão editorial. Uma decisão que empobrece as possibilidades do mundo e dificulta o diálogo entre opostos.

Privacidade é o menor dos problemas no Facebook. Ela é a moeda com a qual pagamos nossa perda de autonomia, tanto nas notícias quanto na publicidade. Moeda, diga-se, que gastamos felizes e sem culpa.

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Pedro Doria, do Globo