Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Revista é alvo de críticas por falha básica em apuração

A revista Rolling Stone provocou polêmica ao publicar uma reportagem sobre estupro ouvindo apenas um dos lados: o da vítima. Em 19/11, a revista divulgou um artigo de nove mil palavras sobre Jackie, uma caloura da Universidade da Virgínia que alega ter sofrido um estupro coletivo durante uma festa em uma república estudantil. A história gerou manchetes no mundo todo e a reitora da universidade, Teresa Sullivan, prometeu uma investigação completa, bem como uma varredura de como a instituição lida com denúncias de agressão sexual.

A controvérsia teve início depois que o jornal Washington Post publicou uma entrevista com a jornalista Sabrina Rubin Erdely, autora da matéria, que sugeria falhas na apuração. Aparentemente, Sabrina – bem como uma série de editores, repórteres e advogados que analisaram o material antes da publicação – aceitou o relato de Jackie sem verificar detalhes importantes que o teriam confirmado ou ao menos fundamentado. A repórter não fez contato com os supostos agressores, não verificou dados básicos (como o nome completo da estudante) e nem mesmo checou se houve uma festa na república na referida data do crime.

Em 5/12, a Rolling Stone se manifestou sobre a veracidade da reportagem: “Em face de novas informações, agora parecem haver discrepâncias no relato de Jackie, por isso chegamos à conclusão de que nossa confiança nela foi descabida”, escreveu o diretor editorial da revista, Will Dana. “Devido à natureza sensível da história de Jackie, decidimos honrar seu pedido para não entrar em contato com o homem que ela alegou ter orquestrado a agressão, ou com seus demais participantes, já que ela temia retaliações”, escreveu ele.

A Rolling Stone afirmou que a república estudantil emitiu uma declaração, em que negava a agressão e informava que não houve “festa ou evento formal” na noite do suposto crime. A revista também alegou que a própria Jackie já não tinha mais certeza se o homem que acusava de tê-la atraído para o quarto onde o estupro ocorrera fazia parte da fraternidade da casa.

Dana concluiu o comunicado da seguinte forma: “Publicamos o artigo com a firme convicção de que era um relato preciso. No entanto, levando em conta todos os depoimentos, chegamos à conclusão de que erramos em honrar o pedido de Jackie para não entrar em contato com os supostos agressores para que fornecessem sua versão. Na tentativa de ser sensível à vergonha e humilhação injusta que muitas mulheres sentem depois de uma agressão sexual, fizemos um julgamento – o tipo de julgamento que repórteres e editores fazem todos os dias. Nós não deveríamos ter feito o acordo com Jackie e devíamos ter nos esforçado mais para convencê-la de que a verdade teria sido mais bem servida caso houvesse o outro lado da história. Tais erros têm a ver com a Rolling Stone, e não com Jackie. Pedimos desculpas a todos que tenham sido afetados pela reportagem e vamos continuar a investigar os acontecimentos daquela noite”.

Sem a versão dos suspeitos

Quando questionada repetidamente pelo Washington Post sobre seus contatos com “Drew” – o líder do suposto estupro ­–, Sabrina Erdely se esquivou, alegando seu acordo de sigilo com Jackie. A resposta deixou a impressão de que existira um contato com Drew, mas que não seria possível falar a respeito. Sabrina frisou que, no início, Jackie foi relutante em até mesmo revelar o nome da república estudantil, mas que acabou convencida a fazê-lo. Na verdade, Sabrina e seu editor, Sean Mata, reconheceram depois que a revista chegara a procurar os acusados, mas que não conseguira encontrá-los.

Paul Farhi, do Washington Post, aponta que este obstáculo por si só deveria ter funcionado como um alerta para a equipe da Rolling Stone. “Em essência, nem repórter nem editor podiam garantir que os sujeitos que supostamente teriam cometido crime tão terrível realmente existiam”, escreveu Farhi em um artigo sobre a “barriga” da Rolling Stone. Ele reiterou que a reportagem não necessariamente precisaria cair, mas que carecia de mais apuração.

Críticas na internet e na imprensa

Nas redes sociais, o pedido de desculpas da Rolling Stone não foi exatamente bem recebido. Como era de se esperar, muitos internautas lamentaram a total ausência de apuração da revista. Alguns questionaram o que fez a Rolling Stone recuar e deixar de confiar em sua fonte; outros partiram em defesa de Jackie, alegando que o relato poderia ser impreciso devido ao trauma do evento.

Na imprensa, a reação não foi menos explosiva. “A Rolling Stone não tinha a obrigação de provar que o relato de Jackie era verdadeiro; no entanto, tinha responsabilidade de verificar fatos e detalhes de forma independente, de extirpar discrepâncias e determinar se estas eram substanciais o suficiente para desacreditar a história”, escreveu Farhi, do Washington Post.

Emily Bell, professora de práticas profissionais na Escola de Jornalismo da Universidade Colúmbia, também criticou a postura da Rolling Stone, dizendo que, se a revista daria voz à entrevistada, tinha a obrigação de verificar os fatos.

“Verificar o relato não teria sido desrespeitoso. Teria sido responsável”, concordou Libby Nelson, que escreveu um artigo no portal Vox sobre a postura da Rolling Stone. “No entanto, compreendo por que ninguém quis pressionar Jackie. Se alguém lhe conta uma história sobre ser agredido sexualmente, você deve acreditar, a menos que tenha um motivo muito bom para não fazê-lo. Isso não faz de você demasiadamente crédulo. Faz de você um ser humano decente. Mas fazer Jornalismo às vezes significa ser uma pessoa horrível”.

“Os jornalistas são pagos para ser céticos e distinguir fatos de afirmações. Há também um princípio básico no ramo: toda história tem dois lados”, concluiu Paul Farhi no Washington Post. “Na verdade, toda história tem muitos lados. A Rolling Stone optou por publicar apenas um deles. Para seu eterno pesar.”

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